Sergio Massa vs Javier Milei no segundo turno da Argentina: veja o que dizem os analistas
Nas próximas semanas, o país será epicentro de uma campanha intensa pela confiança dos argentinos; apelo à mudança e aproximação do centro podem definir disputa pela Casa Rosada
Na Argentina, a vitória de Sergio Massa sobre Javier Milei e Patrícia Bullrich nas eleições deste domingo, 23, surpreendeu aliados e opositores. Em meio a uma campanha dominada pela crise contínua e a maior incerteza eleitoral dos últimos 40 anos, o candidato peronista recuperou espaço e superou as expectativas atribuídas com as pesquisas de opinião, com uma mensagem de união que reverberou ao redor do país e uma dança política notável que conseguiu mobilizar de forma efetiva as bases partidárias.
Agora, Massa embarca em um segundo turno presidencial que promete tudo exceto leveza, contra um Milei que, apesar de ter ficado em segundo lugar, carrega ainda consigo a euforia da mudança radical e o apoio de grande parte da nova direita, representada por Bullrich.
Nas próximas semanas, o país será epicentro de uma campanha intensa pela confiança dos argentinos, enquanto a saída para a pior crise dos últimos tempos permanece incerta e a apatia política cresce nas ruas do país.
"Saibam que, como presidente, não vou falhar com vocês", disse o atual ministro da Economia Sergio Massa na noite deste domingo, na comemoração do resultado eleitoral. "Nosso país está passando por uma situação difícil, complexa, cheia de desafios e dificuldades. No entanto, eles acreditaram que nós éramos a melhor ferramenta para construir", disse o candidato, se referindo aos eleitores que proporcionaram sua vitória.
Milei, que apareceu em público no final da noite, subiu ao palco do seu bunker no Hotel Libertador, em Buenos Aires, e atacou diretamente o kirchnerismo, grupo político governista da Cristina Kirchner, cuja plataforma impulsionou a campanha de Massa. "O kirchnerismo é a pior coisa que aconteceu à Argentina", disse o libertário.
"Não percamos de vista esse evento histórico", afirmou ele. "O fato de termos feito a melhor eleição da história do liberalismo na Argentina nos enche de orgulho. Saímos do nada para ter quase 40 deputados e 8 senadores. É impressionante o que construímos".
Milei também enviou uma mensagem à direita que não votou nele. "Nunca houve uma eleição mais clara. Se trabalharmos juntos, poderemos acabar com o modelo de castas (elites) políticas. Esta eleição não é sobre mim. Nós, argentinos, temos de escolher se queremos o kirchnerismo ou a liberdade. Eles vão mentir, vão sujar, dizer que estamos aqui para tirar direitos, não se enganem, estamos aqui para acabar com os privilégios para que eles não possam mais roubar", afirmou o candidato de Libertad Avanza.
Massa manterá o discurso "produtivista" e seu status de ministro em exercício e atual candidato fortalecerá sua posição com um "círculo vermelho" que provavelmente estará mais inclinado a lhe dar crédito.
o candidato peronista soube mobilizar sua base de aliados e comunicar uma mensagem de união que reverberou com mais força no país que os chamados de mudança radical
Segundo Lourdes Puentes, cientista política e Diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina (UCA), a disputa eleitoral de domingo surpreendeu não só pela recuperação de espaço do peronismo, mas também pela capacidade de Massa de fazer ecoar uma mensagem de fortaleza institucional que havia ficado apagada nas eleições primárias, PASO. A disputa, que havia deixado Massa em segundo lugar, serviu para acordar o peronismo, forçando a coalizão a mudar de estratégia.
"De forma geral, eu sempre aguardo alguma surpresa dos eleitores, que diferentemente do que acham outros, pensam bastante, não agem pelo impulso, e que nas PASO deram um forte alerta à classe política que condicionou o discurso posterior de todos [os candidatos]", disse ao Estadão Lourdes Puentes.
"Ou seja, não teria existido 'o Massa' da campanha se não fosse pelas PASO que tivemos", acrescentou.
"Acredito que Sergio foi muito assertivo no que fez, que foi se apresentar como alguém teve coragem de pegar [a liderança da] economia e que está tentando levá-la para frente com todas as dificuldades que isso acarreta, assim como dizer que iria fazer um governo diferente e com muita mais gente", disse a cientista política. "Por outra parte, ele conseguiu a mobilização de todo o aparato político, que na [eleição] anterior não se mobilizou. Me parece que houve uma reação da classe política frente à possibilidade de que ganhasse Milei, que vinha questionando quase tudo".
