Trump x Biden: o que são as 'miragens' vermelha ou azul, cruciais para entender o resultado das eleições nos EUA
Resultados preliminares sobre eventual vitória de Trump ou Biden podem ser enganadores, uma vez que cenário geral tende a sofrer grande influência de alguns Estados-chave - onde a apuração pode demorar.
A impaciência pode nos pregar uma peça na nesta eleição dos Estados Unidos, uma vez que muitos estão acostumados à imprensa proclamando o vencedor no fim da noite ou na madrugada do dia seguinte — e ouvindo um candidatos se declarando vitorioso e o outro reconhecendo a derrota.
No entanto, todos os especialistas pedem calma: podemos não saber o vencedor no mesmo dia ou na madrugada seguinte. Além disso, da noite para o dia podemos nos convencer de que Donald Trump cobriu o mapa de vermelho, a cor republicana; ou que foi Joe Biden quem o fez, com o azul dos democratas. Mas pode ser apenas uma "miragem".
É um fenômeno para o qual alertam vários analistas e jornalistas do país, em meio ao amontoado de desinformação que marcou a campanha.
O que significam exatamente?
O conceito remete justamente ao que seu nome indica: um cenário que acaba não ocorrendo.
Em termos eleitorais: que os resultados que começam a ser publicados naquela noite apontem para a vitória de um dos candidatos, mas, mais tarde (na madrugada ou dias depois), o panorama vira de cabeça para baixo.
"Miragem vermelha" (red mirage, em inglês), em referência a uma aparente vitória de Trump; ou "miragem azul" (blue mirage), de Biden.
Nestas eleições, é esperado que ocorram grandes alterações nos resultados à medida que alguns Estados publiquem suas apurações, embora nem todos, devido a particularidades como a alta parcela de votols antecipados e pelo correio e as diferentes regras locais de apuração.
Pontos importantes
"A miragem(…) resulta do fato de que, com votação em 50 Estados e no Distrito de Columbia (Washington), temos 51 eleições acontecendo ao mesmo tempo. Cada lugar tem suas próprias regras e isso afeta a forma como eles processam os votos e como são contados", explica o analista eleitoral Geoffrey Skelley, do famoso portal de análise de dados e pesquisas FiveThirtyEight.
A chave, portanto, está no que cada território decide fazer: em alguns, os votos presenciais no dia das eleições serão contados mais cedo e se espera que favoreçam Trump, já que as pesquisas refletem que um número maior de cidadãos registrados como republicanos disseram que votariam pessoalmente, no dia 3.
Em outros, no entanto, o resultado da votação por correspondência será publicado antes ou será incluído nos primeiros resultados juntamente com os votos do dia que forem apurados. E esses são mais propensos a favorecer Biden, de acordo com dados das mesmas pesquisas, que mostraram maior interesse por essa opção entre os eleitores registrados como democratas.
Estados cruciais
Veja a Flórida, por exemplo, com um histórico de definir eleições e vasta experiência em votação pelo correio.
O Estado começou a processar e contar os votos pelo correio e votos antecipados antes das eleições. As autoridades não informam o resultado antes da noite da eleição, mas isso permite que se adiante parte do trabalho.
Assim, de acordo com Skelley, quando a Flórida fecha as pesquisas e logo depois começa a publicar os resultados, "podemos ver que os democratas estão melhor no início (miragem azul) e os republicanos vão ganhando terreno com o avançar da noite devido a votos naquele dia, o que tenderá a ser pró-Trump."
A situação pode ser completamente oposta em algumas regiões do Cinturão de Ferrugem: Pensilvânia, Michigan ou Wisconsin, os três Estados que, em 2016, inesperadamente se voltaram a favor de Trump e abriram as portas da Casa Branca para ele, com cerca de 80 mil votos.
Neste ano, o seu papel também pode ser decisivo se a corrida for acirrada, mas, neste caso, será necessário ter ainda mais paciência.
Na Pensilvânia, por exemplo, os funcionários eleitorais não podem começar a processar as cédulas enviadas pelo correio antes das 7 horas do dia da eleição e, portanto, há uma forte possibilidade de que grande parte dos votos inicialmente contados venha daqueles depositados pessoalmente no dia 3.
Ou seja, nesse caso, é produzida uma espécie de "miragem vermelha".
No entanto, é preciso levar em conta os registros de participação antecipada já registrados, que podem agilizar o processo e fazer a reviravolta "não tão marcada quanto alguns temem", destaca o analista.
"Os níveis de participação antecipada têm sido incríveis. É algo que nunca vimos, é completamente incomum na história", disse David Becker, diretor-executivo do Centro de Pesquisa e Inovação Eleitoral e ex-funcionário do Departamento de Justiça.
"Há Estados como o Texas que já estão com 90% da participação que foi registrada em 2016 (...) e isso ajuda a garantir que as eleições sejam realizadas com o menor número de contratempos", disse em conversa com a BBC Mundo quando ainda faltavam seis dias para as eleições.
Antes do dia da eleição, os votos antecipados no Texas já tinham ultrapassado a participação total de 2016.
Na opinião dele, cantar vitória com uma "miragem vermelha" ou "azul" é como se, em uma partida de tênis, um jogador se declara vencedor após o primeiro set.
"Está baseado na ideia de que de alguma forma alguém poderia dizer que está na frente com uma pequena porcentagem dos votos apurados, o que é ridículo."
No entanto, os alertas que se ouvem nestes dias no país podem ser explicados em parte pelo delicado momento político e social pelo qual passam os EUA e pela ameaça de fraude eleitoral, agitada pela campanha republicana.
Trump, que aparece atrás nas pesquisas, disse em várias ocasiões que o voto pelo correio incentiva a fraude, embora não haja evidências disso, e insiste há meses para que os resultados sejam conhecidos na noite das eleições.
Must know Election results on the night of the Election, not days, months, or even years later!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 30, 2020
"Precisamos saber os resultados da eleição na noite da eleição, não dias, meses ou mesmo anos depois!", escreveu no Twitter em julho.
Na avaliação de Becker, esse tipo de mensagem é prejudicial.
"Não há nada que nossos adversários queiram mais do que ver a nós, americanos, perdendo a confiança em nossas eleições e na democracia. (...) Sabemos por décadas de experiência que votar pelo correio é seguro, que a fraude eleitoral é extremamente rara nos Estados Unidos. E será assim em 2020", diz o especialista em eleições.
"E se o eleitor ouvir alguém de uma das campanhas dizer que não confia no sistema, por exemplo, é provavelmente porque essa campanha pensa que está perdendo", conclui.