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Ucrânia: 'Há risco claro de acidente nuclear', diz chefe da ONU para energia atômica

Diante da tensão do momento, o argentino Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), se ofereceu para ser mediador de um encontro entre Rússia e Ucrânia no âmbito nuclear.

9 mar 2022 - 06h49
(atualizado às 07h19)
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A usina nuclear de Zaporizhzhia foi atingida nas primeiras horas da sexta-feira (4/3)
A usina nuclear de Zaporizhzhia foi atingida nas primeiras horas da sexta-feira (4/3)
Foto: BBC News Brasil

Na última sexta-feira (4/3), o Conselho de Segurança das Nações Unidas convocou uma reunião de emergência após o incêndio na usina nuclear de Zaporizhzhia, na Ucrânia. O incêndio, que foi controlado, despertou forte preocupação na comunidade internacional em meio à invasão da Rússia no território ucraniano.

Um dos principais objetivos do encontro era ouvir as percepções do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), o embaixador argentino Rafael Mariano Grossi, que, a partir de um voo de Viena (Áustria) a Teerã (Irã), com interrupções na internet, explicou a situação na central nuclear naquele momento.

O silêncio e a espera dos diplomatas para que a conexão de Grossi fosse retomada mostraram a importância de suas avaliações e de seu papel neste momento - que envolve a Rússia, uma das maiores potências nucleares do planeta, que conta com armas do tipo, e a Ucrânia, que possui 15 reatores nucleares, decisivos para o uso de sua energia.

Grossi, de 61 anos, especialista em energia nuclear, é formado em ciências políticas e em questões nucleares. Ele presidiu em 2020 a Conferência do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e é diretor-geral da agência da ONU desde 2019, onde chegou com apoio de vários países da América Latina.

Nesta entrevista exclusiva à BBC News Brasil, falando de Viena, em português, o diplomata e especialista em questões nucleares afirmou que "existe risco claro de acidente nuclear" na Ucrânia.

Diante da gravidade e da tensão da situação - com risco de acidente nuclear, como afirmou -, ele se ofereceu para ser mediador de um encontro entre Rússia e Ucrânia no âmbito nuclear.

Leia os principais trechos a seguir:

BBC News Brasil - O senhor se ofereceu para ser negociador em um encontro entre Ucrânia e Rússia na usina desativada de Chernobyl (que explodiu em 1986). Existe essa possibilidade?

Rafael Mariano Grossi - A Ucrânia é um país com uma rede nuclear muito importante. Tem 15 reatores nucleares, tem instalações como Chernobyl, que é simbólica e icônica, e tem muitas instalações de segurança, de lixo radioativo. Então, existe um risco claro de acidente nuclear. Portanto, no cumprimento da minha missão, que é uma missão técnica, eu, pessoalmente, ofereci visitar a Ucrânia para tentar negociar e chegar a um acordo com as duas partes. Chegar a um acordo com pontos-chave de segurança nuclear para que sejam evitados, exatamente, ataques às centrais, às instalações nucleares. Para garantir o fornecimento de eletricidade nestas instalações nucleares e garantir a refrigeração. Não é uma mediação política. Essa não é missão da agência, que tem um mandato muito claro e restrito às questões nucleares.

O argentino Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da agência da ONU para energia atômica
O argentino Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da agência da ONU para energia atômica
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

BBC News Brasil - O senhor percebe se existe vontade dos dois lados para esta negociação técnica para garantir essa segurança nuclear?

Grossi - Minha tarefa é garantir que essa vontade possa ser manifestada. A gente sabe da importância de se ter um acordo sobre as instalações nucleares. Mas esse é um ponto de partida. A partir daí, a gente tem que negociar bem porque essa situação toda não é idêntica para os ucranianos e para os russos. Os ucranianos têm uma presença militar estrangeira em seu território. Temos que ser muito cuidadosos quando se está preparando um acordo diplomático e técnico desta natureza. A vontade de avançar existe, mas os problemas sempre podem aparecer nos detalhes. Por isso, essa é uma negociação muito delicada, muito difícil.

BBC News Brasil - Existe alguma data? Alguma perspectiva para o início desta negociação?

Grossi - Estamos trabalhando. A data é ontem. É uma situação muito frágil. Temos que evitar um acidente nuclear. Um acidente nuclear pode ocorrer em qualquer momento. Por isso meus esforços estão orientados, neste momento, a chegar a um acordo o mais rapidamente possível.

BBC News Brasil - O senhor falou em acidente nuclear. O chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, disse que "uma Terceira Guerra Mundial só poderia ser nuclear, mas que isso só está na mente dos políticos ocidentais e não dos russos".

