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O ex-militar acusado de atrocidades que venceu eleição na 3ª maior democracia do mundo

Prabowo Subianto reformulou a imagem de 'homem forte' militar para a de 'vovô fofo', incluindo até um gatinho em sua campanha.

14 fev 2024 - 16h54
(atualizado às 17h29)
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Prabowo Subianto reformulou sua imagem para passar a ideia de um "vovô fofo"
Prabowo Subianto reformulou sua imagem para passar a ideia de um "vovô fofo"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Houve um tempo em que o nome de Prabowo Subianto teria assustado muitas pessoas na Indonésia. Ex-comandante de Forças Especiais e ministro da Defesa, ele foi acusado de estar por trás de desaparecimentos e desrespeito aos direitos humanos.

Mas após uma reformulação total da sua imagem - trabalhada para passar a ideia de um vovô fofo perfeito para memes - Prabowo parece ser o grande vencedor das eleições na Indonésia, segundo pesquisas de boca-de-urna.

Os dados preliminares indicam que ele deve vencer no primeiro turno, tendo levado mais de 50% dos votos.

Mas caso a contagem oficial dê um resultado diferente, ele vai enfrentar os candidados Ganjar Pranowo e Anies Baswedan em um segubndo turno em junho.

Ambos os principais oponentes de Prabowo pediram que as pessoas esperem pelos resultados oficiais, que podem não ser confirmados por alguns dias ou até semanas.

O próprio Prabowo não reivindicou vitória, mas disse a apoiadores em um comício em Jacarta que a pesquisa de boca-de-urna mostra que ele venceu no primeiro turno.

A provável vitória do antigo general suscitou preocupações de que o país corre o risco de retroceder para o autoritarismo, dados os seus laços familiares com o antigo ditador Suharto.

O companheiro de chapa de Prabowo para vice-presidente é Gibran Rakabuming Raka, filho de 36 anos do popular presidente Joko Widodo - o que também suscitou alegações de nepotismo e corrupção.

O desafio da logística eleitoral na Indonésia é notável. Há mais de 205 milhões de eleitores no país, espalhados por 17 mil ilhas

Tal é a escala da realização das eleições num único dia que pelo menos 10 funcionários eleitorais morreram nos dias que antecederam a eleição - muitos deles por exaustão após subirem vulcões ou através de densas florestas tropicais.

Por mais absurdo que pareça, esse resultado na verdade é uma melhoria notável na segurança nas eleições em comparação com 2019, quando mais de 900 agentes eleitorais morreram.

Quem é Prabowo Subianto

Aos 72 anos, Prabowo deve suceder o popular presidente Joko Widodo.

Prabowo promete mais estabilidade e desenvolvimento econômico e trabalhou sua imagem para apelar aos eleitores mais jovens.

"Ele é muito mais velho, mas é capaz de abraçar a minha geração", diz um defensor dele de 25 anos, Albert Joshua.

Segundo os dados preliminares, Prabowo venceu seus rivais mais jovens, Ganjar Pranowo e Anies Baswedan. Ambos os homens têm cerca de 50 anos e experiência na gestão de províncias importantes da Indonésia como governadores. A segurança no emprego, infraestrutura e um maior papel diplomático para a Indonésia dominam as suas campanhas.

O companheiro de chapa de Prabowo é o filho mais velho de Widodo, Gibran Rakabuming Raka. É uma escolha que muitos consideram uma bênção tácita do presidente, que não apoiou ninguém, incluindo o candidato do seu próprio partido, Pranowo.

Mas a presidência de Prabowo também é alarmante para muitos, que afirmam que ele nunca foi responsabilizado pelas acusações de sequestro e assassinato de estudantes ativistas pró-democracia há décadas.

Uma jovem eleitora, que não quis ser identificada, diz estar "aterrorizada" de que ele ganhe.

"Fofura" dificilmente torna um líder elegível, diz ela. "Se é assim que você acha que um líder deveria ser, então você deveria eleger gatinhos."

"Gatinhos fofos"

"Gatinhos fofos" na verdade também fazem parte da campanha de Prabowo nas redes sociais. Seu gato vira-lata cinza e branco, Bobby, tem sua própria conta no Instagram, que o descreve como um "patriota".

Depois, há os vídeos do TikTok de Prabowo fazendo seu movimento característico - uma passada esquisita pelo palco - ou atirando corações no público. A resposta efusiva o apelidou de "gemoy" - um temos para todas as coisas fofinhas e adoráveis. Seus jovens apoiadores se autodenominam "esquadrão gemoy".

A mídia social tem sido a base de sua divulgação. A geração Y e a geração Z representam mais de metade dos 205 milhões de eleitores elegíveis da Indonésia - e também representam muitos dos 167 milhões de indonésios que utilizam as redes sociais.

O Facebook oficial de Prabowo e as contas afiliadas gastaram US$ 144 mil (R$ 715 mil) em publicidade nos últimos três meses, segundo dados da Meta. Isso representa quase o dobro dos gastos de Pranowo e o triplo dos gastos de Baswedan.

"Raramente vejo a imagem real de Prabowo", diz Yoes C Kenawas, pesquisador da Universidade Atma Jaya.

Em vez disso, a internet está cheia de imagens de Prabowo como um personagem de desenho animado gordinho. Este novo "avatar... está por toda a Indonésia", diz Kenawas. "É assim que eles estão suavizando a imagem dele. E até agora tem sido um grande sucesso."

Um porta-voz da campanha de Prabowo diz que eles estão apenas tentando atrair os jovens através de uma campanha "divertida".

