Script = https://s1.trrsf.com/update-1731009289/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Por que o Hamas atacou Israel agora?

9 out 2023 - 21h16
(atualizado em 11/10/2023 às 10h34)
Compartilhar
Exibir comentários
Incêndio causado por míssil lançado de Gaza em Ashkelon, Israel
Incêndio causado por míssil lançado de Gaza em Ashkelon, Israel
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O conflito entre israelenses e palestinos já dura 75 anos e o grupo extremista islâmico Hamas já existe há mais de três décadas, período em que reiteradamente defendeu a destruição do Estado de Israel.

As condições na Faixa de Gaza também não são novas e o bloqueio israelense à região foi estabelecido há mais de 16 anos, quando o Hamas tomou o controle de Gaza.

Por que então ocorreu agora a série de ataques sem precedentes a Israel que está sendo comparada como o dia mais trágico para os judeus desde o fim do Holocausto?

A BBC News Brasil reúne aqui sete fatores que são pano de fundo para os atentados coordenados que mataram mais de 1,2 mil israelenses, incluindo mulheres, crianças e idosos e resultaram no sequestro de pelo menos 100 pessoas.

Leia também:

Mesquita de Al-Aqsa e Monte do Templo

O motivo alegado pelo Hamas para o ataque brutal a Israel no último sábado está relacionado à mesquita de Al-Aqsa, que fica junto ao Monte do Templo, em Jerusalém, em uma área da cidade considerada sagrada por muçulmanos, judeus e cristãos.

Em uma gravação de áudio divulgada no momento do ataque, Muhammad al-Deif, comandante da ala militar do Hamas, a Brigada al-Qassam, disse que a violência foi uma retaliação ao que chamou de "ataques diários à mesquita Al-Aqsa" que "ousaram insultar nosso profeta dentro dos pátios da mesquita".

Palestinos se reúnem em frente ao Domo da Rocha, no complexo de Al-Aqsa
Palestinos se reúnem em frente ao Domo da Rocha, no complexo de Al-Aqsa
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Poucos marcos simbolizam mais as tensões entre israelenses e palestinos do que a região de Al-Aqsa e do Monte do Templo.

O complexo de Al-Aqsa - que inclui também o Domo da Rocha, cúpula dourada que domina a paisagem de Jerusalém - começou a ser construído no século 7 no local de onde, segundo a tradição islâmica, o profeta Maomé teria sido levado aos céus para se encontrar com Deus.

A área, no entanto, também é considerada sagrada pelos judeus, já que fica no lugar onde estava o Templo de Jerusalém, local que segundo a tradição judaica abrigava a chamada Arca da Aliança, que guardava os mandamentos dados por Deus a Moisés.

O templo foi destruído pelos romanos no ano 70 d.C., mas parte da edificação que circundava o lugar ficou preservada, tornando-se local de peregrinação e oração para judeus de todo mundo, o chamado Muro das Lamentações.

Após séculos de disputas sobre a área, um acordo em vigor desde 1967 proíbe que não-muçulmanos orem dentro do complexo da mesquita, embora Israel continue controlando o acesso ao local.

Mesmo assim, nos últimos anos, nacionalistas judeus aumentaram as suas visitas ao complexo onde alguns sonham em construir um novo templo judaico, o que vem gerando críticas e reações dos palestinos.

Em setembro de 2000, uma visita do então líder da oposição israelense Ariel Sharon ao local foi considerada o catalisador da segunda Intifada, uma onda de revolta de palestinos que resultou na morte de 4 mil pessoas entre judeus e muçulmanos.

Desde então, os conflitos em torno da área se intensificaram.

Em abril, a polícia israelense invadiu a mesquita usando granadas de efeito moral e balas de borracha, após uma disputa sobre atividades religiosas no local.

Em julho, o ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, visitou o local, no que foi considerado uma provocação pelos palestinos. Em outras ocasiões, judeus inclusive chegaram a se disfarçar de muçulmanos para orarem ali.

Um representante do Hamas no Líbano, Osama Hamdan, disse ao podcast Global News da BBC que o grupo estaria preocupado com as intenções do governo israelense para o lugar, dizendo que qualquer mudança formal nos acordos que regem o acesso ao locais sagrados seria uma "claramente ultrapassar os limites".

As autoridades israelenses, no entanto, afirmam estar comprometidas em preservar a liberdade de culto na região.

Aproximação entre Israel e Arábia Saudita

O contexto internacional também pode estar por trás dos ataques do Hamas a Israel.

Nos últimos anos, países árabes que antes não reconheciam oficialmente a existência de Israel passaram a normalizar suas relações com o Estado judeu.

Como parte dos chamados Acordos de Abraão, mediados pelos Estados Unidos, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão estabeleceram relações diplomáticas com Israel entre 2020 e 2021.

Agora, uma das maiores potências do Oriente Médio, a Arábia Saudita, parece prestes de fazer o mesmo, em uma aproximação também patrocinada pelo governo americano.