Por outro lado, a analista acredita que a mensagem política de Milei ainda não se conecta muito bem com grupos essenciais da sociedade que, contrariando às ideias do candidato, buscam uma ampliação de direitos e maior bem-estar social, fundamentalmente em tempos de dificuldade econômica. Para ela, isso contribuiu para a queda nos resultados do libertário.
"Na Argentina, se bem houve uma reação bem forte contra a classe política, há um convencimento na população de que o Estado é necessário, há uma grande consciência dos direitos, e Massa utilizou esse discurso para apontar Milei como alguém que iria atacar esses direitos. Nesse momento ele começou fazer sentido para uma população que apesar de estar cansada da política, acredita no estado e tem consciência de direitos", afirmou Lourdes Puentes. "A oposição, por exemplo, com Patricia Bullrich, não teve a capacidade de interpretar tudo o novo e para demonstrar que essa seria uma opção válida".
Carlos De Angelis, sociólogo e analista político argentino, disse em entrevista ao Estadão que "o voto de Javier Milei congelou em sua extensão como resultado de suas próprias posições extremas". Para o sociólogo, Milei parece ter atingido seu teto nesse ponto, mas neste domingo ele passou a abaixar o tom, propondo uma aproximação para o centro em busca do voto de Patricia Bullrich. Para vencer, no entanto, qualquer candidato precisa 50% dos votos, o que implicaria obter praticamente todos os votos de Bullrich.
Para as próximas eleições o desafio de Milei está atrelado à mudança de tom, que é bastante difícil para um candidato como ele, cuja campanha é um subproduto misto de uma ideia e estética mais agressivas. "As posições extremas de pessoas próximas a Milei (como romper relações com o Vaticano ou permitir que os homens renunciem à paternidade) afastam o eleitor moderado de classe média e também o voto das mulheres", afirmou De Angelis.
Do lado oposto do espectro político, Sergio Massa, segundo o analista, "oferece algumas certezas do conhecido em um país que, embora sobrecarregado por problemas econômicos, não estava em posição de concordar com um esquema de Milei que foi apresentado como 'um salto no vazio'".
Com ascensão da direita mais radical do Milei, as bases da direita tradicional ficaram enfraquecidas. A derrota de Patricia Bullrich, que ficou inerte no terceiro lugar tanto nas PASO quanto neste segundo turno, marca então um ponto de quebra para Juntos por el Cambio — força política germinada pelo ex-presidente Maurício Macri — e levanta questionamentos sobre o futuro da coalizão, que durante os últimos 7 anos tem sido a principal força de oposição em um país dominado pelo peronismo.
"A disputa será breve, mas muito intensa. Milei espera contar com o apoio do ex-presidente Macri. Massa tentará atrair os votos moderados do Juntos por el Cambio", disse Carlos de Angelis.
"A disputa entre Massa e Milei vai ser bastante feroz. Há quem fale em uma possível 'campanha do medo'. Mas temos que ver o que vai ocorrer com Juntos por el Cambio e com o Partido Radical, que é mais provável que fique com Massa do que com Milei. Milei achava que podia ganhar na primeira volta e sair [presidente] na segunda. Assim como aconteceu com Patricia na primeira [volta], está acontecendo com eles agora", afirmou Lourdes Fuentes.
Para a Diretora da da Escola de Política e Governo da UCA, a única constante na campanha deverá ser a intensificação da mensagem de mudança — algo que tem se tornado prioridade para os argentinos, que buscam uma saída da situação atual, mas não encontram solução concreta.
Segundo ela, neste quesito Milei tem uma vantagem tática, que é a sua "capacidade de quebrar a inércia nociva da política", expressando publicamente mensagens enfáticas contra a corrupção e os privilégios. Mas o ministro da Economia também planeja convencer a sociedade da sua capacidade para mudar as coisas.
"Mudanças estruturais podem vir de qualquer um dos lados. Sergio Massa é capaz de qualquer coisa. Assim como em determinado momento enfrentou a Cristina [Kirchner] e depois teve que aceitá-la, se ele acreditar que precisa fazer mudanças, ele vai fazê-las."