Putin faz primeira visita à Coreia do Norte em 24 anos em busca de munição e apoio militar
Viagem ocorre quando Moscou necessita de mais armas para sua guerra na Ucrânia, algo que Pyongyang tem a oferecer em troca da ajuda ao seu programa nuclear e espacial
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chega nesta terça-feira, 18, à Coreia do Norte em uma visita para estreitar ainda mais os laços entre as duas nações. É a primeira viagem do russo à Pyongyang em 24 anos - a última foi no começo de sua presidência, nos anos 2000, quando o líder ainda era Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un.
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A viagem ocorre em um momento em que Moscou necessita de mais armas para prosseguir com sua guerra na Ucrânia, uma ajuda que a Coreia do Norte nega estar fornecendo.
Kim Jong-un por sua vez deve aproveitar a visita para barganhar ajuda para seu programa nuclear e espacial, se aproveitando de uma Rússia que tem buscado formas de se esquivar do isolamento internacional forçado pelo Ocidente por meio de aproximações com outras nações também alvos de sanções.
A visita do russo foi confirmada nesta segunda-feira, 17, pelas agências estatais de notícias de ambos os países. Os dois líderes já haviam se reunido em setembro, quando Kim viajou para a Rússia e afirmou que a relação entre os dois países era sua prioridade, chamando de "luta sagrada" a guerra que Moscou promove na Ucrânia.
Nesta segunda, os EUA manifestaram preocupação pela aproximação dos países. "A viagem não nos preocupa. O que nos preocupa é o aprofundamento da relação entre esses dois países", disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby.
Os dois países, que foram grande aliados antes da dissolução da União Soviética, já vinham estreitando os laços, mas a parceria se acelerou nos últimos dois anos, quando a Rússia se tornou a nação mais alvo de sanções do mundo. Buscando formas de manter a sua economia de pé e seguir com a invasão na Ucrânia, Moscou viu na isolada Coreia do Norte um fornecedor de armas e alternativa aos seus produtos comerciais.
A Rússia precisa de projéteis de artilharia e foguetes, algo que a Coreia do Norte tem a oferecer e, segundo analistas, seriam compatíveis com os sistemas de armas soviéticos e russos usados na Ucrânia. Além disso, Pyongyang teria uma capacidade de produção que ajudaria a Rússia a manter sua alta taxa de uso de munição enquanto o Kremlin procura aumentar sua produção nacional.
Kim visitou uma fábrica de munições no mês passado e exibiu armazéns cheios de mísseis balísticos de curto alcance - de um tipo semelhante aos mísseis norte-coreanos que, segundo os EUA, a Rússia disparou contra a Ucrânia.
Por outro lado, Kim ganha um importante aliado que pode ajudar a continuar com seu controvertido programa de armas nucleares, além de ajudar com seu desejo de colocar satélites em órbita. "O fato de o presidente Putin estar fazendo essa viagem significa que, por causa da sua guerra na Ucrânia, a Rússia está muito necessitada de armas norte-coreanas", disse Chang Ho-jin, assessor de segurança nacional da Coreia do Sul, à Yonhap News TV durante o fim de semana. "Os norte-coreanos tentarão obter o máximo possível em troca, porque a situação parece favorável para eles."
Analistas sul-coreanos também especulam que, além de buscar ajuda russa em seu programa nuclear, a Coreia do Norte pode estar tentando restabelecer uma aliança militar da era da Guerra Fria com Moscou. Seul fez alertas para que Putin não "cruze certas linhas" nesta viagem.
"Países como o Irã, a Rússia, e outros que estão sendo sancionados, estão dizendo para si mesmos: 'Bem, se é tão difícil sair [das sanções], então precisamos encontrar maneiras de continuar o comércio através de nossos países e com nossos países que sejam imunes às sanções dos EUA'", explicou ao Estadão a antropóloga Narges Bajoghli, professora assistente na Universidade Johns Hopkins, durante entrevista sobre seu novo livro How Sanctions Work.
"Rússia e Irã estão criando enormes sistemas de transporte e infraestrutura que vão atravessando a Eurásia para construir economias longe da pressão das sanções dos EUA, e isso está começando a ter efeitos de longo prazo na estabilidade desse tipo de comércio", exemplificou.
Os analistas Andrea Kendall-Taylor e Richard Fontaine, escrevendo na revista Foreign Affairs em abril, cunharam o termo "eixo da convulsão", declarando que o comércio e o apoio militar direto ou indireto à Rússia por parte da China, Coreia do Norte e Irã tinham fortalecido a posição de Moscou no campo de batalha e minado as tentativas ocidentais de isolar Moscou.
"A cooperação entre os quatro países estava se expandindo antes de 2022, mas a guerra acelerou a intensificação de seus laços econômicos, militares, políticos e tecnológicos", eles escreveram. "Sua convergência está criando um novo eixo da convulsão — um desenvolvimento que está alterando fundamentalmente a paisagem geopolítica."
Assim como a aproximação Rússia-Irã preocupa os EUA, a nova amizade Moscou-Pyongyang levanta novas questões de segurança para Washington. O uso de mísseis norte-coreanos no campo de batalha na Ucrânia pode fornecer à Coreia do Norte dados valiosos sobre o seu desempenho contra os sistemas ocidentais de defesa antimísseis, disseram especialistas em defesa ao NYT.
A ajuda russa também deve impulsionar uma economia há muito anos sufocada. Em março, a TV norte-coreana mostrou Kim e sua filha viajando em uma limusine russa Aurus, presente de Putin, apesar da proibição de exportar itens de luxo para Pyongyang. No mês passado, a Casa Branca disse que a Rússia estava enviando petróleo refinado para a Coreia do Norte em níveis que excediam os limites determinados pelo Conselho de Segurança.
Analistas também se preocupam que Moscou aproveite deste momento para permitir que mais trabalhadores migrantes da Coreia do Norte trabalhem na Rússia e possam enviar dinheiro para Pyongyang, algo proibido pelas sanções.
Não à toa, o vice-secretário de Estado dos EUA, Kurt Campbell, e o primeiro vice-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Kim Hong-kyun, conversaram por telefone na sexta-feira para discutir a visita de Putin e concordaram em coordenar suas respostas, disse o Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Sul./Com NYT e W.POST