Qual a diferença entre o TikTok e o Douyin, versão do app usada na China
Especialistas definem os dois aplicativos de rede social como 'irmãos gêmeos separados no nascimento' — mas não são idênticos.
Estamos no verão de 2016 no hemisfério norte, e uma revolução está se formando nos escritórios da ByteDance na China.
Um grupo de desenvolvedores, liderado pelo empresário Zhang Yiming, está finalizando um aplicativo com o qual espera conquistar o incipiente mercado de plataformas de vídeos curtos.
O tão esperado lançamento acontece em setembro.
Eles decidem chamar o aplicativo de Douyin e, em menos de um ano, ele alcança mais de 100 milhões de usuários.
O nome não soa familiar?
Douyin é a versão do TikTok usada na China, seu "irmão gêmeo". A ByteDance decidiu lançar o aplicativo com o nome de TikTok no Ocidente.
Só o TikTok já foi baixado mais de 3,5 bilhões de vezes, impulsionado por um algoritmo habilidoso que nos prende irremediavelmente à tela, gerando preocupações.
A ferramenta coleta muitas informações: sua idade, localização, dispositivo e até seu ritmo de digitação.
Não é de se espantar que tenha levantado suspeitas por parte de vários governos, especialmente pelos supostos vínculos da empresa com o Partido Comunista chinês e as denúncias de que o mesmo usa o TikTok para espionagem e "lavagem cerebral".
Essas preocupações são agravadas pelo que está acontecendo com a versão chinesa do TikTok, o Douyin, um aplicativo fortemente censurado e, segundo várias reportagens, desenvolvido para incentivar a viralização de material didático e não conflituoso.
Mas o que mais sabemos sobre o Douyin? E como ele se diferencia do TikTok?
Como surgiu o Douyin
O Douyin domina o mercado de aplicativos de vídeos curtos na China.
"No final de 2022, tinha 730 milhões de usuários", diz Zizheng Yu, professor de publicidade e marketing da Universidade de Greenwich, no Reino Unido.
Como Yu explica em artigo publicado no site de notícias acadêmicas The Conversation, Douyin e TikTok são essencialmente o mesmo aplicativo, ambos permitindo que seus usuários criem, compartilhem e assistam a vídeos curtos.
O logotipo de ambas as ferramentas é o mesmo, e elas compartilham a mesma empresa-controladora, a ByteDance.
Quando foi lançado em 2016, o Douyin logo se destacou com conteúdo novo e bem-humorado.
Brincadeiras simples como a sincronização labial — também conhecida como lip sync — enquanto a música do momento tocava se espalharam rapidamente.
Então vieram os desafios virais, e houve um crescimento meteórico na popularidade do aplicativo.
"No início, era para os jovens compartilharem e assistirem a vídeos de música curtos. Agora se expandiu, e vários estilos surgiram, como vídeos de média e longa duração", explica Nara Bi, do Nanjing Marketing Group, na China, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"A plataforma oferece uma ampla variedade de categorias, incluindo entretenimento, notícias, comentários, gastronomia, animais de estimação, saúde e conteúdo educacional", acrescenta.
Conteúdos que, por sua vez, também se popularizaram no TikTok nos últimos anos.
Ao estilo dos aplicativos chineses mais populares com vários recursos, como é o caso do WeChat, o Douyin permite entrega de comida e recomendações de restaurantes locais, por exemplo - um leque de possibilidades que o TikTok não oferece no momento.
'Dois gêmeos separados no nascimento'
Em seu livro TikTok Boom, o jornalista britânico Chris Stokel-Walker cita um grupo de acadêmicos para definir a relação entre o TikTok e sua versão chinesa, o Douyin.
"Eles são como duas plataformas gêmeas separadas no nascimento, desenvolvidas sob o mesmo teto, mas implementadas em dois contextos muito diferentes."
Nara Bi cita algumas das particularidades que levaram ao lançamento do TikTok para os mercados internacionais.
"Cada país tem políticas e regulamentos diferentes, especialmente a China, com mecanismos regulatórios únicos. Também há algumas restrições para usuários chineses quando acessam sites estrangeiros", diz ela à BBC.
"Portanto, o Douyin é exclusivo da China, enquanto o TikTok é para países estrangeiros", acrescenta a especialista em marketing.
O TikTok foi lançado logo após o Douyin, em 2017, se popularizando primeiro em outros mercados asiáticos, como Japão, Tailândia, Vietnã e Índia.
O Tenba Group, uma agência especializada em marketing digital chinês, explica que "por ter duas plataformas separadas, a ByteDance pode permitir mais conteúdo gerado por usuários no TikTok e cumprir com as restrições exigidas no Douyin".
Como o Douyin se diferencia do TikTok?
Navegar em ambos os aplicativos é praticamente a mesma experiência: layouts idênticos e menus simples que facilitam a criação, reprodução e localização de vídeos.
Mas há várias diferenças.
A primeira é que são aplicativos diferentes. Em outras palavras, abrir uma conta no TikTok não é o mesmo que abrir uma conta no Douyin.
Quando eles foram lançados, a transmissão ao vivo estava mais estabelecida na China do que no Ocidente. Por isso, desde o início, o Douyin incentivou lives entre seus usuários. O TikTok só disponibilizaria essa função com a chegada dos lockdowns impostos pela pandemia de covida-19.
Da mesma forma, as doações para criadores de conteúdo no Douyin são tradicionalmente mais comuns do que no TikTok.
Outra diferença fundamental é onde os dados são armazenados. Com o TikTok ou qualquer outra rede social, a maioria de nós assume seu uso por meio de um acordo nada secreto: oferecemos informações pessoais em troca de entretenimento.
A possibilidade de os donos do TikTok compartilharem os dados coletados com o governo chinês é uma das principais preocupações que o aplicativo gera entre usuários e governos, sobretudo no Ocidente.
Mas essa relação entre o TikTok e a China não foi comprovada. Supostamente, os dados do TikTok são armazenados fora do gigante asiático.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as informações se encontram em uma base de dados no estado da Virgínia com backup em Cingapura.
O Douyin, por outro lado, armazena seus dados na China.
"Da mesma forma, o Douyin segue as leis chinesas de proteção de dados, enquanto o TikTok cumpre as regulamentações de outros países", explica Bi.
O Tenba Group também destaca a diferença de idade dos usuários.
"Os (usuários) do Douyin continuam sendo jovens, mas um pouco mais velhos do que os do TikTok. É por isso que o Douyin oferece mais conteúdo sobre estilo de vida, dicas de negócios e até vídeos de autoridades locais."
As hashtags e tendências do TikTok também variam de acordo com a localização e as diferenças culturais.
Voltando à multifuncionalidade do Douyin, as agências de marketing digital destacam tudo o que pode ser feito no aplicativo, além de publicar e interagir com vídeos como no TikTok.
Por exemplo, desde 2021, o Tenba Group diz que os usuários podem comprar produtos diretamente em lojas nativas ou até mesmo em trasmissões ao vivo.
"O comércio eletrônico está se tornando cada vez mais popular dentro do Douyin, você pode até mesmo reservar hotéis e fazer tours em restaurantes", afirma.
Censura e controle de idade
O Tenba Group destaca a maior presença de vídeos educativos e voltados para negócios no Douyin, enquanto observa que o TikTok é mais focado em música e dança, "provavelmente devido ao público um pouco mais jovem".
Neste sentido, o Douyin também parece ser afetado pela forte censura que existe em todas as redes sociais na China, com um exército de policiais na internet que apaga conteúdos críticos ao governo ou que possam incitar instabilidade política.
Em 2019, enquanto o TikTok começava sua grande ascensão internacional, a conta da usuária Feroza Aziz foi suspensa após ela falar sobre o tratamento dado por Pequim aos muçulmanos uigures da Província de Xinjiang.
A decisão gerou fortes críticas, e o TikTok se desculpou e restabeleceu a conta.
Desde então, não parece ter havido muitos outros casos de censura, além de certas decisões controversas de moderação de conteúdo comuns em todas as plataformas.
Os pesquisadores do Citizen Lab realizaram uma comparação entre o TikTok e o Douyin e concluíram que o TikTok não aplica a mesma censura política que sua versão chinesa.
No entanto, os usuários relataram um fenômeno conhecido como "shadow banning", uma espécie de censura encoberta que faz com que alguns conteúdos tenham menos impacto e sejam menos promovidos pela plataforma.
Dois aplicativos na mira
Ambas as plataformas enfrentam críticas de usuários, instituições e meios de comunicação.
"O Douyin foi criticado por material vulgar, enquanto o TikTok foi criticado por questões de privacidade, suposta censura e disseminação de desinformação", diz Bi à BBC.
A especialista observa que o Douyin tem sido criticado na China por prejudicar os jovens com um algoritmo que apresenta continuamente conteúdos que interessam a eles, em vez de conteúdos que sejam bons para eles.
"Isso pode deixar os usuários presos em uma câmera, expostos a um alcance limitado de ideias e perspectivas. Eles podem se tornar mais suscetíveis à influência do conteúdo que veem e perder a capacidade de pensar criticamente", avalia Bi.
Essas críticas levaram o Douyin a habilitar uma seção na aba "Descobrir" que tampouco vemos no TikTok.
Chama-se zheng nengliang, que pode ser traduzida como "energia positiva", e exibe vídeos promovendo o Partido Comunista chinês e seus ideais sociais, segundo conta Stokel-Walker em seu livro sobre o TikTok.
"Acadêmicos e analistas chamaram isso de 'tática de sobrevivência', aplacando políticos que poderiam fechar o negócio por capricho (...) Isso mostrou como, apesar do mesmo mecanismo que roda os dois aplicativos, havia diferenças fundamentais entre eles em termos de ambientes operacionais muito distintos", escreveu Stokel-Walker.
As preocupações em relação ao nível de dependência que a plataforma pode gerar em menores de idade também tem sido alvo frequente de críticas.
Em 2019, o Douyin limitou o uso do "modo adolescente" a 40 minutos por dia — e acessível apenas entre 6h e 22h. Depois, em 2021, esse modo adolescente se tornou obrigatório para usuários menores de 14 anos.
Esses tipos de medidas demoraram um pouco mais para chegar ao TikTok. Só no início de março deste ano que a plataforma anunciou que implementaria um limite padrão de 60 minutos por dia para usuários menores de 18 anos.
Além disso, menores de 13 anos precisariam de um código inserido pelos pais para usar o aplicativo por mais 30 minutos.
Não está completamente claro, no entanto, como é viável cumprir essas limitações.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cq5zydp59j7o