'Trump é o nosso Bolsonaro': como pensam brasileiros que ajudaram presidente a vencer na Flórida
Com 96% dos votos apurados na Flórida, Trump havia declarado vencedor no Estado com 51,2% dos votos, contra 47,8% do oponente Joe Biden.
Enquanto a maioria das pesquisas mostrava Joe Biden com ligeira vantagem em relação a Donald Trump na Flórida, um dos lugares mais cobiçados destas eleições nos EUA, brasileiros que vivem há anos no Estado apostavam no justo oposto durante a tarde de terça-feira (3), dia de votação, nos arredores de Miami.
"Eu creio, pelo que tenho visto, que Trump tem vantagem", afirmava a empresária Patricia Brito, que vive há 23 anos nos EUA, 13 deles no Estado da Flórida. Ela se diz "encantada" com a política migratória do republicano.
"Não é que pode ganhar, Trump tem que ganhar", disse Carlos Alberto Soares, que está nos EUA há 18 anos e vive e trabalha na região de Pompano Beach, um importante reduto de brasileiros ao norte de Miami. Para ele, Trump "salvou" a economia dos EUA.
Com 36 anos nos EUA, Sergio (que preferiu não dar o sobrenome) é dono de uma sala comercial em um centro de compras na mesma área. "A eleição aqui vai ser complicada", previu o brasileiro, que defende a resposta do presidente americano à pandemia do novo coronavírus, em entrevista à BBC News Brasil. "Mas Trump vai ganhar."
Impressões semelhantes foram compartilhadas com a BBC News Brasil por mais de 10 brasileiros que vivem na região de Miami (só um casal preferiu se abster: "Preferimos fazer o nosso", "não estamos nem aí para política", disseram).
As opiniões revelam como alguns pontos-chave da retórica de Trump — migração, relações raciais, religião, economia e pandemia — ressoam entre brasileiros conservadores que reconstruíram suas vidas nos EUA e hoje têm dupla nacionalidade.
Até a publicação desta reportagem, com 96% dos votos apurados na Flórida, Trump havia se declarado vencedor no Estado com 51,2% dos votos, contra 47,8% do oponente, Joe Biden.
Imigração: 'O sonho americano não existe mais'
A política linha-dura do republicano em relação àqueles que vivem sem documentos nos EUA é a que mais agrada àqueles que, um dia, chegaram ao país como imigrantes.
"Por mais que eu seja imigrante, eu concordo", diz Patricia Brito, dona do Feijão com Arroz, um restaurante a quilo muito frequentado por brasileiros na região de Miami.
Para ela, "os EUA mudaram muito" e a chegada de estrangeiros indocumentados aumenta o risco de "terrorismo" e cria situações "injustas" para empresários e assalariados.
"A gente que tem negócios, está no comércio, conhece muita gente, a gente vê. As pessoas da classe média estão perdendo poder de compra, perdendo a independência. Aquele sonho americano não existe mais. Por quê? Uma pessoa para fazer um parto gasta US$ 15 mil. Uma pessoa indocumentada não vai pagar nada. Quem está pagando? A classe média", diz.
"Hoje ter um small business (pequeno negócio) é muito difícil. Os custos fixos são altíssimos. Não é justo com o povo esse sistema (criado) para manter essa parte informal. O americano está pagando a conta e a gente sente na pele."
Nos EUA, como no Brasil, mesmo as pessoas sem documentos pagam determinados impostos — embutidos no preço final — quando comprarem qualquer produto ou serviço.
Enquanto Trump subiu o tom contra imigrantes nas duas campanhas e durante seus 4 anos na Casa Branca, seu antecessor, Barack Obama, já havia batido recordes de deportações.
Segundo levantamento do jornal Washington Post, 1,18 milhão de pessoas foram deportadas nos 3 primeiros anos de Obama, contra em torno de 800 mil no mesmo período sob Trump. Só em 2012, o governo democrata havia deportado 409.849 pessoas. Segundo o levantamento, o máximo de deportados em um ano na gestão Trump seria de 260 mil.
