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Prefeitura de NY pede que moradores andem com seringas antioverdose para salvar usuários de heroína

Com estrategia distinta da prefeitura de SP contra o crack, cidade americana aposta na aproximação entre usuários e não usuários, afirma que redução de danos gera economia de impostos e critica estratégia de internação compulsória.

5 jul 2017 - 16h42
(atualizado às 17h51)
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Mulher segura seringa
Mulher segura seringa
Foto: BBC News Brasil

Você salvaria um estranho prestes a morrer por overdose de drogas pesadas em uma esquina escura, de madrugada?

A prefeitura de Nova York aposta que sim.

A principal cidade dos Estados Unidos enfrenta uma epidemia inédita de heroína e drogas similares que já mata três pessoas por overdose todos os dias. A situação reflete uma crise que se alastra rapidamente pelo país mais rico do mundo: mais de 1 milhão de americanos já são dependentes desse tipo de droga, que foi a principal causa de morte de homens e mulheres com menos de 50 anos no ano passado.

Em uma tentativa ousada de reverter o aumento de 46% nas mortes por overdose registrado entre 2015 e 2016, o governo local decidiu convocar a população a agir, espalhando milhares de cartazes em inglês e espanhol por vagões de metro com o mote "Salve uma vida".

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Eles pedem que moradores tenham na bolsa doses de remédios que revertem os efeitos de uma overdose - e para isso contam histórias como a de Evelyn, que conversou com a BBC Brasil na semana passada.

"Eu tinha pegado um caminho diferente para voltar do trabalho para casa. Era tarde e encontrei um homem no chão. Ele estava azul e não respirava. Vi que éramos vizinhos", conta a nova-iorquina de 58 anos. "Eu tinha o remédio na bolsa e apliquei nele. Não demorou dois minutos e ele já estava respirando de novo."

"Me sinto satisfeita", completa a mulher, com a voz embargada. "Se eu tivesse feito o caminho de sempre, hoje esse homem estaria morto."

Evelyn conta nunca usou drogas. Mas, como milhares de pessoas em todo o mundo, não deixou de ter a vida afetada por elas.

"Eu ainda era uma criança, nos anos 1960, quando minha mãe recebeu um telefonema dizendo que o corpo do nosso primo havia sido encontrado em um prédio abandonado, três dias depois de morrer por overdose. Há três meses, outro primo foi encontrado morto em um motel", conta Evelyn.

"Eu conheço esse sofrimento e, desde que o remédio está disponível, o carrego comigo."

Homem segurando seringa
Homem segurando seringa
Foto: BBC News Brasil

Uma morte a cada 7h

O remédio em questão é a naloxona - uma substancia de efeito rápido que anula os efeitos da overdose por drogas derivadas do ópio.

Graças a convênios da prefeitura, a medicação - em seringas ou aplicação nasal - passou a ser vendida em mais de 700 farmácias sem necessidade de receita médica, além de ser distribuída gratuitamente em pontos espalhados por toda a cidade.

O objetivo é que todo cidadão nova-iorquino esteja preparado para aplicar a medicação, caso encontre alguém em estágio de overdose em seu caminho.

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O programa de redução das mortes por heroína em Nova York também inclui uma linha telefônica para aconselhamento em 200 idiomas, 24 horas, e tem investimento anual de US$ 38 milhões - ou quase R$ 150 milhões, 12 vezes maior que o extinto programa Braços Abertos, da prefeitura de São Paulo contra o crack.

A disponibilização do medicamento e de cursos gratuitos para identificação dos sinais de overdoses e procedimentos para aplicar o remédio, segundo a prefeitura de NY, pretende reduzir os riscos a que os usuários de drogas ilícitas estão expostos, além de aproximar usuários e não usuários na luta pela redução de mortes por overdose.

"Um nova-iorquino morre a cada 7 horas por overdose. Nós sabemos que as overdoses podem ser prevenidas, e um dos caminhos é engajar as pessoas", disse à BBC Brasil a médica Hillary Kunins, uma das responsáveis pela campanha na Secretaria de Abuso de Álcool e Drogas da cidade.

Questionada sobre uma possível resistência entre a população, a especialista nega que os nova-iorquinos sejam individualistas e diz que há um "senso forte de comunidade" entre eles. "Queremos encorajar as pessoas a sentirem empatia e tomarem iniciativa", afirma Kunins. "Qualquer indivíduo em Nova York pode salvar a vida de alguém."

