Se impeachment nunca deu certo nos EUA, por que democratas tentam contra Trump?
Processo, se for adiante, envolverá difíceis votações na Câmara e no Senado, mas mesmo assim oposição fez o pedido. Veja alguns motivos.
O pedido de impeachment aberto pelos democratas na terça-feira (24/9) pode, em última instância, resultar na remoção de Donald Trump da Presidência dos EUA. Mas trata-se de um processo político bastante difícil, particularmente com as divisões políticas em Washington.
Tão difícil que nunca foi bem-sucedido: os EUA nunca tiveram um impeachment presidencial.
Nancy Pelosi, democrata que presidente a Câmara dos Representantes, até agora vinha resistindo a apoiar iniciativas de impeachment, possivelmente porque a iniciativa pode colocar em risco tanto as campanhas eleitorais de democratas moderados que vão disputar as eleições de 2020 quanto a própria maioria democrata na Casa.
Se, então, o impeachment nunca deu certo e ainda pode ter efeitos colateriais sobre os próprios democratas, por que eles estão levando o pedido adiante agora?
A seguir, a BBC explica por que o rito é tão complexo, e por que os democratas estão correndo esse risco:
Como é o processo de impeachment nos EUA?
Assim como no Brasil, o impeachment precisa tramitar tanto na Câmara quanto no Senado.
"Na Câmara dos Representantes, só é necessária uma maioria simples (para ser aprovado). Uma Casa controlada pelos democratas poderia quase certamente impedir um presidente, particularmente um republicano, se conseguir estabelecer (a prática pelo presidente de) alto crime e má conduta", diz à BBC Jonathan Turley, professor de Direito da Universidade George Washington.
Depois, é a vez de o Senado decidir se o presidente é culpado das acusações - caso em que ele seria removido do poder. Mas, também como no Brasil, não basta uma maioria simples: é necessário que dois terços (67%) dos senadores americanos votem pela condenação do presidente. Ou seja, 67 do total de 100 senadores.
No entanto, considerando que 53 dos atuais senadores são republicanos, é improvável que haja votos suficientes para derrubar Trump.
Até hoje, só dois presidentes americanos foram alvo de impeachment: Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, e ambos foram inocentados pelo Senado.
Então, por que tentar um impeachment agora?
Defesa do Estado de direito
"Acho que o maior ímpeto para alguns membros do Congresso é só a manutenção do Estado de direito - a ideia de que ninguém está acima da lei, incluindo o presidente", diz à BBC a professora Kimberly Nalder, especialista em política americana na Universidade Estadual da Califórnia em Sacramento.
"E, se não há reação do Congresso, abre-se a porta para este presidente e futuros presidentes terem liberdade para violar a Constituição."
Foi essa a justificativa de Nacy Pelosi ao anunciar a abertura do inquérito de impeachment contra Trump, dizendo que "ninguém está acima da lei" e que o presidente teria "quebrado seu juramento presidencial e violado a Constituição".
A mera crença nesses princípios pode ser a motivação por trás do pedido de impeachment, mesmo que o processo em si fracasse.
Histórico de polêmicas
Queixas contra Trump começaram pouco depois de ele assumir o poder.
"A perspectiva do impeachment circula desde os primeiros dias da Presidência de Trump", explica Anthony Zurcher, correspondente da BBC nos EUA, lembrando que casos como o da investigação a respeito da interferência russa na eleição de 2016 elevaram os clamores por uma ação do Congresso.
E a atual polêmica em torno do telefonema de Trump ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fez essa pressão crescer.
"O caso com a Ucrânia - e a possibilidade de que Trump tenha usado seus poderes presidenciais para pressionar um governo estrangeiro a cavar (ou fabricar) informações negativas sobre um rival político - acabou levando a essa determinação democrata de contemplar um passo claro e inequívoco em direção ao impeachment", diz Zurcher.
Mas, para além do princípio, existem possíveis motivações políticas.
Os democratas querem tirar dos trilhos a agenda de Trump…
Não há dúvidas de que os trâmites de impeachment podem ter efeito na Presidência. Os anos finais do governo Clinton, por exemplo, depois de seu processo de impeachment em 1998, foram dominados pelo tema.
E, hoje, seu governo é lembrado primeiramente pelo escândalo sexual envolvendo Monica Lewinsky, cujos desdobramentos se estenderam por muitas décadas.
Nick Bryant, correspondente da BBC, aponta que as indiscrições de Bill Clinton podem inclusive ter prejudicado a campanha presidencial de sua mulher, Hillary, em 2016, porque "muitos eleitores se perguntaram se queriam passar por mais uma Presidência propensa a escândalos, criando uma espécie de fadiga contra Hillary".
…ou distrair sua campanha de reeleição para 2020
Trump já começou sua campanha de reeleição, de olho na votação de 3 de novembro de 2020. Ele lançou sua candidatura em um evento para milhares de pessoas em Orlando, Flórida, em 18 de junho.
O processo de impeachment pode acabar ocupando as atenções de Trump, criando obstáculos para seus planos de reeleição.
Pelo Twitter, é possível ver que Trump tem dedicado tempo considerável a responder as acusações.
Mas muitos analistas apontam que o assunto é também uma distração para os democratas, que vão alocar energia para o impeachment em vez de a temas que poderiam ser mais positivos.
Democratas acham que a opinião pública pode pesar contra Trump
Mesmo que o impeachment não seja aprovado pelo Senado, o processo pode ter um efeito na opinião pública.
Uma pesquisa de opinião do YouGov aponta que 55% dos americanos apoiaria o impeachment se for confirmado que Trump suspendeu ajuda militar à Ucrânia para forçar autoridades do país a investigar Joe Biden, que lidera a corrida democrata rumo à campanha de 2020.
É possível que novas revelações formem uma bola de neve e dificultem a permanência de Trump no cargo - e há precedente histórico para isso.
"Se olharmos para o exemplo de Watergate, nos anos 1970, com o presidente (Richard) Nixon, no início do processo (de impeachment), quando as audiências começavam no Congresso, apenas 19% da população opinava que ele deveria deixar o poder, que ele deveria sofrer impeachment", relata Nalder.
Mas, à medida que emergiram mais informações sobre o que ele sabia em conexão com o escândalo de Watergate, essa proporção cresceu.
"Ao fim do processo, quando ele acabou renunciando para evitar o impeachment, esse número foi para 57%, uma maioria em favor do impeachment", diz ela.