Pandemia: 'Morre de covid quem tem que morrer'
"A pandemia, todo mundo sabe, é uma invenção. Eu tive o vírus, sei que ele está aí, ele mata, mas morre de covid quem tem que morrer", diz Sergio, um veterano nos EUA com mais de três décadas no país.
"Nos EUA, morreram duzentas e alguma coisa mil pessoas", ele afirma.
A reportagem diz que foram 232 mil mortes, segundo dados oficiais compilados pela Universidade Johns Hopkins, de Washington. "Que sejam 300 mil pessoas. Em relação a 330 milhões de habitantes (população aproximada dos EUA), isso é nada. Não é nada."
O brasileiro ecoa a narrativa do presidente americano, que culpa a China pela pandemia e pelo que chama de "vírus chinês" — classificação vista como pejorativo pela comunidade chinesa e parte da comunidade internacional.
"Se fosse uma doença hiper contagiante e hiper fatal, teríamos milhões de pessoas", diz o brasileiro, enquanto descarrega caixas de papelão de um carro preto. "Acho que esse vírus foi criado, a China é muito sabida."
Como outros brasileiros ouvidos pela reportagem, Sergio diz que já esperava que algo como a pandemia pudesse acontecer.
"Isso é bíblico. Estamos no princípio das dores, está escrito no livro de Apocalipse, pega qualquer bíblia, vai lá e lê. Haverá pestes e pragas e estamos chegando lá. É sem retorno. Não adianta curar pandemia. Não adianta. É sem retorno e vai chegar no final", diz.
A reportagem pergunta o que acontece no final.
"Vai se cumprir o livro de Apocalipse."
Conservadorismo e religião: 'Trump é o nosso Bolsonaro'
Muitos dos entrevistados fizeram referência à Bíblia em sua defesa a Donald Trump.
Para uma dupla de garçonetes que trabalha em uma lanchonete frequentada por brasileiros em Miami, Trump "trouxe a religião de volta" ao cotidiano dos americanos.
"Ele é cristão e botou uma juíza cristã para proibir o aborto", diz uma delas. Ela faz referência à indicação de Trump à Suprema Corte da juíza católica Amy Coney Barrett à cadeira deixada pela juíza progressista Ruth Bader Ginsburg, que morreu neste ano.
Desde 2017, Trump já nomeou três juízes para a Suprema Corte, além de outros mais de 200 juízes para tribunais federais com cargos vitalícios.
"Trump é o nosso Bolsonaro", completou a colega de trabalho, em referência à retórica conservadora de ambos.
"Eu concordo muito com o Trump, principalmente nas questões de família", disse a empresária Patricia Brito. "O povo cristão está muito ligado nessa questão da destruição da célula familiar. A sabe o rumo que essas coisas estão tomando. A proposta do Trump é reverter essa situação."
Segundo ela, um governo Biden significaria "uma deturpação no princípio familiar".
A reportagem pergunta se o comentário tem a ver com o casamento gay. "Acho que a escolha é deles e eles vivem do jeito que acham que é certo. Só que daí a trazer isso para escola, você começar a trazer valores relativos para as crianças. Eu convivo muito com adolescente e eles hoje estão perdidos", diz.
A brasileira prossegue: "É complexo eu falar isso, eu não tenho alto 'background' de psicologia, mas eu diria que 2 ou 3% da população realmente tem essa escolha embasada em problemas do passado, situações que viveram, traumas, questões, genéticas, questões de problemas químicos. Mas a grande massa está sendo influenciada".
As informações não têm qualquer amparo médico, sociológico ou científico.
Economia: "Obama e Biden destruíram os EUA"
A condução da economia seria um dos pontos fortes de Donald Trump entre o eleitorado, segundo pesquisas divulgadas ao longo de todo o período eleitoral.
Para muitos americanos, o republicano teria mais capacidade que o rival democrata em temas econômicos.
Dias antes da eleição, o Departamento do Trabalho americano divulgou alta recorde no produto interno bruto dos EUA no terceiro trimestre deste ano, em relação aos três meses anteriores.
