Por que o Brexit causou quatro renúncias e pôs Theresa May em risco
Premiê chegou a um acordo quanto aos termos da saída britânica da UE, mas os pontos têm despertado forte resistência internamente
Avançou o acordo para o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, mas com duras baixas ao governo da premiê britânica, Theresa May, cuja permanência no poder voltou a ser questionada.
Na quarta-feira, em uma reunião apontada como turbulenta, May havia conseguido o aval de seu gabinete ministerial para o acordo firmado no dia anterior com os negociadores da UE, a respeito dos termos da separação. No entanto, ela agora enfrenta uma onda de demissões entre seus secretários e um pedido por uma moção de desconfiança no Parlamento britânico, que em último caso pode resultar na queda da premiê.
A negociação com Bruxelas trata, por exemplo, da circulação de cidadãos, de um período de transição e - seu ponto mais polêmico - da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte.
Nesta quinta-feira, o secretário para o Brexit, Dominic Raab, pediu demissão afirmando que o acordo feito por May tem "falhas fatais". Uma hora depois, a secretária de Trabalho e Previdência, Esther McVey, também entregou sua renúncia, seguida por mais dois secretários de escalão inferior.
Simultaneamente, um parlamentar conservador pró-Brexit, Jacob Rees-Mogg, escreveu cartas ao Parlamento pedindo que a premiê seja submetida a um voto de desconfiança.
Questionada a respeito do possível voto de desconfiança, May afirmou que lutará contra a medida no Parlamento. "Liderança se trata de tomar decisões corretas, não fáceis. Meu trabalho consiste em trazer um acordo que sirva para o povo britânico. Se vou lutar por isso? Sim."
A seguir, a BBC tira as principais dúvidas sobre o que está em jogo, quais as principais contendas e como a sucessão de eventos vai definir tanto o futuro do Brexit quanto o de May.
Começando do básico: o que será o Brexit?
O Reino Unido deverá deixar a União Europeia às 23h de 29 de março de 2019, como consequência de um plebiscito realizado em 2016, quando 51,9% do eleitorado britânico votou pelo rompimento com o bloco europeu.
Passado mais de um ano de tentativas de negociações sobre o "divórcio", os dois lados conseguiram chegar a um acordo preliminar, que ainda precisa da aprovação do Parlamento britânico e dos 27 outros Estados-membros da UE.
Em que consiste o acordo?
Eis alguns pontos principais do que foi acertado por May com Bruxelas nesta semana:
- Direitos dos cidadãos após o Brexit: a ideia é que as britânicos morando na UE e europeus que moram no Reino Unido possam continuar a trabalhar e estudar onde tenham residência, além de poderem trazer consigo membros da sua família, embora nem todos os pontos dessa questão tenham sido decididos.
- Haverá um período de transição de 21 meses após a saída do Reino Unido, para dar tempo de os dois lados acertarem um acordo quanto às trocas comerciais bilaterais.
- A "conta do divórcio": o Reino Unido terá de pagar até 39 bilhões de libras (R$ 192 bi) como compensação financeira à UE.
- Irlanda do Norte: eis o ponto mais delicado do acordo. A questão é que a fronteira entre a República da Irlanda (independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) passará a ser, após o Brexit, uma fronteira entre a UE e o Reino Unido. Por conta da turbulenta história de confrontos paramilitares entre os dois lados, o objetivo é evitar uma "fronteira dura" - ou seja, com rígidos controles sociais e aduaneiros -, que possa virar nova fonte de tensão entre norte e sul e ameaçar o processo de paz bilateral.
Para isso, ficou acordado que haverá uma espécie de "escudo" - uma rede de segurança, chamada em inglês de "backstop" - impedindo que haja rígido controle aduaneiro na fronteira, caso um futuro acordo comercial entre UE e Reino Unido demore a ser concebido.
