Sem concessões, militares e islamitas pressionam civis egípcios
Repórter da BBC relata como os civis egípcios estão sob pressão tanto pelas ofensivas do governo quando pelos islamitas derrubados do poder
Forças de segurança do Egito dizem ter esvaziado, neste sábado, uma mesquita no Cairo que abrigava simpatizantes da Irmandade Muçulmana, em mais um episódio de violência, trocas de tiros e mortes na atual crise política do país.
Os protestos contra a deposição do presidente islamita Mohammed Morsi têm resultado em confrontos sangrentos - na última quarta-feira, o Egito contabilizou ao menos 638 mortos, e outras 173 pessoas morreram em enfrentamentos na última sexta-feira.
Em meio à polarização entre quem apoia a Irmandade Muçulmana e os que aplaudem as Forças Armadas, a enviada especial da BBC ao Cairo, Mishal Husain, relata como os civis egípcios estão sob pressão tanto pelas ofensivas do governo militar quando pelos islamitas derrubados do poder:
"A partir do momento em que a Irmandade Muçulmana anunciou seus planos para um 'dia de ira', na sexta-feira, em resposta à repressão sofrida nas ruas dois dias antes, estava preparado o cenário para possíveis cenas de violência.
Na praça Ramsés, assim que as preces de sexta-feira terminaram, as ruas foram bloqueadas pelo Exército. Entre os manifestantes, começaram os gritos de guerra: "O Ministério do Interior é (formado por) ladrões"; "Se Sissi (general que comanda as Forças Armadas) sair, Morsi vai voltar".
O sobrevoo de um helicóptero militar enraiveceu a multidão ao redor da reportagem da BBC, e eles começaram a gritar e a mostrar a sola de seus sapatos aos militares, em sinal de desprezo.
Ao longo do dia, ficou evidente o esforço das autoridades em impedir que novos acampamentos de protestos fossem estabelecidos. De várias partes do Cairo vieram relatos de confrontos e de manifestantes sendo impedidos de se aproximar da praça Ramsés.
Polarização
A batalha pelo poder no Egito envolve dois lados pouco abertos a concessões, e as atitudes polarizadas do Exército e da Irmandade Muçulmana dominam o noticiário. Mas há muitos egípcios que acreditam em um meio-termo e que não podem ser esquecidos - egípcios que tentam levar seus negócios adiante, ir ao trabalho ou simplesmente existir em um ambiente de grande incerteza.
Lembro-me de um homem que pediu ajuda à reportagem da BBC nos arredores da mesquita Rabaa al-Adawiya. Ele era dono de uma floricultura em frente à entrada da mesquita, que hoje está destroçada. O homem não queria aparecer na TV, mas sim pedir conselhos: com quem ele deveria falar por ter perdido sua propriedade e seu sustento?
Lembro-me de outro homem, na ponte que leva à praça Ramsés, que disse que não era membro da Irmandade Muçulmana, mas estava revoltado com o fato de um presidente eleito do Egito - Morsi - ter sido deposto sem cerimônias.
E lembro-me também das sábias palavras do ator e ativista Khalid Abdalla, estrela de filmes americanos como Zona Verde e Voo United 93, com quem conversei pela primeira vez na noite em que foi derrubado o ex-presidente Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011.
Desde então, Khalid está envolvido com o grupo ativista Mosireen, que documenta abusos ocorridos no Egito. "Estamos vivendo dias de escuridão", disse ele, frustrado com a narrativa de divisão política - em vez da construção de instituições que ele esperava ver no Egito.
Enquanto conversava com Khalid à beira do rio Nilo, um grupo de passantes parou e começou a gritar em nossa direção, perguntando de que lado Khalid estava na atual crise política.
Logo se tornou impossível continuar a entrevista, e Khalid começou um debate acalorado. Alguns dos passantes estavam revoltados - um deles disse que a BBC era tendenciosa.
Por sorte, foi apenas um momento sem violência em um dia que, infelizmente, resultou em mais mortes no Cairo. Mas a emoção e a raiva desse momento são um lembrete de quão rápido as tensões podem escalar em um país envolto em graves turbulências."