Vacina contra covid-19: jornalista da BBC explica efeitos colaterais após tomar imunizante
'Prefiro ter efeitos colaterais do que a covid-19, uma doença que já matou 2,7 milhões de pessoas no mundo, ou mais um ano de restrições de circulação, ou passar o vírus acidentalmente para um ente querido, já que há possibilidade de a vacina evitar a transmissão do vírus', diz James Gallagher, apresentador do programa Inside Health, da BBC Radio 4, e repórter de ciência e saúde da BBC.
Eu estava nas nuvens às vésperas de ser vacinado. Participo da cobertura jornalística da pandemia de coronavírus, incluindo a corrida para desenvolver uma vacina, desde que havia no fim de 2019 apenas um punhado de pessoas infectadas na cidade chinesa de Wuhan, considerada o epicentro da doença.
Então, quando chegou a minha vez de arregaçar as mangas para tomar a vacina, realmente parecia um grande momento.
Mas vou ser sincero: a vacina me derrubou.
Vamos ser claros: se pudesse voltar atrás, faria tudo de novo. Prefiro ter efeitos colaterais do que a covid-19, uma doença que já matou 2,7 milhões de pessoas no mundo, ou mais um ano de restrições de circulação, ou passar o vírus acidentalmente para alguém querido, já que há possibilidade de a vacina evitar a transmissão do vírus. Vale lembrar que ninguém morreu ou ficou em estado grave por causa de vacinas contra a covid-19.
De todo modo, tomei minha primeira dose da vacina Oxford-AstraZeneca às 9h30. À noite, naquele mesmo dia, rapidamente fui me sentindo pior e mal consegui me arrastar para fora da cama nos três dias seguintes.
O pior foi a enxaqueca e os vômitos, mas também tive dores, calafrios e cansaço.
Enquanto me recuperava, me perguntava: por que alguns de nós têm efeitos colaterais piores do que outros? E isso significa que desenvolvi uma reação imunológica mais forte do que o normal?
Vamos às explicações.
De onde vem os efeitos colaterais?
As vacinas contra o coronavírus "enganam" o corpo fazendo-o pensar que está lutando contra o coronavírus e exploram nossa resposta imunológica natural diante de uma infecção.
Primeiro, há uma reação no braço onde você foi injetado (em geral, inchaço e dor) conforme o sistema imunológico entra em ação.
Isso pode progredir para o resto do corpo e causar sintomas semelhantes aos da gripe, incluindo febre, calafrios e náuseas.
"Isso é causado pela reação inflamatória", me explicou Eleanor Riley, professora de imunologia e doenças infecciosas da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
Funciona como um alarme químico de incêndio. É uma enxurrada de substâncias químicas liberadas no corpo avisando que algo está errado.
"Ele mobiliza a resposta imunológica e envia células imunológicas para o tecido ao redor do braço para descobrir o que está acontecendo", explica Riley.
No entanto, são esses mesmos compostos químicos que podem nos fazer sentir temporariamente mal.
"No campo da imunização, efeitos colaterais costumam ocorrer nos primeiros minutos da aplicação da dose até, no máximo, seis semanas", disse o médico americano Gregory Poland, professor da Clínica Mayo e referência mundial no estudo das vacinas, em entrevista à BBC News Brasil.
Por que algumas pessoas têm mais efeitos colaterais?
Os efeitos colaterais decorrentes de uma vacina podem variar muito de uma pessoa para outra. Alguns não vão notar nada, outros vão se sentir grogues, mas ainda capazes de trabalhar, e há ainda quem mal consiga se levantar da cama depois de imunizado.
"Um elemento muito importante, isso deve ter sido relevante para você, James (com menos de 40 anos), é a idade", me disse Andrew Pollard, professor e pesquisador que coordenou os testes da vacina Oxford-AstraZeneca. "Quanto mais velho, menos efeitos colaterais. Pessoas com mais de 70 anos quase não têm efeitos colaterais."
Mas mesmo duas pessoas da mesma idade podem ter reações muito diferentes à vacina.
"Há uma diversidade genética enorme em nossos sistemas imunológicos, e é aí que mora diferença", disse Riley, da Universidade de Edimburgo.
Essa diversidade significa que o sistema de defesa do corpo de algumas pessoas funciona de modo mais acelerado e predisposto a reagir agressivamente a algo como isso.
