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Por que tantos evangélicos defendem Israel?

O protesto convocado por Bolsonaro reuniu esses dois grupos com simpatia a Israel - evangélicos e bolsonaristas - mas o apoio ao país no oriente médio e suas políticas não é restrito somente a evangélicos ligados ao ex-presidente.

16 out 2024 - 17h42
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Bandeiras de Israel eram vendidas por R$ 50 na avenida Paulista
Bandeiras de Israel eram vendidas por R$ 50 na avenida Paulista
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O uso de símbolos como a estrela de David ou a bandeira de Israel se tornou comum em eventos evangélicos no Brasil nos últimos anos.

O apoio a Israel e suas políticas é especialmente polarizante no momento, em que há uma invasão e ataques que duram mais de um ano do país contra o território palestino da Faixa de Gaza, sem contar frentes de batalha abertas no Líbano e contra o Irã.

Embora o apoio de evangélicos a Israel seja especialmente forte entre religiosos ligados ao bolsonarismo, ele não é restrito a esse grupo, explica a antropóloga Jacqueline Teixeira, professora da UnB.

"Você vai encontrar esse apoio também em igrejas do protestantismo histórico, que imigraram dos Estados Unidos", explica.

O apoio tem um fundo religioso, explicam pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil.

Uma das bases teológicas é uma corrente muito difundida chamada dispensacionalismo que enxerga Israel como uma espécie de "relógio do fim do mundo".

Além disso, há toda uma identificação dos evangélicos com o Antigo Testamento da Bíblia, que trata basicamente da história sagrada do povo israelita.

Identificação com Israel

O pastor e teólogo Guilherme de Carvalho diz que, para evangélicos como ele, o povo judeu é especial porque o cristianismo surgiu a partir do judaísmo. Ou seja, porque Jesus era judeu e foi criado dentro da religião judaica. E mesmo que Cristo tenha mudado muitos aspectos da religião, o povo judaico ainda teria um lugar especial nos planos divinos.

"A questão existencial de Israel é importante para o cristianismo. Porque o cristianismo saiu da nação judaica, porque o cristianismo perseguiu a nação judaica (e depois se emendou) e porque existem razões teológicas para acreditar que a nação judaica tem ainda um destino cristão", diz carvalho.

Pastores e teólogos explicam que essa visão faz com que muitos evangélicos fiquem inclinados a apoiar não só o povo judeu, mas o Estado moderno de Israel. Para Guilherme de Carvalho, não dá para separar a existência dos judeus no mundo moderno da existência de Israel.

"É claro que o Estado de Israel não representa o Reino de Deus, não é o Israel bíblico. Mas o Estado moderno de Israel é uma reencarnação histórica das lutas do povo judeu. Isso valida o comportamento nacional de Israel? Não, isso é outra história. Mas se existe uma ameaça existencial ao povo judeu encarnado nesse Estado, então isso importa para os cristãos", diz ele.

Um fator que reforça essa identificação é que diversas correntes evangélicas dão bastante importância a valores e símbolos do Antigo Testamento — que tem uma visão de Israel como a terra prometida e do povo judaico como escolhido de Deus.

Isso está muito presente entre os pentecostais, mas também acompanhou missionários de outras denominações desde o século 19, segundo a antropóloga Jacqueline Teixeira.

"É nesse período que surge uma inspiração protestante de construir uma relação com o Antigo Testamento, com trechos específicos do Antigo Testamento, então as batalhas do povo de Israel, o período de Escravização, a passagem dos judeus. Tentando trazer sempre essa interpretação de que o processo de libertação instauraria um Estado Literal e seria o cumprimento de uma promessa de Deus do Antigo Testamento", diz Teixeira.

Dentro da comunidade evangélica, há quem critique essa visão que une Israel histórico e o Estado moderno.

"Se confunde o povo de Deus histórico, a nação de Israel do velho testamento, com o Estado moderno de Israel, com a política sionista", afirma o pastor e teólogo Alexandre Gonçalves.

Bandeira de Israel durante 'Marcha para Jesus'
Bandeira de Israel durante 'Marcha para Jesus'
Foto: AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Relógio do Fim do Mundo

No século 19 também surgiu um outro tipo de pensamento que influencia até hoje a visão de muitos evangélicos sobre o tema.

Se trata de uma corrente teológica que enxerga Israel como uma espécie de relógio do fim do mundo. Teólogos evangélicos explicam que essa corrente é chamada "dispensacionalismo"

A ideia é que Israel seria uma espécie de "sinal divino" para o cristianismo, explica Alexandre Gonçalves, quando um período de crise econômica e escassez deu origem a correntes evangélicas voltadas para a interpretação de profecias e previsões sobre o apocalipse.