"A política pode ser transmitida através de diferentes métodos... isso não é uma coisa ruim", diz Dedek Prayudi à BBC.

Prowobo (esq.) e seu vice são retratados como personagens de desenho animado
Prowobo (esq.) e seu vice são retratados como personagens de desenho animado
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

'Eles estão destruindo nosso futuro'

A eleitora da Geração Z, Rahayu Sartika Dewi, diz que está atraída pelos planos de Prabowo para desenvolver os setores de energia renovável e agrícola.

Ela chama a campanha de "muito fofa, divertida e acessível... não muito pesada como nos anos anteriores".

Prabowo concorreu à presidência e perdeu em 2014 e 2019. Mas esta campanha foi notavelmente diferente.

"A lógica é que as perdas de Prabowo se deveram, pelo menos em parte, à sua imagem de homem forte. O estilo incendiário alienau partes do eleitorado", diz a Eve Warburton, diretora do Instituto da Indonésia da Universidade Nacional da Austrália.

Prabowo também tem como alvo uma geração que não se lembra da época em que ele atingiu o auge do seu poder. Isso aconteceu durante a ditadura do General Suharto, que foi afastado do cargo em 1998. O seu reinado de 32 anos, que muitos indonésios atribuem à modernização do país, foi também um período de repressão brutal e de derramamento de sangue.

Vinte e cinco anos depois, os jovens eleitores dizem que prefeririam julgar Prabowo pela forma como ele combate o desemprego e o custo de vida. Ele prometeu criar 19 milhões de novos empregos nos próximos cinco anos.

"Sei que os ativistas ainda se manifestam... mas temos de seguir em frente", diz Joshua.

A campanha de Prabowo nega as acusações, embora ele tenha sido dispensado do serviço militar pelo seu alegado papel no desaparecimento dos ativistas.

Em 2014, ele disse à rede de TV Al Jazeera que ele havia sim ordenado o sequestro, mas só o fez por ordem dos superiores.

Nos últimos meses têm aparecido vídeos de pessoas chorando, expressando sua simpatia por ele, alegando que ele foi "vitimado por seus oponentes". Muitas vezes apresentam jovens, e alguns observadores eleitorais duvidam que estes sejam apoiadores genuínos.

Dewi diz que a sua nomeação presidencial é uma "prova" de que ele se livrou das acusações.

Gibran (esq.) é o filho do presidente Widodo
Gibran (esq.) é o filho do presidente Widodo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Um retorno extraordinário

Prabowo nasceu numa família política rica, filho de um economista de renome que serviu no gabinete indonésio.

Ele seguiu seu pai, que deixou o país sob conflito em 1957.

Depois de voltar para casa, ele se alistou no exército e rapidamente subiu na hierarquia para se tornar capitão das forças especiais de elite da Indonésia, o Kopassus.

Nessa altura já tinha sido acusado de violações dos direitos humanos no Timor Leste, onde tinha servido.

O seu papel exato nas operações militares em Timor-Leste que ceifaram centenas de vidas nunca foi provado e ele nega as acusações. Mas a mancha obscura na sua carreira permaneceu.

Ele casou-se com uma das filhas de Suharto e permaneceu no círculo íntimo do ditador. À medida que o reinado de Suharto desmoronava no final da década de 1990, o Kopassus foi acusado de raptar mais de 20 estudantes ativistas que se opunham ao regime. Pelo menos uma dúzia deles ainda estão desaparecidos. Os que sobreviveram dizem que foram torturados.

Prabowo foi dispensado do serviço militar, exilou-se auto-imposto na Jordânia, entrou numa lista negra na Austrália e foi proibido de viajar para os Estados Unidos.

Mas regressou em 2019, quando Widodo o nomeou ministro da Defesa, transformando rivais em aliados.

"Como podemos esperar justiça se o perpetrador se tornar o presidente?", pergunta Suciwati, viúva de um proeminente advogado de direitos humanos, Munir Said Thalib

Thalib passou grande parte de sua vida investigando os desaparecimentos de 1998. Ele foi assassinado em 2004 em um vôo. O piloto foi considerado culpado, mas Suciwati não acredita que essa seja a história completa.

A presidência de Prabowo "seria uma derrota extraordinária para nós, para as famílias das vítimas e para os ativistas dos direitos humanos", afirma ela.

O apoio de Widodo ajudou a restaurar a imagem de Prabowo, dizem alguns. As redes sociais "não são suficientes", acrescenta Kenawas, e "a forma como os mecanismos estatais apoiaram a sua campanha... não deve ser subestimada".

Muitos apontam para o seu companheiro de chapa e filho de Widodo, Gibran.

Um tribunal constitucional, onde o cunhado de Widodo exerce o cargo de presidente, abriu, de forma controversa, o caminho para que o homem de 36 anos concorresse à vice-presidência - a lei indonésia exige que ele seja mais velho.

O que também preocupa muitos é o retorno do "velho Prabowo", conhecido por seu temperamento explosivo e personalidade volátil.

Warburton diz que algumas de suas recentes aparições públicas deram indícios disso.

"Ninguém sabe como Prabowo irá governar", diz ela. "Ele pode ser um presidente muito discreto, mais interessado no prestígio e na pompa do cargo; mas a maioria dos que o conhecem bem enfatiza a sua personalidade imprevisível. E isso nunca é bom em um governante."

* com reportagem de Yvette Tan, Trisha Husada, Nicky Widadio e Amahl Azwar.

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