As conversas entre as nações foram privadas até o momento, mas no final de setembro o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse acreditar que o acordo poderia ser finalizado em breve.

Historicamente, a Arábia Saudita é uma das maiores defensoras da causa palestina, e a aproximação do país com Israel vinha gerando temores de que a demanda pela criação de um Estado palestino pudesse ficar em segundo plano na disputa política regional.

Como um dos mais radicais grupos militantes palestinos que se recusa a aceitar a existência de um Estado judeu no Oriente Médio, o Hamas já vinha se opondo a aproximação saudita com Israel. Para muitos analistas, o ataque do último sábado pode ter sido uma tentativa de atrapalhar um possível acordo.

Além disso, há décadas o Hamas é apoiado diretamente por uma outra potência da região, o Irã, que vem canalizando recursos e armamentos para o grupo militante palestino.

Além de inimigo declarado de Israel, o Irã, de maioria xiita, tem uma relação conflituosa com a Arábia Saudita, que é sunita. Uma aproximação entre os seus dois inimigos na região poderia deixar o regime de Teerã em uma situação fragilizada.

O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, e o presidente dos EUA, Joe Biden
O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, e o presidente dos EUA, Joe Biden
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Embora, segundo o governo americano, não existam evidências de envolvimento direto do Irã nos ataques, uma eventual interrupção na aproximação entre a Arábia Saudita e Israel causada pelos atos extremistas poderia ser de interesse de Teerã.

Ainda não estão claras, no entanto, quais as possíveis consequências dos ataques sobre a aproximação entre Israel e Arábia Saudita.

Logo após os eventos de sábado, o Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita divulgou uma nota pedindo "a suspensão imediata da escalada (de violência) entre os dois lados".

O governo saudita, no entanto, diz também ter alertado Israel sobre "os perigos da explosão da situação como resultado da ocupação contínua, da privação do povo palestino dos seus direitos legítimos e da repetição de provocações sistemáticas contra seus locais sagrados".

Divisões internas em Israel

O ataque do Hamas acontece em um momento em que divisões políticas internas em Israel atingiram um de seus pontos mais altos em décadas, o que pode ter entrado no cálculo do grupo extremista ao planejar a série de atentados.

Desde o início do ano, Israel tem testemunhado uma onda de protestos que reuniram dezenas de milhares de pessoas que se opõem a uma série de reformas do governo Netanyahu que, segundo a oposição, podem comprometer o caráter democrático do Estado de Israel.

A primeira parte dessas reformas foi aprovada pelo Knesset, o parlamento israelense, em julho deste ano. A nova legislação retira parte do poder da Suprema Corte de Israel (equivalente ao STF brasileiro) e de tribunais de instâncias inferiores de revisar ou cancelar algumas decisões tomadas pelo governo e pelo parlamento.

A oposição argumenta que a reforma pode acabar concentrando muitos poderes nas mãos de Netanyahu, enquanto o governo argumenta que as reformas buscam corrigir supostas interferências do judiciário em políticas públicas.

A proposta de reforma acontece em um momento em que Netanyahu enfrenta na Justiça acusações de corrupção após voltar ao governo de Israel no final do ano passado depois de ter formado uma coalizão com partidos ultranacionalistas e religiosos.

Oposicionistas reagiram às reformas tomando as ruas do país, pedindo a anulação da nova legislação e a renúncia de Netanyahu.

Momento é de divisões internas em Israel; oposição pede renúncia de Netanyahu
Momento é de divisões internas em Israel; oposição pede renúncia de Netanyahu
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

Os protestos receberam apoio não apenas dos líderes dos partidos de oposição, mas também de altos comandantes militares, oficiais de Inteligência e de outras forças de segurança, além de empresários e juristas, o que aumentou a sensação de que o país estava dividido.

Em um desdobramento sem precedentes na história de Israel e que já vinha causando preocupações de oposição e governo sobre a segurança do país e sua capacidade militar, centenas de militares da reserva se juntaram aos protestos e ameaçaram se recusar a se apresentar para o serviço, incluindo pilotos da Força Aérea.

Todo esse contexto de divisões internas em Israel pode ter pesado nos planos do Hamas de lançar os ataques.

Além disso, outra questão interna de Israel pode ter contribuído para a decisão do Hamas: os atentados coindiram com a festividade judaica Simchat Torá, celebrada no ultimo dia do feriado religioso de Sucot, que dura uma semana.

"Acontece no final de um período de férias, muitos israelenses estavam distraídos e relaxados", disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Ian Parmeter, historiador do Centro de Estudo Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional da Austrália.

Tensões na Cisjordânia e expansão de assentamentos judaicos

Os ataques deste sábado também aconteceram em um momento de escalada de violência na Cisjordânia, região que fica entre Israel e a Jordânia e que é reivindicada pelos palestinos, mas tem a presença de forças israelenses desde 1967.

Cerca de 3 milhões de palestinos vivem na região (sem incluir os que moram em Jerusalém Oriental), onde também está localizada a capital administrativa da Autoridade Palestina, Ramallah.