"As pessoas que, como você, apresentam sintomas semelhantes aos da gripe, reagiram de forma exagerada a tudo isso. E pode ser que você seja uma daquelas pessoas que sempre se sentem muito mal quando estão gripadas ou resfriadas. Não quero que você está gripado agora, mas você pode ser uma dessas pessoas."
Outro fator que aumenta ligeiramente a chance de efeitos colaterais é ter tido uma infecção anterior por coronavírus, que pode levar a uma resposta imunológica incrivelmente forte após a vacinação. Mas, é bom repetir, nada próximo da gravidade da própria doença.
Efeitos colaterais significam que tenho mais proteção?
Egoisticamente, acreditava que sofrer efeitos colaterais significasse que a minha reação imunológica fosse incrivelmente forte, e há algumas evidências de vacinas anteriores nesse sentido.
"Há exemplos, como a pandemia de gripe H1N1 em 2009, em que efeitos colaterais mais fortes significam uma forte resposta imunológica", disse Pollard, da Universidade de Oxford. Mas esse não é o caso da vacina contra covid-19, e todos estão recebendo aproximadamente a mesma proteção.
"Isso é fascinante porque idosos, embora tenham poucos efeitos colaterais, tiveram exatamente a mesma reação imunológica."
A explicação vem de como as duas metades do sistema imunológico trabalham juntas.
A primeira é chamada de reação inata e inclui o alarme químico de incêndio. A outra metade é a resposta adaptativa que aprende e então se lembra como lutar contra uma infecção, lançando células B que produzem anticorpos para procurar e destruir o vírus, bem como as células T, que podem atacar qualquer uma das células do corpo que tenham sido infectadas.
"É esta fase inata inicial da resposta imunológica que varia com a idade e varia entre as pessoas, e é isso que determina a dimensão de seus efeitos colaterais", explicou Riley, da Universidade de Edimburgo. "Você só precisa de um pouco da reação inata para iniciar a resposta adaptativa e convocar todo exército de células B e T que irão protegê-lo."
A segunda dose da vacina trará os mesmos efeitos colaterais?
Uma preocupação natural sobre efeitos colaterais é a possibilidade de passar por isso novamente. Mas eu tenho alguma garantia agora.
"Sua segunda dose vai ser inócua. O impacto da segunda dose da vacina Oxford-AstraZeneca é bem brando em comparação ao da primeira", disse Pollard, que coordenou testes com esse imunizante.
Ele afirmou, no entanto, que alguns dados apontam que a segunda dose de outras vacinas, como a da Pfizer/BioNTech, pode provocar efeitos colaterais mais fortes do que os da primeira dose, sem gravidade.
Segundo dados da FDA (a Anvisa americana), estudos com a vacina da Pfizer/BioNTech apontaram que no grupo de pessoas que sofreram algum efeito colateral foram registrados dor no braço (84%), cansaço (63%), dor de cabeça (55%), dor muscular (38%), calafrios (32%) e febre (14%).
Para que falardos efeitos colaterais?
As preocupações com os efeitos colaterais da vacina dominaram o noticiário depois que um número muito pequeno de vacinados teve coágulos sanguíneos.
Na medicina, há uma importante diferença entre "seguro" e "inofensivo" e também entre "risco" e "arriscado". E vacinas sempre apresentam algum tipo de risco.
"Se a expectativa for absolutamente nenhum efeito adverso, não há qualquer vacina ou remédio 'seguros' nesse sentido. Todo medicamento eficaz tem efeitos indesejados. Então, quando falamos que é 'seguro', falamos do peso dos efeitos indesejados em comparação com o benefício. Essa relação tem que pender claramente a favor do benefício", explica Stephen Evans, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
A BBC produziu uma série de reportagens sobre os perigos de se associar erradamente problemas de saúde que acontecem por coincidência aos que, de fato, foram causados pela vacina. A Agência Europeia de Medicamentos disse que "não há indicação de que a vacinação tenha causado coágulos sanguíneos".
Mas também existem efeitos colaterais genuínos, e Pollard, da Universidade de Oxford, diz que é importante ser franco sobre eles. "Nos testes, temos a oportunidade de avisar a quem será vacinado que é possível que se sinta mal por alguns dias. Ou seja, a pessoa sabe o que esperar e que terá algum inconveniente. Basta tomar um pouco de paracetamol e passa."
E concluiu: "Mas se a pessoa passa por isso sem esperar, pode ficar muito preocupada."