Será que Bolsonaro pode resgatar protagonismo que Brasil já teve no G20?
Para analistas internacionais, país teve auge em cúpulas mundiais em governos FHC e Lula, mas vem perdendo protagonismo desde então
Sob a liderança do presidente Michel Temer, que deixa o comando do país em um mês, o Brasil teve mais uma vez participação discreta na cúpula do G20, que reuniu nos últimos dois dias as principais lideranças mundiais em Buenos Aires, capital argentina.
No próximo encontro, que acontecerá no Japão, em junho, o país será representado por Jair Bolsonaro, que chega ao cenário externo com a legitimidade do voto popular. Para analistas estrangeiros ouvidos pela BBC News Brasil, porém, a forte defesa do nacionalismo do presidente eleito e suas posições radicais em alguns temas podem dificultar sua capacidade de resgatar o prestígio internacional do Brasil.
Embora ausente na cúpula de Buenos Aires, Bolsonaro já despertou a atenção dos outros líderes. O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que não interessa ao seu país assinar tratados comerciais com nações que não façam parte do Acordo de Paris (compromisso para reduzir o aquecimento global).
Por causa disso, afirmou que a continuidade da negociação entre Mercosul e União Europeia dependerá da postura de Bolsonaro, que já manifestou intenção de seguir o exemplo dos Estados Unidos e deixar o acordo climático.
"No momento em que Bolsonaro chegar à sua primeira cúpula do G20, em Osaka, no Japão, ele poderá já ter aprendido que suas políticas atuais sobre mudança climática e igualdade de gênero matariam os brasileiros primeiro e o resto do mundo logo em seguida", disse à BBC News Brasil John Kirton, diretor do grupo de pesquisa do G20 na Universidade de Toronto (Canadá).
Temer não fica até o final, de novo
Depois de ter feito uma passagem relâmpago na cúpula do ano passado, na Alemanha, por casa das denúncias de corrupção que ameaçavam seu mandato, Temer teve apenas dois encontros bilaterais em Buenos Aires, com os primeiros ministros de Austrália e Singapura. Assim como em 2017, ele deixou o encontro antes da conclusão da última reunião de líderes.
Sua assessoria não esclareceu o motivo da volta antecipada. Segundo um diplomata do Itamaraty, o presidente "queria chegar mais cedo ao Brasil" e teria uma agenda privada em São Paulo.
Durante seu mandato, de pouco mais de dois anos e meio, Temer teve projeção internacional inferior a seus antecessores — Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016).
A previsão é que seu último compromisso internacional será a próxima reunião do Mercosul, em Montevidéu (Uruguai), dias 17 e 18 de dezembro. Com isso, deve encerrar seu mandato sem ter realizado um único encontro bilateral com os líderes das quatro maiores potenciais ocidentais — Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França.
Para analistas de política externa, a perda de relevância brasileira e o menor protagonismo de Temer se explicam por vários fatores, como a controvérsia em torno da legitimidade do processo de impeachment, as denúncias de corrupção, sua alta impopularidade interna e a crise econômica que se arrasta desde o governo Dilma.
Soma-se a esses fatores o fato de que ele está em final de mandato — sua iminente perda de poder torna menos atrativo para outros líderes conversar sobre o futuro com Temer. Nenhum líder do G20 aproveitou seu deslocamento até a Argentina para fazer uma visita oficial ao Brasil antes ou depois da cúpula. O presidente chinês, Xi Jinping, por exemplo, optou por alongar sua estadia na Argentina e visitar, em seguida, o Panamá.
"Auge nos tempos de FHC e Lula"
Na avaliação do brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do think tank Inter-American Dialogue, a ascensão do Brasil internacionalmente pode ser atribuída aos governos de Fernado Henrique e Lula, "dois presidentes excepcionalmente fortes, competentes, altamente conceituados em todo o mundo".
A relevância internacional do país, acrescenta, "caiu vertiginosamente" a partir de 2011, quando Dilma Rousseff tornou-se presidente, e continuou se detriorando devido à "inabilidade do país para lidar com uma longa lista de de probelmas domésticos", como crise econômica, desigualdade social e corrupção.
"Nos últimos dois anos, os governos do mundo (incluindo os da América Latina) viram o Brasil como um país economicamente conturbado, problemático, fracamente governado e cada vez mais polarizado, com um compromisso incerto com a democracia e o Estado de Direito. Não é mais um país de destaque e prestígio", respondeu por email à BBC News Brasil.
Hakim acredita que a recuperação do prestígio internacional do país por Bolsonaro "não será uma tarefa fácil". Ele avalia que o presidente eleito escolheu uma equipe bem qualificada para conduzir a economia, mas ressalta que a recuperação da atividade dependerá também do cenário externo e da capacidade do novo governo - ainda inexperiente em termos de gestão - de implementar as políticas econômicas.
Porém, mesmo que o novo governo seja bem-sucedido no fronte econômico, o brasilianista se questiona "se é de todo possível para o Brasil restaurar sua relevância regional e internacional liderado por um presidente nacionalista de extrema direita, com visões extremas sobre a maioria das questões, e compromisso limitado com princípios democráticos, direitos humanos ou progresso social".
Aproximação com os EUA
As declarações de Bolsonaro, seus filhos e integrantes do novo governo, como o futuro ministro das Relações Exteriores têm apontado para uma aproximação da próxima administração com o governo americano de Donald Trump. Um dos filhos do futuro presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foi aos EUA na semana passada e se reuniu com autoridades americanas. O assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, por sua vez, fez uma parada no Rio de Janeiro para visitar o presidente eleito na quinta-feira, antes de sua vinda para o G20.
Apesar disso, Peter Hakim vê obstáculos para que esse bom entendimento se transforme em ganhos práticos para os dois países. Uma das demandas do governo Trump, que está em guerra comercial com a China, é que o Brasil se distancie do parceiro asiático, hoje maior comprador de produtos brasileiros. Ele também vê dificuldade para Bolsonaro liderar regionalmente uma solução para a crise venezuelana, devido ao discurso radical do brasileiro.
"Trump e Bolsonaro podem desenvolver um relacionamento pessoal fabuloso, mas seria uma enorme surpresa para mim se os Estados Unidos e o Brasil emergissem como parceiros econômicos, diplomáticos ou de segurança próximos e produtivos", ressaltou.
"Não acho que a semelhança de opiniões e de temperamentos de seus dois líderes seja uma base suficiente para os países superarem diferenças (e indiferenças) de longa data, derrubarem cercas históricas e construírem uma agenda robusta e cooperativa", disse ainda.
Para a professora do Instituto de Relações Internacionais da USP Maria Antonieta Del Tedesco, o Brasil tem mais condições de se projetar internacionalmente quando busca fortalecer os fóruns globais, ao invés de se alinhar com políticas americanas.
"As propostas do novo governo não favorecem o multilateralismo. Vejo um risco de retrocesso muito grande na trilha de internacionalização, de fortalecimento do Brasil como um poder intermediário, como um líder regional. Pelo discurso dos que vão assumir o governo, estão muito mais olhando para cima, o norte, do que para outras alianças que já estavam colocadas", destacou.