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Saiba como funciona o polêmico voto por correio nos EUA

Votação por correspondência estará disponível em todos os Estados americanos; sistema é alvo de ataques do presidente Donald Trump

9 set 2020 - 12h14
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O número de eleitores que votarão por correio nos Estados Unidos em 2020 será o maior da história. Se nas últimas eleições um em cada quatro americanos votou a distância, essa quantidade pode dobrar ou até triplicar neste ano, indicam estimativas.

Presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Winston-Salem, na Carolina do Norte
08/09/2020 REUTERS/Jonathan Ernst
Presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Winston-Salem, na Carolina do Norte 08/09/2020 REUTERS/Jonathan Ernst
Foto: Reuters

Apesar de o sistema não ser novo, suas regras variam por Estado e os 224 milhões de eleitores têm sido bombardeados com declarações do presidente Donald Trump questionando a legitimidade desse método de votação que já existe há mais de um século nos EUA. O Estadão reuniu abaixo um ponto a ponto sobre as eleições por correio e ouviu dois pesquisadores da política americana para esclarecer dúvidas sobre o sistema.

Regras divergentes entre Estados

"Nos Estados Unidos, toda a legislação eleitoral é definida pelos Estados", explica o professor de relações internacionais Carlos Poggio, da FAAP. Não há uma instituição como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil para padronizar as regras nacionalmente.

Enquanto alguns Estados decidiram por manter a votação 100% por correio, outros decidiram aumentaram a disponibilidade desse tipo de votação e alguns estabeleceram condições para os eleitores votarem por correio - estar doente, servir às Forças Armadas ou estudar fora de seu domicílio eleitoral são justificativas válidas. Esse é o caso de sete Estados, entre os quais Nova York e Texas.

Modelos

Além do modelo de votação por correio com justificativa, existe a possibilidade de votar sem ter que justificar o motivo, por conta da pandemia. "Para isso, é preciso que o eleitor faça a solicitação de envio da cédula eleitoral para sua casa", exemplifica Poggio, que fez seu doutorado sobre a política americana. Esse deve ser o modelo vigente em ao menos 34 dos 50 Estados americanos, incluindo Flórida, Pensilvânia e Ohio, segundo o jornal The New York Times.

A terceira categoria é a daqueles Estados que farão a votação apenas por correio. Serão nove, além de Washington D.C. "Nesses Estados, todos os eleitores registrados recebem automaticamente as cédulas em suas casas", explica Poggio. É esse o caso da Califórnia, do Colorado e de Nevada.

Também é possível adiar o voto (early voting) na eleição americana. Neste caso, o eleitor recebe a cédula em casa, preenche e a encaminha para um centro eleitoral em seu Estado. Ela só será aberta no dia da eleição.

"Em alguns Estados, esse sistema já é quase automático, é muito tradicional. As pessoas preenchem a cédula, colocam na caixa de correio e ela vai para um central que vai guardando essas cédulas", explica a professora de relações internacionais Denilde Holzhacker, da ESPM. Neste ano, os horários de votação presencial serão ampliados na maioria das centrais eleitorais.

Dificuldades de logística

A maior dificuldade enfrentada por esse processo em 2020 será a logística. Como estruturar e capacitar um sistema para que milhões de americanos votem e para que os resultados possam ser contabilizados no menor tempo possível em um país continental?

Há desafios logísticos em todo o processo, desde o envio da cédula, o preenchimento, a devolução e a contagem. Votos podem não chegar a tempo. O veículo que transporta a cédulas pode ter problemas. Também é possível que haja aumento no número de votos anulados por conta dos erros de preenchimento, já que muitos eleitores não estão familiarizados com esse processo.

"É igual o voto em papel que fazíamos no Brasil. Se tiver uma rasura, um erro, uma assinatura errada, se alguém tiver alguma dúvida com aquele voto, não é contabilizado. Esse problema nunca foi grande porque o volume de votos não era tão amplo", diz Denilde, que, apesar disso, descarta a possibilidade de fraudes.

