Boris Nadezhdin, o político que desafiou Putin e foi impedido de participar da eleição russa
Com mais de 30 anos na política, Nadezhdin é grande crítico da guerra com a Ucrânia.
A comissão eleitoral da Rússia rejeitou a candidatura de Boris Nadezhdin, que havia se inscrito para as próximas eleições presidenciais no país.
O político, que pretendia desafiar Vladimir Putin, entregou os documentos e as assinaturas exigidas para se candidatar às próximas eleições, que serão realizadas de 15 a 17 de março.
Mas segundo as autoridades eleitorais, mais de 15% das assinaturas apresentavam irregularidades.
Nadezhdin negou qualquer desvio e solicitou uma revisão, mas a comissão eleitoral negou seu pedido.
Porém, o russo afirmou nas redes sociais que não pretende desistir e que vai levar o caso à Suprema Corte do país.
Para poder participar das eleições na Rússia, os candidatos devem reunir mais de 100 mil assinaturas.
A Comissão Eleitoral Central afirmou que das 105 mil assinaturas apresentadas por Nadezhdin, mais de 9 mil eram inválidas. Eles disseram ter encontrado uma variedade de violações.
"A decisão foi tomada", declarou a presidente da comissão, Ella Pamfilova. "Se Nadezhdin quiser, ele pode ir ao tribunal", disse ela, segundo a agência de notícias Tass.
Nadezhdin disse à BBC que algumas decisões na política russa infelizmente "não se devem à lei", mas afirmou que já atraiu o apoio de "dezenas de milhões de pessoas que não querem que a Rússia siga nesta via de autoritarismo e militarismo".
Ele não é o primeiro candidato desqualificado para as eleições deste ano. Yekaterina Duntsova, uma política independente, também passou por uma situação semelhante.
Ela foi desqualificada quando apresentou sua solicitação de candidatura em dezembro porque a comissão eleitoral disse ter encontrado 100 "erros" em seu formulário.
Após a desqualificação da CEC, Duntsova juntou-se aos russos que apoiaram a candidatura de Nadezhdin.
O atual presidente, Vladimir Putin, já se registrou como candidato independente para as eleições de março, nas quais sua vitória para outro mandato de seis anos é vista como quase certa.
Se Putin for mesmo reeleito, ao final de seu mandato somará 30 anos no comando do país como presidente ou primeiro-ministro.
Mas quem é Nadezhdin, que muitos apontavam como o mais provável rival do atual mandatário na corrida?
Velho conhecido do Kremlin
Nadezhdin, 60 anos, foi vereador por mais de 30 anos. Em novembro do ano passado ele anunciou que apresentaria sua candidatura à Presidência do país pelo partido Iniciativa Cívica, de centro-direita, fundado pelo ex-ministro liberal do Desenvolvimento Econômico Andrey Nechayev.
Ele é um velho conhecido na política russa e tem laços antigos com pessoas do Kremlin, como Sergei Kiriyenko, primeiro-ministro russo em 1998, de quem foi assistente entre 1997 e 1998.
Também foi deputado da Duma estatal russa (o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) de 1999 a 2003, após trabalhar como assessor do vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov.
Ele tentou se apresentar como candidato a governador da região de Moscou, mas não conseguiu. Desde setembro de 2019 é deputado no distrito da cidade de Dolgoprudny.
Fora da política, em 1999, ele fundou o departamento de Direito do Instituto de Física e Tecnologia de Moscou, dirigindo-o até 2016. É doutor em Ciências Físicas e Matemática e licenciado em Direito.
Antibelicista e anti-reeleição
A oposição de Nadezhdin a Putin não é novidade.
Em março de 2020, ele se opôs à aprovação das emendas à Constituição que permitiram a reeleição de Putin para um quinto mandato.
Mas nos últimos meses, ele se tornou mais visível com suas críticas relativamente abertas a Putin e à invasão russa na Ucrânia.
Antes, no entanto, apoiou a anexação da Crimeia. Ele dizia se tratar de uma decisão do povo da Crimeia e chegou até a elogiar o Exército russo.
O lema com o qual ele se apresenta em sua campanha eleitoral é claro: "Putin deve ir embora".
Dessa forma, Nadezhdin se tornou uma rara voz crítica a aparecer com frequência em entrevistas nos canais de televisão estaduais, onde disse que tenta expressar "ideias sensatas e justas em um ambiente de loucura geral".
"[Putin] praticamente destruiu as instituições chave do Estado moderno da Rússia. Meu trabalho será restaurar essas instituições", disse Nadezhdin recentemente.
Ele também disse à BBC que, se eleito, sua primeira tarefa será acabar com a guerra.
"Minha primeira tarefa será pôr fim ao conflito com a Ucrânia e depois restabelecer relações normais entre a Rússia e a comunidade ocidental".
Nadezhdin também se juntou a um grupo de mulheres que, em uma atividade incomum na Rússia atual, se reuniram para criticar publicamente a guerra. Os maridos delas estão entre os 300 mil reservistas recrutados.
Em um país onde figuras da oposição foram encarceradas ou mesmo assassinadas, as recentes críticas de Nadezhdin pareciam estar sendo toleradas até agora.
E mesmo antes de ele ser barrado pelas autoridades eleitorais, as altas esferas do poder também pareciam estar tranquilas quanto à sua posição.
"Não o vemos como um rival", disse Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, quando perguntado sobre Nadezhdin no início do mês.
Candidatos "de fachada"
Na Rússia de Putin, muitos candidatos puderam concorrer às eleições, mas sem qualquer possibilidade real de ganhar e às vezes até sem intenções de derrubar o presidente.
Esse cenário mantém uma fachada de democracia e, no caso de Nadezhdin, permitiria que os russos insatisfeitos com a "operação militar especial", como o Kremlin chama a invasão da Ucrânia, expressem sua raiva e frustração de uma forma que não ameace o governo de Putin.
Nos últimos anos, figuras autênticas da oposição popular, que não aparece na mídia estatal, como Alexei Navalny e Ilya Yashin, foram condenadas a longas penas de prisão.
Outros, como o crítico do Kremlin Boris Nemtsov, para quem Nadezhdin já trabalhou como conselheiro, foram mortos.
A cena política da Rússia é dominada por Vladimir Putin desde 2000. E em 2020 foi aprovada uma emenda constitucional que permitiu que ele siga no poder para além de 2024.
Uma vitória em março permitiria que ele permanecesse como presidente até 2030. Depois disso, poderia ficar mais seis anos até 2036 se decidir se candidatar novamente.
Nadezhdin, cujo nome se parece com nadezhda, uma palavra russa que significa esperança, aproveita-se da semelhança e repete que tem o apoio de "dezenas de milhões de pessoas".
"Tenho absoluta certeza de que Putin não governará a Rússia por mais seis anos, porque cada vez mais pessoas entendem que ele está arrastando a Rússia pelo caminho do militarismo, do autoritarismo e do isolamento", diz ele, sem medo.
Esta reportagem foi publicada em 2 de fevereiro de 2024 e atualizada em 9 de fevereiro de 2024.