No período, segundo o escritório oficial de estatísticas dos EUA, o PIB cresceu 33,1%, recorde na série histórica do indicador, contra estimativas de 31%.
No segundo trimestre, a economia Americana havia encolhido em 31,4% — maior queda desde a crise de 1929.
"Se o Trump facilitasse mais para a covid, a economia dos EUA estaria lá embaixo. Ele não deixou isso acontecer. E ele estando aí, a economia foi muito boa. Ele recebeu a economia destroçada pelo Biden e pelo Obama", diz Carlos Alberto Soares, que é dono de uma ótica.
A visão bate com a do conterrâneo Sergio.
"(Trump) é um presidente que tem um ego muito grande, por ser um cara muito rico, com muito poder, conquistou tudo na vida, então ele 'se acha o cara'", diz.
"O presidente, para ser um líder, tem que ter integridade e tem que saber business, tem que saber de negócio. Tem que entender como se negocia, política estrangeira é negócio", continua o brasileiro. "Trump é um bom presidente por ser um bom empresário e ser direto. Creio que ele é honesto."
Durante os três primeiros de governo Trump, os EUA registraram crescimento econômico médio anual de 2,5%. Nos últimos três anos da administração do antecessor, Barack Obama, os EUA viram um nível semelhante de crescimento (2,3%), junto com uma taxa significativamente maior (5,5%) em meados de 2014.
Até o início da pandemia, Trump afirmava ter entregado a menor taxa de desemprego em meio século. Isso é correto: em fevereiro deste ano, a taxa era de 3,5%, a menor em mais de 50 anos.
Obama também adicionou mais empregos à economia, comparando-se períodos semelhantes: sob Trump, nos três anos anteriores à pandemia, foram registrados 6,4 milhões de empregos adicionais; já nos últimos três anos de Obama, foram criados 7 milhões de empregos.
Tudo isso mudou drasticamente com a pandemia: segundo o Departamento do Trabalho dos EUA, mais de 20 milhões de pessoas perderam seus empregos e, em um único mês, o país perdeu o equivalente a uma década de ganhos de empregos.
Flórida
A Flórida era considerada pelas campanhas de Trump e Biden um dos Estados mais importantes na disputa eleitoral. Trata-se de um dos chamados Estados-pêndulo: onde não há preferência clara por um partido ou pelo outro no eleitorado.
Desde 1900, os democratas ganharam 17 vezes na Flórida, contra 13 vitórias de republicanos.
Entre as eleições de 2000 e 2016, as últimas cinco eleições, os republicanos ganharam 3, os democratas 2.
Junto a Nova York, a Flórida é o terceiro maior colégio eleitoral dos EUA — depois de Califórnia e Texas.
Do Estado saem 29 dos 270 votos necessários no colégio eleitoral para que um dos candidatos se consagre presidente.
O Estado é marcado pela diversidade. Em 2020, dos 5,7 milhões de hispânicos do Estado, mais de 2,5 milhões se registraram para votar — quase meio milhão a mais que na eleição de 2016, segundo dados do governo do Estado analisados pelo Instituto Pew.
Os latinos, tradicionalmente, votam por democratas nos EUA: 7 em cada 10 latinos do país votaram Obama em 2012; depois 66% votaram em Hillary Clinton em 2016.
Mas o Estado tem a maior concentração de cubanos nos EUA — na grande Miami, os cubano-americanos são maioria na população.
Segundo a última edição de uma pesquisa anual feita há 29 anos pela Universidade Internacional da Flórida (FIU) sobre o perfil político dos cubanos da cidade, os cubanos da região votaram Trump — 59% preferiam o republicano, contra 25% que disseram que votariam em Biden.
Não há um recorte específico sobre como os brasileiros votam na Flórida.
Em escala nacional, segundo pesquisa do Instituto Ideia, esperava-se que 71% dos brasileiros que vivem nos EUA e possuem direito a voto votassem no candidato democrata, enquanto 27% diziam preferir o republicano Donald Trump.