Se Maduro for reeleito, 'milhões de venezuelanos vão fugir', diz líder da oposição na Venezuela
María Corina Machado conversou com a BBC sobre a importância das próximas eleições presidenciais na Venezuela para a 'comunidade democrática internacional'.
Com as eleições presidenciais na Venezuela marcadas para 28 de julho, e o apoio unânime do partido no poder a Nicolás Maduro na busca por sua segunda reeleição, ainda permanece uma incógnita sobre o que a oposição vai fazer em relação ao pleito.
A líder da oposição, María Corina Machado, venceu com 92% dos votos as eleições primárias da oposição venezuelana, em outubro, mas está impedida de disputar a Presidência.
Ela não perdeu, no entanto, a esperança de ser a candidata, apesar de a Justiça venezuelana ter decidido que ela não está habilitada a concorrer a cargos públicos. Machado é alvo de diferentes acusações, como corrupção e formação de quadrilha.
Após a divulgação dos resultados, o governo classificou as primárias da oposição como "uma fraude".
Dias depois, a câmara eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça ordenou a suspensão dos resultados das primárias em decorrência de um recurso apresentado pelo deputado governista José Brito, que denunciou irregularidades, afirmando que era uma "grande farsa", sem apresentar provas.
Machado está convencida, como disse em entrevista ao programa Newsday, da BBC, de que a proibição imposta a ela nada mais é do que uma demonstração do medo que o governo tem de sofrer "uma derrota esmagadora".
Em suas palavras, Maduro "está boicotando" as eleições, como mostra o fato de não ter cumprido o que foi estabelecido no acordo de Barbados, firmado entre o governo, a oposição e os Estados Unidos.
Machado também se referiu às consequências de Maduro continuar no poder, o que poderia causar, segundo ela, "a maior onda migratória que vimos até agora".
Além disso, ela deixou aberta a possibilidade de alguém substituí-la como candidata da oposição nas eleições deste ano.
Confira a seguir a entrevista que Machado concedeu à BBC, poucos dias antes do prazo dado pelas autoridades eleitorais venezuelanas para a apresentação das candidaturas à Presidência (de 21 a 25 de março).
BBC - Você acha que vai conseguir se registrar como candidata a tempo?
María Corina Machado - É difícil dizer. É óbvio que Maduro teme a possibilidade de competir comigo porque sabe que teria uma derrota esmagadora.
Estão tentando me impedir porque é a primeira vez nos 25 anos que estamos sob um regime chavista em que disputamos uma eleição presidencial com mais de 80% de apoio, por isso haviam dito claramente que não me deixariam correr.
BBC - Se você não puder se registrar como candidata, haverá um candidato da oposição? Você vai permitir que alguém possa representar seu nome?
Machado - Fui muito clara ao afirmar que não vão nos retirar das urnas. Nós vamos e estamos lutando por eleições livres, e é Maduro quem está boicotando.
Queremos uma transição, um caminho pacífico, enquanto Maduro está gerando violência, e o que estamos propondo é uma negociação séria para uma transição com garantias, e Maduro se nega.
BBC - Parece que ele vai permitir que outra pessoa se registre, para que aqueles que não quiserem apoiar Maduro tenham uma alternativa nas urnas.
Machado - Estamos lutando dia após dia, vocês podem imaginar que não vou fechar nenhuma possibilidade neste momento.
O importante é que o nosso apoio está crescendo dia a dia, e Maduro perdeu toda a sua base social e, inclusive, as possibilidades que tinha antes, o mecanismo de chantagear as pessoas, não funciona mais.
É por isso que espero que a comunidade internacional, o mundo que sabe o que está em jogo neste momento, e o que significaria para a Venezuela e para a região se Maduro protelar uma transição pela força, [se junte] para manter uma posição unida e sólida em termos dos nossos direitos a uma eleição livre e justa na Venezuela, tal como o acordo de Barbados tinha estabelecido claramente.
BBC - Se você tiver permissão para concorrer ou se uma figura da oposição puder concorrer no seu lugar. Serão eleições livres e justas?
Machado - Não necessariamente. Em primeiro lugar, quero insistir nisso, no acordo de Barbados, que foi assinado pelo governo. Ele diz na sua primeira cláusula, no seu primeiro ponto, que os partidos são livres para decidir o processo por meio do qual escolhem o seu candidato.
E foi justamente isso que as forças democráticas fizeram no dia 22 de outubro, em um movimento cívico em que num único dia quase três milhões de pessoas votaram e me elegeram como candidata legítima com mais de 92% dos votos. Eles tentam me impedir, me proíbem de participar.
Em segundo lugar, estão impondo unilateralmente um calendário que torna quase impossível o envio de uma missão de observação internacional, e do ponto de vista interno, torna muito difícil para o povo venezuelano, para os jovens que não se registraram para votar, milhões, e também para milhões de pessoas que se viram obrigadas a deixar o nosso país — lembrem-se, um quarto da população venezuelana foi forçada a sair — se registrar e votar.
E o governo também tem anulado nas últimas horas o direito dos partidos políticos que me apoiam de apresentar candidatos, mas é Maduro quem bloqueia essa via.
BBC - Se você não tiver permissão para se candidatar. Você acha que os Estados Unidos deveriam restabelecer as sanções à economia venezuelana?
Machado - Isso fazia parte do acordo que o governo assinou com os Estados Unidos, no qual ambas as partes se comprometeram com diferentes ações.
Os Estados Unidos cumpriram o acordo e o que anunciaram que fariam, o governo (venezuelano) não — pelo contrário, violaram todos, cada um dos termos do acordo de Barbados, e aumentaram drasticamente a repressão e a perseguição.
Inclusive enquanto conversamos, há quatro gestores da minha campanha em quatro estados diferentes da Venezuela que desapareceram pelas forças do regime, e estão agora detidos como prisioneiros numa prisão chamada El Helicoide, que é o maior centro de tortura da América Latina.
Eles não gostam que eu viaje pelo país de avião, bloqueiam as rotas, nos atacam, e acredito que o mundo deve responsabilizar Maduro, porque as consequências de Maduro permanecer no poder pela força seriam enormes.
Não só para a região, porque a região deveria se preparar para a maior onda migratória que vimos até agora.
Estou falando de milhões de venezuelanos que vão fugir se perderem a esperança de liberdade e prosperidade em sua pátria.
Também tenho que destacar como os vínculos bastante perigosos que Maduro tem com a Rússia e o Irã estão se intensificando, e o que significaria para as democracias ocidentais se Maduro permanecer no poder pela força.
Portanto, este é um momento crítico, horas muito delicadas, e o que tanto os venezuelanos quanto a comunidade democrática internacional fizerem nas próximas horas, acredito que será crucial para as próximas décadas.