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Ucrânia: guerra provoca maior êxodo na Europa em 22 anos

Repórter acompanha viagem de trem de centenas de ucranianos em fuga para a Polônia; em três dias, mais de 150 mil já deixaram o país

27 fev 2022 - 09h24
(atualizado às 09h25)
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Pessoas fogem da Ucrânia para a Hungria - 27 de fevereiro de 2022
Pessoas fogem da Ucrânia para a Hungria - 27 de fevereiro de 2022
Foto: REUTERS/Bernadett Szabo

A professora Mariia Fediaieva, de 34 anos, deixou pai e mãe na bombardeada cidade ucraniana de Kherson. Foi um pedido desesperado dos pais. "Precisei fugir sozinha. Meu pai tem problemas nos joelhos e não consegue andar. Minha mãe ficou para cuidar dele. Só posso rezar para que sobrevivam", disse ao Estadão, em uma viagem de 24 horas de trem de Kiev a Varsóvia. "O centro da cidade em que eu cresci está destruído. Um pouco de mim já morreu nesta guerra", acrescentou, com a voz chorosa.

Mariia é uma entre milhares de refugiados que tornam a guerra da Rússia com a Ucrânia o estopim do maior êxodo de refugiados desde os conflitos nos Bálcãs, no fim dos anos 1990. A última vez que um enfrentamento interno na Europa provocou tamanha onda de refugiados foi em 1999, no Kosovo, com a fuga de 1,5 milhão de pessoas. Um relatório do Pentágono indica que a invasão russa na Ucrânia poderia levar quase 5 milhões de pessoas a deixar o país: a maior crise humanitária no continente desde a 2.ª Guerra.

Segundo a ONU, em apenas três dias de conflito, mais de 150 mil pessoas já deixaram a Ucrânia.

A nova legião de ucranianos em rota de fuga busca abrigo nos países vizinhos. Um dos principais destinos é a Polônia, para onde partem trens abarrotados de Kiev em direção a Varsóvia, capital polonesa. O Estadão acompanhou a viagem no comboio que partiu da capital ucraniana na noite de sexta-feira. Mulheres sem maridos, filhos sem pais e o medo dos próximos dias tomaram conta do trem rumo a Varsóvia. O cerco dos russos a Kiev ampliou a fuga em massa de cidadãos em busca de segurança. Houve quem deixasse a capital apenas com a roupa do corpo.

Partida

Ainda nas plataformas da estação de Kiev, uma multidão corria em direção aos trens, deixando suas casas às pressas. Quem não conseguiu entrar nos vagões, gritou e implorou. Com o espaço aéreo fechado e as rotas de trens cada vez mais escassas, havia o receio de que as opções de fuga escasseariam.

O maquinista precisou gritar para controlar a quem tentava entrar pelas janelas. O desespero generalizado e o empurra-empurra assustavam as crianças de colo, que começaram a chorar.

Famílias separadas pela falta de vagas dividiram os alimentos: um tanto para quem vai, outro tanto para quem fica. A baixa oferta de comida em Kiev já é uma realidade. Os centros de compras e os hotéis foram abandonados pelos funcionários. Quem fica se prepara para falta de energia e água.

Na viagem de sexta-feira, dezenas se aglomeraram para embarcar às 19h na Ucrânia (14h em Brasília). O embarque ocorreu na plataforma da estação de Kiev, mas o trem só partiu às 22h, atraso provocado pela checagem de documentos nos vagões pelas autoridades ucranianas, para conferir se homens com idade para o combate não estavam fugindo.

Passageiros se amontoavam nos corredores. Os vagões seguiram com as cortinas fechadas e as luzes apagadas durante todo o trajeto à noite. O motivo: evitar ser alvo de mísseis russos. Quem utilizou o celular foi criticado. "Desliguem essa luz, pelo amor de Deus. O mais importante agora é salvar vidas", ouviu-se, em inglês.

Emoção

Após mais de 12 horas de fome em uma viagem em que muitos tiveram de viajar em pé ou de cócoras, a chegada na fronteira polonesa foi motivo de um choro coletivo. Em Lublin, na primeira estação na Polônia a população local entregou, pela janela do trem, alimentos e produtos de higiene pessoal para os passageiros.

O pai de Mariia, a ucraniana que fugiu sozinha a pedido da família, é russo e ela conta que tem grandes amigos no país. "Uma coisa é o governo, outra é o povo. Nem todo russo é a favor da guerra".

A dor da professora era compartilhada pelos outros passageiros. Havia quem não soubesse onde passaria os próximos dias ou semanas. Havia dezenas de famílias sem pais. Homens de 18 a 60 anos estão proibidos de sair da Ucrânia pela lei marcial adotada após a invasão. O objetivo é reunir contingente para a resistência armada à invasão da Rússia, nem que isso lhes custe a vida.

Mariia quer voltar para Kherson assim que a situação se normalizar: "Eu peço ao mundo: por favor, ajudem meu país. A Rússia vai aumentar os ataques, algo precisa ser feito".

Ao lado de Mariia, a psicóloga Liz Marhaiveva limitou-se a dizer: "Eu só quero voltar para casa". Ela estava com os dois filhos em um treliche do trem.

A ucraniana Olga Lugovzka estava havia apenas três dias de volta a Kiev após passar um mês no Brasil quando ocorreu a invasão da Rússia à Ucrânia. Decidiu fugir da guerra para a Polônia, mas teve que deixar a família para trás.

"Até o último dia eu quis ficar em casa porque tenho a minha família, mas a situação só piorava e decidi sair", disse a ucraniana ao Estadão. "Deixei a minha mãe e a minha avó na Ucrânia, porque a minha avó já tem 82 anos, então não pode se movimentar facilmente. A minha mãe vai cuidar da minha avó. Mas espero que isso termine logo e eu possa regressar ao meu país para ajudar as duas".

Estadão
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