Por que cidade americana vai taxar empresa que paga salário muito alto ao chefe
San Francisco é sede de muitas grandes empresas; autor da medida afirma que "grandes empresas que podem pagar salários multimilionários todos os anos (também) podem pagar mais impostos".
Os eleitores de San Francisco, uma das cidades mais caras dos Estados Unidos e onde há profunda desigualdade econômica, acabam de aprovar uma medida para taxar empresas que pagam ao seu executivo-chefe remuneração desproporcionalmente mais alta que a média salarial dos funcionários.
Apelidada de "taxa do CEO", a nova regra, aprovada em consulta popular na eleição de 3 de novembro, afeta empresas nas quais o executivo com a remuneração mais alta ganha pelo menos cem vezes mais que a média paga aos demais empregados. Essas empresas pagarão adicional de 0,1% sobre o imposto anual.
Esse percentual aumenta conforme a diferença salarial. Nas companhias em que o CEO recebe 200 vezes mais que a média salarial, o adicional será de 0,2%, e assim por diante, até o limite de 0,6%.
Além de salário, o cálculo da remuneração recebida pelos executivos inclui bônus, opções em ações, propriedades e outros benefícios.
Para evitar a cobrança, as empresas poderão reduzir a remuneração dos CEOs ou aumentar o salário dos funcionários.
"É uma medida fiscal muito simples e direta", disse antes da votação o autor da proposta, Matt Haney, que é membro do Conselho de Supervisores de San Francisco, órgão legislativo da cidade.
"Grandes empresas que podem pagar salários multimilionários todos os anos (também) podem pagar mais impostos."
Investimento em saúde
A proposta, que precisava de maioria simples para ser aprovada, recebeu o apoio de 65% dos eleitores.
A cidade californiana é a primeira do país a aprovar uma medida do tipo. Portland, no Estado do Oregon, tem uma regra parecida, mas que se aplica somente a algumas companhias.
A medida em San Francisco vai além, incluindo qualquer empresa, seja de capital fechado ou aberto, que tenha receita bruta de mais de US$ 1,17 milhão (cerca de R$ 6,33 milhões) e faça negócios na cidade.
San Francisco é sede de muitas grandes empresas. Twitter, Salesforce, Square, Levi Strauss & Co e GAP estão entre as companhias com sede na cidade. Mas o tributo também poderá afetar grandes empresas com sede em outros locais mas que têm operações na cidade.
A cobrança passará a valer a partir de janeiro de 2022. Autoridades municipais calculam que a receita extra gerada a cada ano vai variar entre US$ 60 milhões (cerca de R$ 325 milhões) e US$ 140 milhões (cerca de R$ 758 milhões).
Somente os setores de tecnologia, varejo e serviços financeiros deverão responder por cerca de 75% da receita gerada com a mudança.
De acordo com Haney, o aumento de arrecadação será usado em investimentos no sistema de saúde pública.
"A medida vai trazer até US$ 140 milhões", escreveu Haney no Twitter após a aprovação. "Nós iremos contratar enfermeiros, assistentes sociais e equipes de emergência e ampliar acesso (à saúde) e tratamento."
Lar de bilionários
Segundo Haney e outros defensores da proposta, o objetivo é combater a desigualdade econômica na cidade, considerada uma das maiores do país.
San Francisco é lar de muitos bilionários. Segundo levantamento da empresa Wealth X, no ano passado 77 bilionários viviam na cidade, a terceira maior população de bilionários do mundo, depois de Nova York e Hong Kong.
"Nos últimos 30 anos, os salários de executivos nos Estados Unidos tiveram salto de 940%. Mas os salários dos trabalhadores comuns cresceram somente 11%", disseram os apoiadores da proposta antes da votação, ao argumentarem por sua aprovação.
Um estudo publicado no ano passado pelo centro de pesquisa e análise econômica Economic Policy Institute calcula que os CEOs das maiores empresas americanas tenham remuneração 320 vezes maior do que um trabalhador comum.
A desigualdade foi agravada neste ano com a pandemia de coronavírus, durante a qual milhões de trabalhadores americanos perderam o emprego enquanto CEOs de grandes empresas viram sua riqueza aumentar.
Oposição
O novo tributo sofreu oposição de grupos e associações empresariais, como a Câmara de Comércio da Califórnia, mas não foi alvo de oposição ativa por parte das empresas.
Outras medidas em consulta popular neste ano em San Francisco e na Califórnia mobilizaram milhões de dólares em campanhas contra e a favor.
Uma das mais caras foi a proposta para decidir sobre o status trabalhista de motoristas de aplicativos como Uber, que movimentou mais de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão), dos quais mais de US$ 180 milhões (mais de R$ 970 milhões) investidos pelas empresas de aplicativos.
No entanto, grupos empresariais contrários à "taxa do CEO" não investiram recursos para financiar a campanha pelo "não" na consulta popular. O "sim" acabou vencendo, com 266.915 votos. O "não" recebeu 143.342 votos.
Jay Cheng, da Câmara de Comércio de San Francisco, disse em entrevista à imprensa local que, normalmente, a medida "causaria uma reação muito forte". Nas eleições deste ano, porém, a atenção das empresas estava voltada para outras medidas fiscais em consulta popular.
"Neste ano elas tiveram de priorizar", disse Cheng, ao comentar o fato de grandes companhias não terem agido em oposição à proposta.
O comentarista político e ex-candidato republicano a prefeito Richie Greenberg, um dos críticos da proposta, disse antes da votação que a medida "não serve a nenhum propósito" em um momento em que a infraestrutura de negócios de San Francisco já está abalada por conta da pandemia e da crise econômica.
Greenberg disse ainda que a taxa "provavelmente impediria a atração de novas empresas" para a cidade.
Defensores da proposta respondem a críticas dizendo que o tributo sai mais barato para as companhias afetadas do que transferir os negócios para outro local e ressaltam que San Francisco continua sendo uma das cidades mais atraentes para empresas.
"A proposta é um incentivo para que as empresas invistam em seus trabalhadores, e não apenas em seus executivos", disse Haney antes da votação.