"Havia uma interpretação de que, antes do fim do mundo, Deus faria com que o seu povo voltasse para a terra prometida, isso seria um sinal", explica Gonçalves.

A criação do Estado de Israel em 1948, diz ele, foi entendida por essa corrente como esse sinal de que o fim do mundo está próximo. Ou seja, o relógio do apocalipse teria sido disparado a partir da criação do Estado de Israel, explica Dusilek, e seria necessário prestar muita atenção em tudo o que acontece nesse local.

Para essa corrente, a região é entendida como uma espécie de campo de batalha do fim do mundo, diz Dusilek.

"Ela localiza o fim do mundo em Jerusalém, onde haverá o grande Armagedom, a batalha final entre a luz e as trevas, entre Deus e seus anjos por um lado, e o Diabo e seus demônios por outro lado", explica Dusilek.

Essa corrente teológica é muito difundida, afirma o teólogo Kenner Terra.

"Muitas vezes, mesmo que a pessoa não conheça essa corrente teológica ou saiba o nome, ela adere a esse pensamento, acaba assimilando essa ideia, que é bastante popular no Brasil", afirma o pastor e teólogo Kenner Terra. Para essa corrente, explica Terra, sua posição em relação a Israel definiria se você é fiel ou não o povo de Deus.

Jerusalém é importante para judeus, cristãos e muçulmanos
Jerusalém é importante para judeus, cristãos e muçulmanos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Evangélicos, bolsonarismo e Israel

Apesar do fundo religioso, afirma o teólogo Sergio Dusilek, ex-presidente da Convenção Batista Carioca, a maneira como muitos líderes têm se posicionado sobre o assunto nos últimos anos tem um forte caráter político.

Segundo ele, os líderes têm usado interpretações de conceitos do antigo testamento para se inserirem no espaço público e na política.

"É no primeiro testamento que está a noção de territorialidade, de governo, de uma ação política, teocrática até. Neste sentido, tal apoio ganha um caráter mimético e balizador", afirma Dusilek. "A questão é que essa inserção se dá com interesses governamentais."

"O apoio, e aí voltamos ao cerne do fundamentalismo, é de fundo político sob o verniz religioso. A ideia subjacente de certos líderes, ao que parece, é de instaurar um 'evangelistão'. O primeiro testamento, então, funciona como base desse ideário", diz ele.

Bolsonaro, diz Dusilek, soube ler bem esse momento e aproveitá-lo politicamente.

"Embora acredite que Bolsonaro não esteja nem aí para esse movimento de apoio ao Estado de Israel, ele fez a leitura correta (e esperta) de que muito da liturgia praticada em muitas igrejas evangélicas incorporou elementos judaicos", explica Dusilek, que também é pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora.

"O que Bolsonaro fez foi colocar um holofote institucional em uma situação que já estava posta."

Se o apoio a Israel e à agenda política do país já existia muito antes de Bolsonaro se tornar influente entre evangélicos, o bolsonarismo trouxe uma novidade para esse apoio, segundo Teixeira: o discurso bélico-religioso. Ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem o mal justificaria o uso da violência.

Sua pesquisa tem apontado para "uma aposta em uma naturalização da violência ou da guerra."

"Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino", explica Teixeira.

A naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria, segundo a pesquisadora, resultado de uma "circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas", que permitiu uma "naturalização um pouco maior da guerra e da desumanização" dos palestinos.

Alexandre Gonçalves afirma que a noção de que Israel hoje representa os valores de uma "sociedade ocidental judaico-cristã" também foi muito difundida entre conservadores evangélicos a partir da ideia de uma guerra cultural entre esquerda e direita.

"Eu vi muitos jovens da igreja ouvindo o (escritor) Olavo de Carvalho, que difundia essa ideia de guerra cultural", conta Gonçalves. Por essa perspectiva, defender Israel seria defender esses valores.

Para Kenner Terra, a corrente teológica do dispensacionalismo foi cooptada por tradições conservadoras evangélicas e sionistas, muitas vezes ligadas a um fundamentalismo cristão, para quem essa confusão entre a nação histórica e o Estado moderno de Israel é interessante."É uma teologia que tem origem nos EUA, país que é aliado histórico de Israel", afirma o teólogo.

Terra critica esse apoio incondicional que muitos líderes evangélicos dão a Israel hoje.

"É um apoio que ignora uma série de perspectivas históricas, como os tratados internacionais que Israel rompeu, os territórios que tomou e a forma como tratam os palestinos."

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