Apesar de o voto não ser obrigatório nos EUA, pesquisas têm indicado que os níveis de abstenção não devem aumentar. Isso porque as campanhas opõem, mais do que dois candidatos, duas visões de mundo absolutamente diversas, e fazem com que os eleitores queiram ir às urnas motivados por amor ou ódio a Trump.

"O desafio logístico é muito grande. Nunca se viu nada dessa escala. Tem a chance de ser uma hecatombe logística ou de as coisas darem certo", estima Carlos Poggio. "O problema não o voto por correio em si, mas sim o volume".

Problemas nas primárias na Califórnia

Um levantamento da agência de notícias Associated Press divulgado na semana passada mostrou que mais de 100 mil votos por correspondência foram desconsiderados na Califórnia nas primárias presidenciais realizadas em março nos 58 condados do estado mais populoso dos EUA.

Dos quase 7 milhões de votos por correspondência realizados na ocasião, cerca de 1,5% (102,4 mil) foram desqualificados. Numa eleição acirrada, esse é um número que poderia fazer a diferença. O principal motivo para não considerar esses votos foi o recebimento fora do prazo pelas autoridades.

Para que eles sejam computados, a cédula preenchida deve ser postada no correio no dia da eleição ou antes, se houver tempo, e ser recebida pelo conselho eleitoral até três dias depois. Muitas cédulas também foram devolvidas sem assinatura ou com rubricas que não correspondiam às originais.

Até as eleições anteriores, a Califórnia fornecia cédulas para votação via correio apenas aos eleitores que assim solicitassem. Em junho, contudo, o governador Gavin Newsom, do Partido Democrata, aprovou uma lei pedindo para que as autoridades eleitorais estaduais enviem o documento a todos os quase 21 milhões de votantes registrados na Califórnia para as eleições de novembro.

A possibilidade de fraude é maior?

De acordo com as pesquisas disponíveis, não. Mas é preciso lembrar que as investigações realizadas até hoje não tiveram uma eleição no meio de uma pandemia. "O índice de tentativas de fraude é baixíssimo, mas o que pode haver é uma demora na contabilização. Se a disputa for muito apertada, pode gerar muita tensão e aumentar a desconfiança", afirma Denilde. "Esse tipo de preocupação existe".

O processo de voto pelo correio não é novo: remonta à Guerra de Secessão, na segunda metade do século XIX, quando foi utilizado pelos militares. As regras variam entre os Estados, mas, de forma geral, as cédulas são enviadas aos cidadãos pelo conselho eleitoral antes da data da eleição.

Cada envelope de retorno tem um código de barras único, que corresponde à cédula fornecida ao eleitor. As autoridades também lançam mão de métodos para identificar a identidade do votante, como por meio comparação de assinaturas - a da cédula enviada e a que consta no registro eleitoral, por exemplo.

Ataques de Donald Trump ao sistema

O presidente Donald Trump já criticou em diversas ocasiões a votação por correio e disse que esse sistema é mais sujeito a fraudes. As críticas coincidem com pesquisas eleitorais nacionais indicando vantagem do democrata Joe Biden na disputa. Ele também já ameaçou não reconhecer um resultado que não seja sua vitória. "Vamos ver o que acontece", costuma dizer.

"Ele está criando um discurso de desconfiança para justificar suas estratégias jurídicas em determinados Estados onde há expectativa de uma eleição muito disputada e a diferença é pequena", avalia Denilde. Poggio concorda e diz que é gravíssimo, do ponto de vista da democracia, um presidente dar declarações como essa. "Ele está preparando o terreno para uma eventual derrota".

"Imagine se os votos mostram que Trump está à frente no primeiro dia, e no dia seguinte, conforme os votos vão chegando, o Joe Biden vai passando. Com um presidente dessa qualidade na Casa Branca, ele pode radicalizar o discurso daqueles que acreditam nele. Uma parcela expressiva vai achar que as eleições foram fraudadas", afirma. "É o mesmo método do Trump para tudo: se o dado é bom, é verdadeiro. Se é ruim, é falsa".

Estadão
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