Por que Maduro disputa — e vence — eleições, se a Venezuela é uma ditadura? Entenda
À primeira vista, eleições parecem incompatíveis com regimes autoritários, já que o voto popular é a base de uma democracia. Mas processos eleitorais não são raros e, muito menos, desprestigiados por ditadores
Nicolás Maduro toma posse nesta sexta-feira, 10, para seu terceiro mandato consecutivo frente à presidência da Venezuela. O ditador chavista ganhou mais seis anos de poder após um processo eleitoral repleto de acusações de fraude pela oposição.
Este cenário não é exclusivo da Venezuela: em março do ano passado, o presidente russo Vladimir Putin foi eleito para um novo mandato em uma eleição de cartas marcadas, que o consolida como líder mais longevo deste a Revolução da Rússia. Na última década, o mesmo filme foi visto em países como Afeganistão, Camarões, Egito, Nicarágua e Síria.
A vitória de Maduro, ainda que contestada internacionalmente, serviu a múltiplos propósitos ao regime. À primeira vista, eleições parecem incompatíveis com ditaduras, já que o voto popular é a base de uma democracia. Mas processos eleitorais não são raros e, muito menos, desprestigiados por ditadores, já que, a longo prazo, eleições de cartas marcadas podem ser benéfica para que governos autoritários se prolonguem.
Isso porque o simples ato de votar não pode ser considerado o único elemento suficiente para um sistema democrático verdadeiro, diz Gustavo Poggio, internacionalista e professor associado do Berea College. "É uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente se o voto, por exemplo, não ocorre em situação de imprensa livre ou se não dá espaço para a oposição se manifestar."
Por trás de uma eleição aparentemente democrática, ditadores realizam por trás dos panos uma série de manobras que funcionam como ferramentas para a manutenção do poder e do controle.
"A principal questão em uma democracia é ter a oposição em igualdade de condições para concorrer com quem está no governo. Em governos autoritários, como na Venezuela, a imprensa é controlada e a oposição não tem o mesmo espaço para se manifestar", aponta Poggio.
O controle sobre as instituições, como a Suprema Corte e o Congresso, também dificulta um processo justo. "O governo impede que candidatos da oposição concorram, utilizando o sistema judiciário para desqualificá-los com desculpas jurídicas.", analisa. Nas eleições de 2024, Edmundo González Urrutia concorreu contra Maduro depois de María Corina Machado e Corina Yoris — nomes mais fortes da oposição venezuelana — terem sido impedidas de concorrer.
"Os resultados das eleições geram informações sobre a popularidade do governo e o quanto ele consegue manipular os resultados a seu favor. Essas informações são úteis para os ditadores; por exemplo, eles podem aprender quais líderes locais são bons em mobilizar votos e onde os cidadãos estão insatisfeitos, o que pode ser respondido com incentivos como mais redistribuição ou com repressão à dissidência", diz Little.
A legitimidade ilusória também vale externamente. Ao convocar eleições, um regime dá sinais à comunidade internacional que está atendendo os requisitos de uma democracia. E isso pode dar moedas de troca ao regime permitindo, por exemplo, que ele ainda sente à mesa em encontros globais.
As próprias eleições de 2024, ainda que fraudadas, foram realizadas pela pressão da comunidade externa, com o Acordo de Barbados, firmado em outubro de 2023, onde o governo venezuelano e a oposição concordaram em realizar eleições presidenciais sob supervisão internacional em troca do alívio de sanções impostas pelos Estados Unidos.
As sanções, que incluíam restrições ao setor de petróleo, haviam impactado severamente a economia venezuelana, criando pressão interna para negociações. No contexto dessas negociações, a administração Biden concordou em aliviar algumas sanções em troca de garantias de eleições livres e justas, incluindo a liberação de presos políticos e o fim da repressão a líderes opositores.
Controle da oposição
Na semana após a proclamação de vitória de Maduro na Venezuela, o regime chavista prendeu mais de 2,4 mil pessoas que foram às ruas protestar contra o resultado. Três meses antes das eleições, dois dos assessores próximos de Corina Machado foram presos.
A candidata, que venceu as primárias em 2023 e era a favorita para derrotar Maduro, tornou-se inabilitada a ocupar cargos públicos por 15 anos — e foi detida na quinta-feira, 9, ao sair de protesto em Caracas, conforme denunciou sua equipe.
As eleições costumam ser uma válvula de escape para lidar com o que o regime vê como ameaça. Ao convocar uma corrida eleitoral, um regime ditatorial toma conhecimento de quem se assume publicamente como oposição. E qualquer pretexto é usado de maneira mais sutil para aplicar punições aos dissidentes em época de eleição.
Tal repressão durante o período eleitoral é parte de uma estratégia mais ampla de controle social. O governo monitora e documenta os eleitores que participam de comícios opositores ou que expressam críticas nas redes sociais. Essas informações são usadas para aplicar punições posteriores, como perda de empregos em instituições estatais, retirada de benefícios sociais, e, em casos mais extremos, acusações criminais fabricadas.
"Você consegue fazer um certo controle, seja dos seus opositores, seja da população. É uma ferramenta bastante conveniente para esses líderes para ter para tomar, digamos assim, o pulso da sociedade", diz Poggio.