Grossi - O presidente (da Rússia, Vladimir) Putin anunciou, na semana passada, que seu arsenal militar estava num nível de alerta. Isso não significa o uso de arma nuclear de forma imediata. Na doutrina militar, existe uma graduação e este poderia ser definido como um nível mais baixo (do perigo). Agora, sobre a possibilidade de um conflito nuclear, eu não poderia fazer especulações. Mas eu não acredito que isso possa ser uma possibilidade concreta. Não acredito numa guerra nuclear. Não acho que existam condições para isso. Primeiro porque a Ucrânia não é uma potência nuclear no sentido militar do termo. Então, não se poderia ocorrer um intercâmbio de armas nucleares.

BBC News Brasil - A segurança nuclear aumentou desde Chernobyl e Fukushima?

Grossi - A segurança nuclear aumentou muito. Graças a estas situações, a gente tem um contato permanente, com sistemas de comunicação permanentes, de segurança reforçada. Tudo isso como resultado do fortalecimento das normas e dos mecanismos de segurança nuclear, após Fukushima e Chernobyl também.

BBC News Brasil - Há algum perigo relacionado a Chernobyl, mesmo desativada?

Grossi - Hoje, Chernobyl tem vários reatores e esses reatores não têm combustível, não têm atividade. Existe o famoso reator número 4, que é o reator do acidente, e isso é bem conhecido, tem o lixo daquela terrível explosão. Houve um trabalho muito delicado de extração e de tratamento desses restos, desses lixos altamente radioativos.

BBC News Brasil - Na semana passada ocorreu o incêndio na usina de Zaporizhzhia e ela é definida como a maior deste tipo da Europa. Entendo que o senhor tenha dito que os técnicos ucranianos têm o controle da usina, mas que ela está rodeada por militares russos. Seria assim?

Grossi - Exato. É uma situação um pouco anormal. A questão positiva é que o controle operacional da instalação ficou nas mãos dos técnicos locais, que têm conhecimento dessa operação técnica. Agora, também é certo que uma força militar tomou o controle do perímetro da instalação e também ocupa o interior da usina. É uma situação perigosa porque, normalmente, o funcionamento da usina tem que ser sempre garantido de uma maneira normal pelo pessoal local e sem pressão nenhuma. Esta situação não poderia ser caracterizada como uma situação normal para o trabalho.

BBC News Brasil - É uma situação tensa?

Grossi - Sim, é uma situação tensa. Essa é uma definição. É uma tensão tangível.

BBC News Brasil - É uma situação tensa nesta usina ou em todo o sistema nuclear ucraniano hoje?

Grossi - Em todo o país.

BBC News Brasil - Na reunião de emergência da ONU após o incêndio na central de Zaporizhzhia, o senhor teve muito cuidado na sua fala para mostrar que seu papel é principalmente técnico.

Grossi - Para eu garantir a minha eficiência, devo demonstrar sempre a minha imparcialidade. Eu sou o diretor-geral de uma agência internacional e os dois países em confronto são membros plenos desta agência. Tenho que ser cuidadoso para também ter sucesso no meu trabalho.

BBC News Brasil - Qual seria o impacto de um ataque direto a uma central nuclear?

Grossi - É difícil imaginar um ataque assim, mas os reatores possuem uma proteção muito sólida. Um reator pode aguentar até a queda de um avião. E o lado russo conhece bem todos esses reatores, porque são reatores russos, com tecnologia russa. Eu não acredito que mesmo numa situação de guerra pudesse existir um ataque direto. O problema é um acidente, o problema é um ataque a uma instalação de apoio, a uma instalação de segurança ligada ao reator. Que de uma maneira indireta tenha ameaçado o funcionamento normal da instalação. As condições do acidente poderiam surgir a partir desses eventos.

BBC News Brasil - Qual o desfecho que o senhor espera para esta situação?

Grossi - Naturalmente, a gente quer a paz. Mas eu vou falar somente nos aspectos ligados à segurança da energia nuclear. A minha expectativa é que dois grandes países nucleares, que têm uma estrutura, uma tradição, uma cultura de usos pacíficos de energia nuclear, vão avançar com o sentido de responsabilidade, de grande responsabilidade. A agência é o instrumento adequado para facilitar esse ponto de encontro entre dois países em guerra.

BBC News Brasil - Como é o contato com russos sobre a questão nuclear?

Grossi - Temos alguns acordos mais limitados com a Rússia porque simplesmente a Rússia é um país com armas nucleares. Mas, sim, realizamos inspeções, muitas atividades de controle também com o regulador russo, em tempos normais. Agora, em tempos de guerra, estes contatos continuam e eles são muito importantes. Estamos em uma época de fake news. As pessoas podem publicar informações falsas ou não confirmadas nas redes sociais para semear o pânico na população.

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