Com o rosto e sua história estampada em vagões de trens e memes pela internet, a nova-iorquina Evelyn se tornou uma das seis personagens da campanha que apela a moradores para aplicarem o remédio quando encontrarem pessoas em overdose - mesmo se não tiverem relação próxima com os usuários.

Billy, morador de Manhattan, conta na campanha que salvou uma mulher às 2 horas da manhã com uma injeção de naloxona. Já o militar Brian, morador do Queens, diz que encontrou o pai caído da cama e sem respirar após o uso de heroína.

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"Depois de alguns minutos, ele estava de volta. Ele saiu dessa. Aquele foi um momento decisivo para nós dois."

Os personagens - homens, mulheres, brancos, negros e latinos - refletem a incidência da epidemia.

Segundo o governo, as mortes já se espalham por todos os bairros de Nova York e envolvem diferentes grupos étnicos - em 2016, a taxa absoluta de overdoses foi ligeiramente maior entre nova-iorquinos brancos, do sexo masculino.

Redução de danos X internação compulsória

O número de pessoas salvas de overdoses no ano passado graças a aplicação da naloxona foi maior do que uma por dia, segundo dados oficiais.

"Quando há estigma ou preconceito contra pessoas que usam drogas, ou contra os serviços dedicados àqueles que usam drogas, os indivíduos ficam menos à vontade para falar sobre seu vício ou procurar ajuda quando precisam", diz a coordenadora do programa à BBC Brasil.

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"Eles precisam admitir para si mesmos que têm um problema. Reduzindo e mostrando que esta é uma questão de saúde, acreditamos que será mais fácil para pessoas e familiares buscarem ajuda e se ajudarem."

Segundo a porta-voz da secretaria de Abuso de Álcool e Drogas da cidade, a "redução de riscos" é parte importante da estratégia adotada pela cidade para reduzir as mortes por overdose.

"É uma forma de engajar pessoas que podem não estão preparadas ou interessadas em abandonar completamente as drogas naquele momento, mas estão interessadas em dar passos para proteger sua saúde", diz, ressaltando que o plano não visa transformações imediatas, mas a médio prazo - e de maneira sustentável.

"A redução de danos é parte do programa, que também inclui tratamento para usuários, campanhas de prevenção e aumento do conhecimento das pessoas sobre o assunto. São estratégias múltiplas acontecendo, porque o problema, como se sabe, é complexo."

A BBC Brasil pergunta sobre a estratégia de internação compulsória, anunciada pela prefeitura de São Paulo para o combate ao crack.

"Esse é um tópico que também é discutido aqui nos Estados Unidos e nasce da vontade de ajudar as pessoas e protegê-las. Vejo boas intenções. Mas, infelizmente, não há bases científicas consistentes para essa abordagem, nem informações que provem que ela funciona."

A médica completa: "infelizmente, em muitos lugares em que a internação compulsória foi aplicada não usam as estratégias científicas mais recentes ou táticas comprovadas em laboratórios".

'Meus impostos, não!'

Segundo especialistas, o crescimento abrupto do número de dependentes pode ser fruto do aumento de prescrições de analgésicos opiáceos (remédios contra dor, que agem no cérebro de maneira semelhante à heroína), vendidos sob receita médica no país.

Segundo o CDC (Center for Disease Control and Prevention - Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças, em tradução livre), a quantidade de analgésicos opiáceos receitados nos EUA quadruplicou desde 1999.

Leis recentes restringiram o acesso ao remédio, mas traficantes passaram a vender os medicamentos, assim como a heroína, cujos efeitos podem ser mais rápidos e fortes. Assim, muitos usuários acabaram migrando dos analgésicos para a droga ilícita.

Nos Estados Unidos, como no Brasil, as estratégias de combate ao vício esbarram em resistência de parte da população, que afirma preferir que o dinheiro de seus impostos seja investido de outra maneira.

Homem sob efeito de drogas em NY
Homem sob efeito de drogas em NY
Foto: BBC News Brasil

A médica Hillary Kunins agradece quando perguntada sobre isso.

"As pessoas que usam drogas experimentam consequências em sua saúde, mas esses problemas nos afetam a todos", diz.

Ela dá exemplos: "Crescimento da transmissão de HIV, colocando outros em risco. Ou pessoas com vidas menos estáveis e, portanto, mais custosas à sociedade, porque dependem de mais tratamentos na saúde pública. Ou o aumento no número de pessoas que não estão trabalhando e, consequentemente, pagando impostos".

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A médica diz que a redução de danos engaja os usuários a quererem a se tornar membros ativos da sociedade.

"Investir em tratamento economiza em saúde e em segurança. Salva famílias."

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