Nos últimos anos, no entanto, tem havido uma proliferação de assentamentos judaicos na Cisjordânia. Esses assentamentos, embora sejam considerados ilegais pela ONU, são diretamente estimulados pelo governo israelense.

Segundo as Nações Unidas, em 2022, cerca de 700 mil judeus estariam vivendo em assentamentos da região.

Parte destes assentamentos é ocupado por extremistas que nos últimos anos têm sido responsáveis por ataques contra civis palestinos na Cisjordânia. Incidentes em que extremistas palestinos atacam assentados israelenses também têm sido registrados.

Segundo a ONU, neste ano, 190 palestinos foram mortos por israelenses em incidentes envolvendo armas de fogo - pelo menos metade deles faria parte de grupos militantes. Outros 30 israelenses teriam sido mortos por palestinos na região.

Desde 2022, mais de 1000 palestinos teriam sido obrigados a deixar suas casas na Cisjordânia.

O aumento da tensão na Cisjordânia fez com que Israel deslocasse parte de suas forças militares que ficavam nas proximidades de Gaza para a região, o que pode ter facilitado a invasão de militantes do Hamas.

"O exército israelense estava muito mais focado nas dificuldades da Cisjordânia e demorou a transferir o seu pessoal para o sul do país para defender as populações que estavam sendo atacadas", diz o historiador Ian Parmeter.

Soldado israelense prepara artilharia perto de Gaza
Soldado israelense prepara artilharia perto de Gaza
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

Propaganda para o Hamas

O Hamas também pode ter usado o ataque como propaganda contra Israel para tentar aumentar a sua popularidade nos territórios palestinos e radicalizar mais pessoas na região.

"O Hamas sabe que não pode sobreviver, especialmente diante das condições de ameaça na Faixa de Gaza, sem fazer propaganda de que eles estão lutando para um Estado da Palestina e contra Israel", diz Rashmi Singh, professora de Relações Internacionais da PUC Minas que tem mais de 20 anos de experiência em terrorismo e contra-terrorismo.

"Existe uma raiva e uma frustração muito grandes contra Israel que pode ser transformada em apoio. Qualquer facção ou grupo quer promover isso e até usar violência para esse fim."

Neste contexto, o crescimento de outros grupos menores, mas cada vez mais extremistas, podem estar sendo vistos como uma ameaça à autoridade do Hamas em Gaza.

Para Ian Parmeter, do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional Australiana, uma dessas organizações é a Jihad Islâmica.

"Um fator importante que motiva o Hamas para a violência é a necessidade de vigiar os seus flancos", afirmou Parmeter em um artigo publicado no site The Conversation.

"Estes grupos lançaram, por vezes, ataques de foguetes de forma independente contra Israel, o que traz retribuição contra todo o território."

Destruição na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza
Destruição na cidade de Gaza, na Faixa de Gaza
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

Negociação de prisioneiros

Segundo números divulgados pelas forças armadas de Israel, mais de 100 pessoas (civis e militares) foram sequestradas por combatentes do Hamas durante o ataque e são mantidas em cativeiro.

Alguns estão vivos e outros já são considerados como mortos, declarou o porta-voz militar de Israel, o tenente-coronel Jonathan Conricus.

Crianças, mulheres, idosos e deficientes estão entre os reféns, acrescentou ele.

Segundo o Hamas, o número de israelenses capturados foi "bem maior" do que as dezenas inicialmente estimadas, e eles são mantidos em locais espalhados por toda a Faixa de Gaza.

No passado, grupos palestinos usaram reféns como moeda de troca para garantir a libertação de militantes detidos por Israel, o que pode explicar uma das motivações do ataque.

Em 2011, por exemplo, Israel concordou em liberar 1.027 prisioneiros palestinos em troca da libertação do soldado israelense Gilad Shalit, que permaneceu por mais de cinco anos como refém do Hamas.

Cerca de 4,5 mil palestinos estão detidos em prisões israelenses atualmente - uma questão que é muito sensível para a população da Palestina.

Segundo a agência de notícias Reuters, o governo do Catar estaria tentando negociar a soltura de 36 mulheres e crianças capturadas pelo Hamas em troca de 36 prisioneiros palestinos.

Uma guerra que se estende por gerações

Para Rashmi Singh, ataques como o do último final de semana costumam acontecer de forma cíclica, a cada 15 ou 20 anos.

Isso porque todas as vezes em que há um movimento maior de resistência contra Israel, os militantes envolvidos são mortos ou presos, diz a especialista.

E diante da continuidade do conflito nos últimos 75 anos, novos grupos ou integrantes sempre costumam surgir.

Ataque israelense em Gaza
Ataque israelense em Gaza
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

"E uma nova geração de resistência só surge dali uns 15 ou 20 anos novamente, quando podemos ter novos ataques."

Segundo a professora da PUC Minas, isso fica evidente nos vídeos do ataque que circularam nas redes sociais. "As pessoas nos vídeos são extremamente jovens. Ou seja, provavelmente não conhecem a vida na Faixa de Gaza sem guerra", afirmou.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade