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Por que o novo coronavírus é tão mortal na Itália?

País tem taxa de letalidade e número de mortos superiores aos da China. Autoridades reconhecem que mortes podem estar subnotificadas

20 mar 2020 - 10h40
(atualizado às 11h55)
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O balanço divulgado pela Defesa Civil da Itália, às 18h desta quinta-feira (20), representou um marco na crise global provocada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2): com 3,4 mil mortes, o país europeu superou a China, com 3,3 mil, e se tornou aquele que mais perdeu vidas humanas no âmbito da pandemia.

Funeral sem público de vítima do novo coronavírus em Bergamo, norte da Itália
Funeral sem público de vítima do novo coronavírus em Bergamo, norte da Itália
Foto: ANSA / Ansa

O número ganha ainda mais peso quando comparado ao tamanho da população: com 60,4 milhões de pessoas vivendo dentro de suas fronteiras, a Itália tem uma taxa de 5,6 óbitos para cada 100 mil habitantes, enquanto na China, lar de 1,4 bilhão de indivíduos, o índice é de 0,23/100 mil.

Segundo os dados da própria Defesa Civil italiana, a taxa de letalidade entre pacientes com o novo coronavírus no país é de 8,3% do total de casos, contra 4% na China e no restante do mundo, de acordo com o monitoramento feito pela Universidade John Hopkins, dos EUA.

Mas por que o Sars-CoV-2 é tão letal na Itália, que soma mais mortes do que todos os outros países da Europa juntos? A resposta, que a princípio pode parecer clara e cristalina como as águas de Veneza após uma semana de isolamento social, envereda pelas nebulosas diferenças entre os métodos estatísticos adotados para quantificar os casos.

Primeiro de tudo, um fato: a Itália é um país de idosos. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (Istat), 22,8% dos habitantes do país em 1º de janeiro de 2019 tinham 65 anos de idade ou mais, proporção inferior somente à do Japão, que é de 27,6%, de acordo com dados do Banco Mundial relativos a 2018.

Mas o mesmo Japão tem apenas 33 mortes entre 943 casos de Sars-CoV-2, com uma taxa de letalidade de 3,5% e um índice de 0,03 óbito para cada 100 mil habitantes. Para o virologista italiano Fabrizio Pregliasco, professor do Departamento de Ciências Biomédicas da Universidade dos Estudos de Milão, uma das razões para essa diferença é que o país asiático, "comprovadamente", conseguiu rastrear os contágios de forma mais eficiente e conter o ritmo de disseminação.

A consequência de uma estratégia de contenção bem sucedida é um menor número absoluto de casos e de mortes. A Itália, por outro lado, viu a pandemia crescer em velocidade assustadora e sair de três para 40 mil contágios em menos de um mês.

Essa disseminação descontrolada nas primeiras semanas atingiu em cheio a população idosa e deixou hospitais à beira do colapso, especialmente na Lombardia, epicentro da pandemia na Europa, com 20 mil casos - as fotos que mostram caminhões militares em fila para levar corpos de vítimas em Bergamo já rodaram o mundo.

Estatística

Já a alta taxa de letalidade em relação ao total de casos pode ser explicada, segundo Pregliasco, pela abordagem estatística adotada pela Itália. "Nós, em uma primeira fase, fizemos exames sistemáticos para tentar controlar a doença.

Agora fazemos apenas nos casos que necessitam internação. Tudo isso faz desaparecer uma cota de casos que não chegam a ser assinalados", diz.

Ou seja, dá-se como certo que o número real de contágios pelo novo coronavírus na Itália é consideravelmente maior do que o divulgado diariamente pela Defesa Civil, o que resultaria em uma taxa de letalidade mais baixa. Como contraponto, a cifra de mortos na Itália também pode estar sendo subestimada. Recentemente, o prefeito de Bergamo, Giorgio Gori, disse à agência Reuters que "muitíssimas pessoas" faleceram em casa ou asilos com sintomas compatíveis com a Covid-19 e, por não terem sido testadas, não entraram para as estatísticas.

Além disso, um grupo de prefeitos da província afirmou recentemente que os casos oficiais são apenas a "ponta do iceberg".

Diferenças

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas as pessoas que possam ter contraído o novo coronavírus sejam examinadas, mesmo que estejam assintomáticas. A realidade, no entanto, mostra que cada país e até mesmo cada região adota uma abordagem própria.

Na Itália, o Conselho Superior da Saúde, órgão consultivo do Ministério da Saúde, pediu, em 27 de fevereiro, que fossem examinados somente pacientes com sintomas compatíveis com a Covid-19.

Essa mesma diretriz foi reafirmada pelo governo em 9 de março, mas, com um sistema sanitário descentralizado, o que se vê na prática são estratégias conflitantes dentro das fronteiras italianas. O Vêneto (3,3% de letalidade) fez 910 testes para cada 100 mil habitantes, o triplo da média do país (303/100 mil hab.).

Já a Lombardia, que lidera o número de casos na Itália e apresenta um índice de letalidade de 11%, fez 519 exames para cada 100 mil pessoas. A região está com hospitais à beira do colapso e, nas últimas semanas, conseguiu testar apenas pacientes que precisaram ser internados, ao contrário do Vêneto, que defende o modelo sul-coreano de exames em massa, incluindo em assintomáticos.

Por sua vez, a Toscana, com 238 testes para cada 100 mil habitantes e 2,5% de letalidade, pretende usar uma abordagem intermediária: exames de sangue em massa para identificar possíveis sinais de contágio em assintomáticos e, em um segundo momento, submeter os casos suspeitos ao teste do coronavírus.

Essas diferenças de metodologias dificultam a comparação entre realidades distintas e até mesmo a mensuração do tamanho real da emergência dentro de um único país.

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