Quanto tempo para o 'fim do mundo'? As ameaças identificadas pelo 'Relógio do Juízo Final'
O Relógio do Juízo Final vai seguir marcando 90 segundos para a meia-noite, como em 2023.
O "Relógio do Juízo Final", que mostra quão simbolicamente próximo o mundo estaria de um apocalipse, vai seguir marcando 90 segundos para a meia-noite — mesmo "horário" do ano passado.
Os cientistas responsáveis pelo projeto listaram os motivos pelos quais os ponteiros seguem perto do "Dia do Juízo Final".
A ameaça de uma nova corrida armamentista nuclear, a guerra na Ucrânia e as preocupações com as mudanças climáticas são os principais fatores, segundo eles.
O relógio é ajustado todo ano pelo Boletim dos Cientistas Atômicos; a meia-noite representa o limite para o apocalipse.
Desde 2007, os cientistas têm considerado o impacto dos novos riscos provocados pelo homem, como a inteligência artificial (IA) e as mudanças climáticas, além da maior ameaça de todas: a guerra nuclear.
No "ajuste dos ponteiros" de 2024, feito na terça-feira (23/01), o boletim disse que a China, a Rússia e os EUA estão investindo enormes quantias de dinheiro para "expandir ou modernizar os seus arsenais nucleares" — o que se soma ao "perigo sempre presente de uma guerra nuclear por um de erro de cálculo".
A guerra na Ucrânia também gerou um "risco permanente de escalada nuclear", afirmaram os cientistas.
O relatório também cita a falta de ação para conter as mudanças climáticas e os riscos associados à "utilização indevida" de tecnologias biológicas emergentes e de ferramentas de inteligência artificial.
O Relógio do Juízo Final foi criado em 1947 por Robert Oppenheimer e outros cientistas norte-americanos que desenvolveram a bomba atômica.
Dois anos antes, no final da Segunda Guerra Mundial, bombas nucleares jogadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki haviam deixado efeitos devastadores.
A intenção dos cientistas ao criar o relógio era alertar o público e pressionar os líderes mundiais para garantirem que as armas nucleares nunca mais fossem usadas.
Os ponteiros do relógio já se moveram 25 vezes ao longo da história. Em 1947, eles começaram aos sete minutos para a meia-noite. No final da Guerra Fria, em 1991, tinham caído para 17 minutos para a meia-noite.
A presidente do Boletim dos Cientistas Atômicos, Rachel Bronson, disse à BBC que "todos os grandes países, incluindo o Reino Unido, estão investindo no seu arsenal nuclear como se as armas nucleares pudessem ser utilizadas durante muito tempo".
"Este é um momento muito perigoso... os líderes não estão agindo de forma responsável", afirmou Bronson.
Pavel Podvig, um especialista russo em armas nucleares que esteve envolvido com o projeto do Relógio do Juízo Final por muitos anos, diz que ficou chocado quando o presidente russo Vladimir Putin colocou as forças nucleares em alerta após a invasão da Ucrânia.
O mundo reagiu com horror à ameaça do líder russo, mas parece que aquilo foi um cálculo deliberado de Putin.
"É exatamente para isso que existem as armas nucleares — para garantir que você tenha uma certa liberdade de ação", diz Podvig.
"O presidente russo acreditava que, ao fazer estas declarações, poderia dissuadir o Ocidente de intervir na Ucrânia, o que era um cálculo correto — é assim que a dissuasão funciona."
Apesar de décadas de acordos de controle de armas, ainda existem cerca de 13 mil ogivas nucleares em todo o mundo, 90% delas russas e americanas. Seis outros países são considerados potências nucleares: Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte.
Acredita-se que Israel possua essas armas, mas isso nunca foi confirmado oficialmente. A maioria das armas nucleares modernas são muitas vezes mais poderosas do que aquelas que destruíram Hiroshima e Nagasaki.
Em 2021, o Reino Unido aumentou o limite máximo das suas ogivas de 225 para 260. A força nuclear do país está em alerta máximo.
Desde o início da guerra na Ucrânia, importantes figuras na Rússia têm sugerido que as armas nucleares de Moscou poderiam ser usadas contra o Reino Unido.
Os equipamentos de dissuasão nuclear do Reino Unido estão localizados no oeste da Escócia, na base de Faslane, a qual abriga quatro submarinos Vanguard que transportam mísseis Trident armados com ogivas nucleares.
Feargal Dalton, um ex-tenente que serviu a bordo do submarino HMS Victorious, é uma das poucas pessoas que realmente disparou um míssil Trident: um míssil de teste com uma ogiva falsa.
"Há sempre um [submarino] em algum lugar por aí, com aviso prévio de 15 minutos para disparar", diz Dalton. "Neste momento, existe uma dissuasão nuclear. Os Vladimir Putins de todo o mundo sabem que ela existe, é real e poderíamos usá-la se necessário."
Desde que a bomba atômica foi criada, há oposição a estas armas.
Na década de 1980, mulheres britânicas criaram uma rede de acampamento pela paz chamada de Greenham Common Peace Camps, que lutava para que todos os mísseis nucleares dos EUA fossem removidos do solo do Reino Unido - eles foram totalmente retirados em 2008.
Na base da Força Aérea britânica em Lakenheath, um grupo chamado de Campanha para o Desarmamento Nuclear (CND, na sigla em inglês) ainda protesta contra a possibilidade do regresso das armas dos EUA.
Documentos do Pentágono — relatados pela primeira vez pela Federação de Cientistas Americanos — sugerem que armas "especiais" dos EUA serão posicionadas na base.
Aviões de combate dos EUA capazes de lançar essas armas chegaram a Lakenheath em 2021. Agora, há planos da Força Aérea dos Estados Unidos de construir dormitórios para suas tropas servirem em uma potencial missão nuclear neste local.
"Sabemos que temos a opinião pública do nosso lado", diz Sophie Bolt, da CND, enquanto o seu pequeno grupo entoa slogans próximo à base.
"Quase 60% da população não quer que bombas nucleares sejam instaladas no Reino Unido."
"Não temos nada a ver com esta base, ela está totalmente sob controle dos EUA", disse Alan Wright, outro manifestante.
"Se colocarem [Donald] Trump [na Casa Branca] na próxima eleição e ele apertar o botão só porque tem um botão maior que Putin — então seremos um alvo."
O ex-presidente e candidato Donald Trump disse que acabaria com a guerra na Ucrânia 24 horas após ser eleito, embora não tenha explicado como. Alguns analistas acreditam que, no cenário de vitória do republicano, o apoio dos EUA à Ucrânia poderia diminuir.
Na última década, os receios de uma guerra nuclear também foram alimentados por Kim Jong-Un, líder da Coreia do Norte, a última nação a aderir ao clube nuclear. Ele se vangloriou de testar mísseis com capacidade nuclear que poderiam atingir os EUA.
O ex-integrante do Boletim de Cientistas Atômicos e conselheiro do Relógio do Juízo Final, Sig Hecker, visitou as instalações nucleares da Coreia do Norte sete vezes como parte de um programa de pesquisa científica e estima que o país poderia ter de 50 a 60 ogivas nucleares.
"Armas nucleares, terrorismo nuclear, proliferação nuclear — tudo está indo na direção errada", diz Hecker.