Sequestro de estrangeiros no Saara dá caráter global a guerra no Mali
Combatentes islâmicos abriram uma frente internacional na guerra civil malinesa, ao fazerem dezenas de reféns ocidentais em um complexo de gás no deserto argelino, enquanto tropas francesas iniciavam uma ofensiva contra os rebeldes no vizinho Mali.
Mais de 24 horas depois da invasão de homens armados na instalação de extração de gás e no alojamento anexo, na madrugada de quarta-feira, pouco se sabe além da declaração do grupo que se autointitula "Batalhão de Sangue", que diz manter 41 estrangeiros como reféns, inclusive japoneses, norte-americanos e europeus, na localidade de Titantourine, nas profundezas do Saara.
A emissora de TV France 24 disse, citando um dos reféns com quem falou por telefone, que os sequestradores estão fortemente armados e que ameaçaram explodir a instalação se o Exército argelino tentar libertar os reféns. De acordo com a emissora, citando o refém que pediu anonimato, alguns deles foram obrigados a vestir cinturões com explosivos.
O chanceler britânico, William Hague, confirmou que um cidadão do seu país foi morto e que vários outros estão como reféns. A imprensa argelina disse que um argelino foi morto no ataque. Outra reportagem local dá conta da morte de um francês.
O número preciso e as nacionalidades dos reféns estrangeiros não puderam ser confirmados.
Os militantes dizem ter sete norte-americanos em seu poder -- cifra que autoridades dos EUA afirmaram não ter como confirmar. A estatal petrolífera norueguesa Statoil disse que nove funcionários noruegueses e três argelinos foram sequestrados. A imprensa do Japão informou que cinco japoneses a serviço da firma de engenharia JGC também estão como reféns.
"Essa é uma situação perigosa e que se desenvolve rapidamente", disse Hague a jornalistas em Sydney na quinta-feira, acrescentando que funcionários diplomáticos no país estão sob segurança reforçada.
O secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, tratou de "assegurar ao povo norte-americano que os Estados Unidos vão tomar todas as medidas necessárias e adequadas que sejam necessárias para lidar com essa situação.
O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, disse durante visita ao Vietnã que seu país "nunca irá tolerar tal ato", segundo a agência de notícias Jiji. Seu governo realizou uma reunião emergencial e disse estar trabalhando com outros países para liberar os reféns japoneses.
Uma coisa está clara: a chamativa reação à intervenção militar francesa iniciada na semana passada no Mali obriga o presidente da França, François Hollande, a tomar decisões difíceis, e espalha esse conflito para bem além do continente africano, desafiando os EUA e a Europa.
Liderado por argelinos com atuação anterior em guerrilhas no Afeganistão, o "Batalhão de Sangue" exigiu que a França suspenda a ação militar contra militantes islâmicos no norte do Mali, uma operação que tem o aval de aliados ocidentais e africanos que temem que a Al Qaeda esteja construindo um refúgio no Saara, aproveitando a injeção de combatentes e armas das forças derrotadas do regime líbio de Muammar Gaddafi.
Hollande não se manifestou especificamente sobre o sequestro, mas já disse que a intervenção francesa no Mali será longa e árdua, e que alvos franceses e ocidentais como um todo passam a correr mais riscos, dentro e fora da África.
O governo argelino descartou negociar com os sequestradores, que paralisaram a instalação responsável por 10 por cento da produção argelina de gás, da qual grande parte é bombeada para a Europa.
Os militantes, que se comunicam por meio de contatos estabelecidos com a imprensa da vizinha Mauritânia, disseram ter dezenas de homens armados com morteiros e mísseis antiaéreos na base, que fica nos arredores da cidade de Amenas, a cerca de cem quilômetros da fronteira com a Líbia.
Eles disseram ter repelido um avanço de forças argelinas na noite de quarta-feira, algo que o governo não comentou. Antes, autoridades disseram que cerca de 20 homens realizavam o sequestro.
A agência de notícias oficial da Argélia, APS, disse nesta quinta-feira que trinta trabalhadores argelinos conseguiram escapar do local.
Os militantes não fizeram nenhuma ameaça explícita, mas deixaram claro que a vida dos reféns corre risco. "Responsabilizamos completamente o governo argelino, o governo francês e os países dos reféns se nossas exigências não forem cumpridas, e cabe a eles conter a brutal agressão contra o povo do Mali", disse nota divulgada pela imprensa mauritana.
Eles condenaram o governo laico da Argélia por permitir que aviões franceses sobrevoem seu território a caminho do Mali, e também acusaram Argel de fechar sua fronteira para refugiados malineses.
A imprensa francesa disse que os militantes também estão exigindo a libertação de companheiros presos na Argélia, cujo governo travou uma sangrenta guerra contra grupos islâmicos na década de 1990.
(Reportagem de Pascal Fletcher e Andrew Callus, em Londres; Balazs Koranyi, em Oslo; Laurent Prieur, em Nouakchott; Daniel Flynn, em Dacar; John Irish, Catherine Bremer e Nick Vinocur, em Paris; David Alexander, em Roma; Andrew Quinn, em Washington; Jane Wardell, em Sydney; e Kaori Kaneko, em Tóquio)