Esse "backstop" prevê que a Irlanda do Norte continuará alinhada a algumas regras aduaneiras da UE, para dispensar a necessidade de checagem na fronteira com a Irlanda, mas exigirá que alguns produtos vindos do restante do Reino Unido sejam sujeitados a controles. O "backstop" também envolverá uma união aduaneira temporária, o que, na prática, mantém a UE e o Reino Unido dentro de um mercado comum - contrariando, para alguns, o princípio básico do Brexit.
Isso gerou críticas de diversos políticos britânicos - alguns não querem ser sujeitos a regras aduaneiras da UE e outros acreditam que o resultado pode ser a fratura territorial do Reino Unido e o isolamento da Irlanda do Norte.
Theresa May, por sua vez, diz que não pretende que o "backstop" seja usado, apostando que haverá um acordo comercial entre britânicos e europeus que dispense a necessidade dessa rede de segurança.
E quanto a esse acordo comercial?
Junto às 585 páginas do texto do acordo, há um documento menor definindo como serão as relações britânico-europeias após o período de transição do Brexit, que acaba em dezembro de 2020.
A expectativa é de que se crie uma "área de livre comércio e profunda cooperação (na transação) de bens, com zero tarifas e cotas" e "ambiciosos acertos aduaneiros".
Os dois lados dizem esperar que esse acerto resolva a contenda em torno da fronteira irlandesa, dispensando o chamado "backstop".
E quais são os próximos passos?
Uma conferência emergencial europeia deverá ser convocada até o final deste mês, para analisar os termos do acordo.
Depois, será a vez de a premiê May enfrentar sua mais dura batalha: a de conseguir a aprovação dos termos no Parlamento britânico. Acredita-se que isso deva acontecer por volta de 7 de dezembro.
May ainda não tem uma maioria com a qual possa contar na Câmara dos Comuns e enfrenta uma dura oposição entre quem se opõe aos termos do acerto.
"Se apoiarmos o acordo, podemos voltar a unir o país e aproveitar as oportunidades que virão", defendeu a premiê, diante dos parlamentares. "Podemos escolher entre sair (da UE) sem nenhum acordo, podemos escolher o fim do Brexit, ou podemos escolher a união e o apoio ao melhor acordo que pode ser negociado."
Se ela não conseguir que a maioria do Parlamento aprove o acordo, o país entrará em território ainda não mapeado. É possível que May tente renegociar com a UE, mas a probabilidade maior é de que ela se veja forçada a renunciar, levando a uma nova eleição.
Ao mesmo tempo, ela foi alvo de um pedido por uma moção de desconfiança - o parlamentar autor, Jacob Rees-Mogg, afirmou que "seria do interesse do partido (Conservador) e do país que ela se afastasse".
Um voto de desconfiança que afastasse May ocorreria se a maioria dos 315 parlamentares conservadores assim o escolhessem. Os desdobramentos do caso são esperados para as próximas semanas.
'Resumão' do que vem por aí no Brexit:
- Termos do acordo serão votados pelos Estados-membros da UE e, depois, pelo Parlamento britânico
Se os dois lados votarem 'sim':
- O Parlamento britânico terá de votar uma Lei de Saída da UE
- O Parlamento Europeu terá de concordar, com uma maioria simples (51%)
- O Conselho Europeu, braço executivo da UE, terá de concordar com uma maioria qualificada (de forma a representar 65% da população da UE)
- O Reino Unido deixará o bloco europeu em março de 2019, embora passe por um período de transição de mais 21 meses
Se um dos lados votar 'não' em qualquer etapa do processo:
Os desdobramentos mais prováveis incluem:
- O Reino Unido pode sair da UE sem firmar qualquer acordo
- O acordo poderá ser renegociado
- O Reino Unido talvez tenha de passar por uma nova eleição geral
- Um novo plebiscito poderia ser convocado no Reino Unido, voltando a questionar a população quanto ao futuro das relações com a Europa.