Taiwan: as possíveis reações da China à visita de Pelosi
Pequim anuncia exercícios militares e suspende importações de Taiwan; especialista teme mudança de postura do país asiático com relação à guerra na Ucrânia.
O Exército de Libertação Popular da China irá realizar três dias de exercícios militares a partir desta quarta-feira (3/8), após a presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, visitar Taiwan na terça (2/8).
De acordo com o Exército, em seis grandes áreas nas costas norte, sul, leste e oeste de Taiwan, aeronaves e navios chineses realizarão manobras e testarão munição de longo alcance.
O ministério da Defesa de Taiwan disse que os exercícios são uma tentativa de intimidar psicologicamente os cidadãos da ilha, mas orientou a população a não se preocupar, dizendo que as forças armadas monitoram a situação e têm condições de proteger o Estado insular.
A China também suspendeu importações de 35 exportadores taiwaneses de biscoitos e doces nesta terça-feira. Os produtos são importantes itens comerciais entre Taiwan e China, incluindo Hong Kong.
Cerca de dois terços das exportações de Taiwan em 2021 foram biscoitos e doces, com um valor total de US$ 646 milhões, informou a mídia taiwanesa. Em 2020, o valor chegou a US$ 660 milhões, representando 37% do total exportado.
Estima-se que mais de 100 empresas em Taiwan serão forçadas a deixar de fazer negócios com a China após a sanção entrar em vigor.
Mas essas podem não ser as únicas reações chinesas à visita, alertam especialistas.
China condena visita
O Ministério das Relações Exteriores da China condenou veementemente a visita de Pelosi a Taiwan, classificando-a como uma "séria violação do princípio de Uma Só China" que terá um "severo impacto" na base política das relações China-EUA.
Em um comunicado, a pasta disse que a visita "viola seriamente a soberania e a integridade territorial da China".
"Isso prejudica gravemente a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan e envia um sinal seriamente errado às forças separatistas para a 'independência de Taiwan'", disse o ministério.
Desde 1979, os EUA concordaram em reconhecer a política de "Uma Só China". Isso significa que os EUA reconhecem a posição da China de que há apenas um governo chinês.
De acordo com essa política, os EUA têm laços formais com a China, não com Taiwan. Mas os EUA ainda apoiam a ilha e prometeram ajudá-la a se defender, incluindo com o fornecimento de armas.
O Partido Comunista da China ameaçou usar a força se Taiwan declarar formalmente a independência.
O porta-voz do Pentágono, John Kirby, disse a jornalistas que a visita de Nancy Pelosi é consistente com a política de "Uma Só China". Ele afirmou que não há necessidade de transformar isso em uma crise e que os EUA ainda não apoiam a independência de Taiwan.
Kirby acrescentou que os EUA são contra qualquer mudança no status quo e que quaisquer diferenças devem ser resolvidas por meios pacíficos.
Questionado se a resposta da China era esperada, o porta-voz afirmou que sim. "É consistente com a cartilha que esperávamos que eles executassem (...) vamos continuar observando".
Possível apoio à Rússia
Margaret MacMillan, professora emérita de história internacional da Universidade de Oxford, levanta a possiblidade de a China retaliar apoiando a Rússia em sua investida contra a Ucrânia
"Vamos torcer para que não seja um daqueles momentos históricos em que todos olhamos para trás e dizemos 'oh, isso realmente foi o começo de algo", diz MacMillan à BBC.
"Os chineses não condenaram a invasão russa da Ucrânia, mas não lhes venderam armas. Eles realmente não os incentivaram na Ucrânia, não mostraram apoio sincero a eles. Me pergunto se isso vai mudar", acrescenta a professora de Oxford.
A Rússia alertou que a viagem de Pelosi a Taiwan é uma "clara provocação" e corre o risco de precipitar um conflito.
Mais cedo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que "tudo sobre esta turnê e a possível visita a Taiwan é puramente provocativo".
Posteriormente, o Ministério das Relações Exteriores de Moscou disse que a China tem o direito de "tomar medidas para proteger sua soberania".
Ciberataques e críticas de Pequim
Os sites do governo e da presidência de Taiwan foram derrubados nesta terça-feira, antes da chegada de Pelosi.
Interrupções desse tipo podem ser causadas por um aumento súbito no número de visitantes, mas também por um ataque cibernético deliberado com o objetivo de derrubar os sites.
Pelo menos no caso do site presidencial, um ataque cibernético foi o culpado, disseram autoridades taiwanesas à Reuters, sem informar quem estava por trás disso.
Também antes da chegada de Pelosi, o governo chinês expressou repetidamente sua oposição à visita da congressista americana.
Na semana passada, o presidente chinês Xi Jinping disse ao presidente americano Joe Biden que "quem brincar com fogo vai se queimar".
Na segunda-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian, alertou sobre "sérias consequências" da visita da líder democrata dos EUA e disse que o Exército de Libertação Popular (ELP) não ficaria de braços cruzados.
Enquanto isso, o comando oriental do Exército, que cobre a parte do continente mais próxima de Taiwan, divulgou um vídeo nas mídias sociais dizendo que estava "totalmente preparado para qualquer eventualidade".
O Exército chinês completou 95 anos de sua fundação na segunda-feira (1/8). Na terça, um editorial do jornal estatal Global Times disse que o ELP não trava uma guerra há quase 40 anos, mas melhorou sua capacidade de combate na última década.
Reação nas redes sociais e protesto
Nas redes sociais fortemente monitoradas da China, os comentários se opuseram com veemência à visita de Pelosi e incentivaram uma ação militar.
Muitos usuários pediram que a China "tome de volta" Taiwan e apenas algumas postagens pediram calma.
"Não queremos guerra (...) todos os soldados têm famílias", disse um deles. Mas essas postagens foram fortemente criticadas por outros comentaristas.
Durante a visita de Pelosi, um pequeno protesto foi realizado do lado de fora do hotel onde a parlamentar se hospedou por um grupo pró-China que se opõe à visita. Alguns dos manifestantes seguravam faixas com os dizeres "vá para casa, belicista".
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62402544