Por que aposta eleitoral de Macron pode abalar a democracia na França
Analistas temem que as eleições antecipadas na França possam levar à violência nas ruas e pôr em perigo a democracia. As eleições ocorrem neste domingo (30/6)
Dois países vizinhos se aproximam de eleições que foram convocadas do nada.
Ambos têm governos que deverão cair.
E em ambos os países, as tensões políticas dividem famílias e amigos.
Mas devemos parar por aqui. Neste ponto, todas as tentativas de traçar paralelos entre as eleições britânicas e francesas devem cessar.
Porque, por mais que haja muito em jogo nas eleições no Reino Unido, isso não é nada perto dos riscos que foram levantados do outro lado do Canal da Mancha.
Na França, não é apenas o destino de um governo ou de um líder que está em jogo — mas de um sistema político.
E os riscos não são de esperanças frustradas ou de carreiras destruídas, como numa democracia que funciona pacificamente, mas de violência real.
"As situações são muito diferentes", diz o veterano comentarista francês Nicolas Baverez.
"No Reino Unido, estamos no final de um ciclo político. Foi totalmente racional para Rishi Sunak convocar eleições antecipadas, e tudo está acontecendo de acordo com o sistema parlamentar do Reino Unido."
"Na França, estamos saltando para o desconhecido."
As eleições francesas ocorrerão em dois turnos, em 30 de junho e 7 de julho.
O presidente Macron surpreendeu a França há duas semanas quando dissolveu a Assembleia Nacional — o primeiro presidente a fazê-lo desde Jacques Chirac, em 1997 — e convocou eleições antecipadas.
Foi uma reação à sua derrota para a extrema direita nas eleições para o Parlamento Europeu: o partido de extrema direita de Marine le Pen, o Rassemblement National (RN), teve 31,4% dos votos; já o partido de Macron, o Renaissance, e seus aliados de coligação receberam menos de 15% dos votos.
Macron disse que os eleitores do RN expressaram a sua raiva.
"Ouvi a sua mensagem", disse ele aos eleitores franceses, "e não a deixarei passar sem uma resposta".
Macron parece ter pensado que uma campanha relâmpago iria afastar os eleitores do flerte com os "extremos" e devolver uma maioria centrista à Assembleia Nacional.
Um dia antes do primeiro turno, nada sugere que seu cálculo esteja correto.
O RN ainda está muito à frente nas pesquisas.
Já uma aliança de esquerda, cujo principal componente é o movimento de extrema-esquerda La France Insoumise (LFI), está posicionada para ficar em segundo lugar.
Os resultados mais prováveis são ou uma maioria absoluta do RN — e portanto, um governo de extrema-direita — ou um parlamento paralisado.
A eleição vai escolher os membros da câmara baixa do parlamento francês, a Assembleia Nacional, que elabora as leis e tem 577 assentos. A câmara alta, o Senado, é eleita pelas autoridades locais e pelos próprios membros da Assembleia Nacional.
Em 30 de junho, haverá eleições em todos os 577 distritos eleitorais da França continental e nos seus departamentos e territórios ultramarinos. Os cidadãos franceses que vivem no estrangeiro também podem votar.
No dia 7 de julho, haverá segundo turno entre os candidatos mais votados no primeiro turno — qualquer pessoa com mais de 12,5% dos votos no primeiro turno passa para a próxima etapa.
Um partido ou coligação precisa de conquistar pelo menos 289 assentos para ter maioria no parlamento.
Temor por violência
Os riscos nesse pleito são triplos, diz Baverez: primeiro, uma crise da dívida soberana de França, à medida que os mercados desafiam o governo francês tal como fizeram com a ex-primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss.
Em segundo lugar, a violência nas ruas. E terceiro, o colapso institucional.
"Nossa Quinta República foi projetada para nos ajudar a superar crises. Mas estamos numa situação muito instável. Os cidadãos estão perdidos porque o próprio presidente está perdido. Por isso, podemos ter um colapso brutal das instituições."
Em toda a França, as pessoas sabem que o país se encontra numa encruzilhada perigosa.
"Quando Macron convocou as eleições na noite das eleições europeias, liguei para os meus filhos e perguntei: vocês percebem que estamos vivendo um momento histórico?", conta Juliette Vilgrain, candidata do Horizons (um partido aliado de Macron) no departamento de Seine-et-Marne, ao sul de Paris.
"As pessoas sabem que a violência é uma possibilidade. As pessoas estão irritadas e frustradas — e há políticos que apelarão à violência. É manipulação, mas é assim."
O próprio presidente Macron aludiu à possibilidade de "guerra civil", dizendo que esta era a consequência lógica dos programas da extrema direita e da extrema esquerda.
As suas palavras, num podcast na segunda-feira (24), foram interpretadas como uma tentativa de assustar os eleitores e trazê-los de volta ao centro.
Mas, para Baverez, isso é profundamente equivocado.
"É muito perigoso ele usar essa palavra e tentar salvar seu poder usando o medo. Numa democracia, quando se joga com os medos, dá-se origem ao ódio e à violência", diz o analista político.
O ministro do Interior de Macron, Gérald Darmanin, disse que as autoridades estão trabalhando com o pressuposto de que poderá haver protestos violentos nas noites do primeiro e segundo turno.
O cenário mais conturbado seria uma vitória do RN que levasse a apelos da extrema esquerda a manifestações, que depois se tornariam violentas e se espalhariam pelos subúrbios da França, os banlieues.
A LFI tem uma grande base de apoio nos subúrbios e fez do apoio a Gaza um dos seus principais temas de campanha.
O efeito da instabilidade política nos Jogos Olímpicos, que vão ocorrer a menos de três semanas depois da eleição, é outra das questões que parece não ter sido levada em consideração pelo presidente Macron.
Para Baverez, por maiores que sejam as diferenças, existe um paralelo que pode ser traçado entre as eleições francesas e britânicas.
"A França está vivendo o seu momento populista", diz ele.
"Os EUA e o Reino Unido tiveram o seu há dez anos, com Trump e o Brexit. A França foi então poupada devido à força das nossas instituições, mas também devido ao guarda-chuva do euro."
"Estar no euro significava que os governos aqui poderiam continuar a fazer o que sempre fazem: comprar a paz social aumentando a dívida pública. Bem, agora isso acabou."