Quão séria é a ameaça nuclear de Putin?
Apesar da declaração do presidente russo sobre um alerta nuclear, observadores acham improvável que Moscou inicie uma guerra nuclear. Mas, dada a volatilidade de Putin, as ameaças também não podem ser ignoradas.Em meio a notícias de combates na Ucrânia, refugiados nas fronteiras ocidentais do país e ataques de Moscou a Kiev, o presidente russo, Vladimir Putin, fez uma declaração no domingo (27/02) que se destacou e causou calafrios em todo o mundo.
"Ordeno ao ministro da Defesa e ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas que coloquem as forças de dissuasão do Exército russo em um modo especial de serviço de combate", disse Putin em um discurso televisionado.
A "dissuasão" a que Putin se referiu inclui forças nucleares, o que imediatamente levantou preocupações sobre uma possível escalada ainda maior da guerra contra a Ucrânia.
Um alto funcionário do Departamento de Defesa dos EUA disse em um briefing no domingo que Putin invocar a capacidade nuclear da Rússia era "não apenas um passo desnecessário para ele, como também uma escalada". E o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, chamou a ordem de "irresponsável", dizendo à emissora americana CNN que "esta é uma retórica perigosa".
No entanto, ainda não há uma compreensão clara do que exatamente a declaração significa em termos práticos para a estratégia militar da Rússia daqui para frente.
"Ainda não está claro o que envolve o aumento do alerta", escreveu Hans Kristensen, diretor do projeto de informação nuclear da Federação de Cientistas Americanos, em um e-mail à DW.
"Houve especulações de que poderia envolver o aumento da prontidão do sistema de comando e controle nuclear para estar mais pronto para transmitir uma ordem de lançamento. Também houve alguns relatos de aumento da atividade dos submarinos [lançadores] de mísseis, mas não está claro se isso está além do normal", explicou.
Rússia alega "declarações inaceitáveis"
O Kremlin disse que colocar as forças nucleares em alerta máximo foi uma reação às declarações do Ocidente sobre possíveis confrontos entre tropas russas e da Otan.
"Declarações foram feitas por vários representantes em vários níveis sobre possíveis altercações ou mesmo colisões e confrontos entre a Otan e a Rússia", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, em uma entrevista coletiva nesta segunda-feira. "Acreditamos que tais declarações são absolutamente inaceitáveis", acrescentou.
Não está claro a quais declarações Peskov se referiu. Um político ocidental que ele mencionou diretamente foi a ministra britânica das Relações Exteriores, Liz Truss. Mas nem Truss nem outros representantes ocidentais ou da Otan falaram sobre um ataque da Aliança Atlântica às tropas russas.
Especialistas supõem que Putin fez suas declarações como um lembrete ao mundo de que a Rússia é uma potência nuclear com a qual não se deve brincar, depois que UE e EUA impuseram a Moscou as sanções econômicas mais duras que o país já viu.
"Putin provavelmente está fazendo isso para assustar o Ocidente e fazer concessões a ele", escreveu Kristensen. "Este é o seu jeito bizarro típico".
A medida também pode ser motivada pela falta de sucesso na guerra até agora, diz Marc Finaud, chefe da divisão de proliferação de armas do Centro de Política de Segurança de Genebra, uma fundação internacional com sede na Suíça.
"A situação militar na Ucrânia não é tão clara quanto Putin imaginou que seria", disse Finaud à DW. "Pode ser por isso que o presidente da Rússia sentiu a necessidade de apontar a força das armas nucleares de seu país".
Seja qual for a razão por trás das palavras de Putin, Ben Hodges, general aposentado do Exército dos EUA que serviu como comandante das Forças Armadas dos EUA na Europa, não ficou surpreso com a retórica.
"Claro, não lhe custou nada para ameaçar o uso de armas nucleares", disse Hodges à DW.
Um ataque nuclear real, no entanto, seria uma história diferente, disse ele. "Se eles fizerem o terrível cálculo de empregar uma arma nuclear, não importa se grande ou pequena, isso custará tudo [a Putin] e à Rússia", comentou Hodges.
Casos em que a Rússia poderia usar armas nucleares
A doutrina nuclear da Rússia, que o próprio Putin aprovou em 2020, afirma que o país só recorreria a ataques nucleares em quatro casos: quando mísseis balísticos fossem disparados contra a Rússia ou o território de um aliado, quando um inimigo usasse armas nucleares, em resposta a um ataque a uma instalação de armas nucleares russas, ou em resposta a um ataque que ameaça a própria existência do Estado russo. Nenhum destes é o caso na guerra contra a Ucrânia.
"Se [Putin] realmente planejasse um ataque nuclear, provavelmente veríamos a dispersão dos mísseis móveis em terra e ele ordenaria todos os submarinos para o mar. Também veríamos o armamento dos bombardeiros e a ativação de forças nucleares não estratégicas", disse Kristensen. "Um lançamento é altamente improvável, a menos que a Rússia e a Otan estejam em um confronto militar direto onde a Rússia esteja perdendo".
E um ataque nuclear à Ucrânia, um país que não faz parte da aliança da Otan e não possui armas nucleares, é visto pelos especialistas como improvável.
"Não faria o menor sentido", observou Finaud. "Se o objetivo é tomar a Ucrânia, a Rússia não quer ocupar uma pilha de detritos radioativos."
Onde Putin quer chegar?
A ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, disse nesta segunda-feira que a ameaça de Putin tinha o objetivo de chamar a atenção.
"No entanto, testemunhamos o quão imprevisível é Putin. Por isso, temos que estar muito vigilantes agora", disse Lambrecht à rádio pública alemã Deutschlandfunk.
Finaud concorda. O especialista disse estar feliz em ver que os EUA não responderam "olho por olho" aumentando seu nível de alerta também, mas mostraram uma reação "bastante moderada". Comportamentos como esse mostram como evitar uma maior escalada, disse ele.
Mas, ao mesmo tempo, o uso de armas nucleares não deve ser descartado, adverte Finaud.
"Vimos uma série de linhas vermelhas sendo cruzadas por Putin em poucos dias. E todas as vezes pensávamos que ele não iria mais longe", disse Finaud.
"Nós pensamos 'isso é apenas mais um golpe, mas ele será racional porque isso pode ir contra os interesses nacionais da Rússia'", afirmou Finaud. "Mas todas as vezes ele [Putin] foi mais longe. Então, agora, é muito difícil imaginar onde ele vai parar":