'Vim para a Ucrânia por amor e ficarei até o fim desta guerra'
O sérvio Sladjan se casou com Anna na Ucrânia seis meses antes da invasão da Rússia. Agora, mesmo com a guerra, eles decidiram não deixar o país.
De votos de amor e casamento a ruas vazias, armas e bombas. A mudança no feed do Instagram de Sladjan Gajic ilustra como a vida dele e de sua família recém-formada mudou após a invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro.
"Esta é uma cidade pequena, mas animada e movimentada", diz Sladjan, nascido na Sérvia. Ele se mudou há seis meses para Stryi, 65 quilômetros ao sul de Lviv, para começar uma nova vida com sua esposa ucraniana, Anna.
"Agora o medo está em toda parte. Você nunca sabe se a cidade será bombardeada nesta noite ou na manhã seguinte. Cada dia que você sobrevive é uma bênção", diz o fabricante de móveis, de 30 anos.
À medida que o risco de bombardeio russo aumenta, o casal tem que lidar com a nova realidade, repleta de sirenes de alerta e longas horas com estranhos no porão de prédios de apartamentos.
É um cenário bem diferente do que eles imaginavam após a festa de casamento em uma tarde ensolarada, cercada de familiares e amigos, em agosto do ano passado.
"O amor é aquela condição em que a felicidade de outra pessoa é essencial para a sua", diz a legenda de uma foto no Instagram que mostra Sladjan e Anna em frente à igreja, momentos depois de dizer "sim" ao casamento.
Essa legenda parece mais atual do que nunca, pois Anna decidiu ficar na Ucrânia para proteger seus pais.
"Não posso deixar a Ucrânia e vou ficar aqui até o fim. Minha família está aqui, me casei aqui e nunca deixarei minha esposa e sua família", diz Sladjan.
Amor em tempos de guerra
Sladjan e Anna se conheceram por meio de um aplicativo de namoro no ano passado, quando ele morava em seu país de origem.
"A primeira vez que nos encontramos pessoalmente foi na rodoviária de Lviv. Quando nos vimos, nos abraçamos fortemente. Foi incrível", disse Sladjan à BBC.
À medida que a relação evoluiu, Sladjan decidiu abandonar a escola de xadrez onde lecionava, em Vrnjacka Banja, na Sérvia, e migrar para o oeste da Ucrânia, onde Anna trabalha como professora de inglês em uma escola.
"O amor dela é tudo para mim", diz Sladjan.
Não demorou muito para Sladjan encontrar trabalho em uma fábrica de móveis nos subúrbios de Stryi. Ele estava trabalhando no turno da manhã quando percebeu que sua vida estava prestes a mudar drasticamente.
"Na quinta-feira, 24 de fevereiro, nosso trabalho foi subitamente interrompido e nos disseram para correr para o ônibus e voltar para a cidade. Ouvimos que algo estava acontecendo, mas ninguém sabia exatamente o quê", diz ele.
Em poucos minutos, toda a fábrica foi evacuada.
"No caminho de volta para casa, começamos a ver bloqueios na estrada, e depois a entrada da delegacia completamente coberta por sacos de areia pesados", diz Sladjan.
A pacífica e tranquila cidade de repente tinha soldados e policiais fortemente armados em cada esquina.
Em vez de sofás, cadeiras e camas, a fábrica onde Sladjan trabalha agora produz cobertores para soldados e voluntários, que enfrentam temperaturas de -10°C na linha de frente de batalha.
Lei marcial
Enquanto a maioria das mulheres da cidade está costurando e cozinhando para o exército, ou se abrigando com crianças e parentes idosos, quase todos os homens carregam armas, diz Sladjan.
Todos os homens ucranianos com idades entre 18 e 60 anos devem permanecer no país depois da declaração da lei marcial - para garantir a defesa da Ucrânia "e a organização de uma mobilização oportuna", como diz o governo.
O pai de Anna é engenheiro e trabalha como gerente em uma empresa de gás em Lviv. Como ele tem 54 anos, não pode deixar a Ucrânia.
"É por isso que decidimos ficar aqui", explica Sladjan - que ainda não foi recrutado para lutar por ser estrangeiro.
"Não sou um cidadão da Ucrânia, então esta não é minha guerra, mas estou fazendo tudo ao meu alcance para sobreviver com minha família e protegê-la", diz Sladjan.
"Nossas vidas dependem dos próximos passos de Putin. Ninguém sabe o que ele fará. Um homem tem o destino de milhões em suas mãos."
Mísseis russos se aproximam
Stryi não foi bombardeada pela Rússia, ao contrário da vizinha Lviv. Mas os mísseis estão se aproximando da região, que se tornou um refúgio seguro para centenas de milhares de pessoas fugindo de outras partes da Ucrânia.
Na sexta-feira (18/3), mísseis de cruzeiro russos atingiram uma fábrica de reparos de aeronaves a apenas 6 quilômetros do centro de Lviv.
"A situação é muito difícil não muito longe de onde estamos", disse Sladjan, que falou à BBC por mensagem de texto de um abrigo em Stryi. "Desde o ataque do avião, agora estamos no subsolo no centro da cidade."
A Força Aérea da Ucrânia disse que seis mísseis de cruzeiro foram disparados do Mar Negro. Dois deles foram destruídos por mísseis antiaéreos.
"Você nunca sabe quando precisará correr para um abrigo", diz Sladjan.
Sirenes de alerta de ataque aéreo são ouvidas dia e noite, acrescenta. "Você está sempre pensando se vai estar vivo no dia seguinte".
Memórias de guerra
Os sons da guerra não são novos para Sladjan, que se lembra do bombardeio da Iugoslávia quando era criança.
Em março de 1999, a Otan iniciou uma série de ataques aéreos contra o território da então República Federativa da Iugoslávia em um esforço para forçar o regime de Slobodan Milosevic a retirar as forças armadas de Kosovo.
O bombardeio durou 78 dias, deixando prédios do governo destruídos e um ressentimento duradouro em Belgrado.
Sladjan se lembra de "projéteis e bombas explodindo literalmente em todos os lugares".
A diferença de hoje, diz ele, é que os alvos militares da Otan estavam claros durante os ataques de 1999.
"Aqui na Ucrânia, os russos estão atacando de todos os lados do país e não há lugar seguro", diz ele.
"Estamos no século 21 agora. Novas tecnologias e novas armas estão sendo usadas."
'Se eu sobreviver'
A última foto publicada por Sladjan no Instagram antes do início da guerra mostra o rapaz sorrindo em frente a um enorme tanque de peixes no Aquário de Lviv, em 21 de fevereiro.
"Gostaria de poder congelar este momento, aqui e agora, e viver nele para sempre", diz a legenda da fotografia tirada por sua esposa Anna.
Agora, seu feed no Instagram é dominado por atualizações sobre a guerra e apelos pela paz. Anna começou a ensinar inglês pela internet e costurar redes para tanques e uniformes de camuflagem.
A única foto deles juntos foi postada em 8 de março. Era uma manhã ensolarada em Stryi - eles estão se abraçando enquanto ela segura um buquê de tulipas amarelas.
"Feliz Dia Internacional da Mulher", diz a legenda.
O casal ainda espera um futuro feliz, embora essa perspectiva agora seja menos certa do que era antes do início da guerra.
"Vim para a Ucrânia por amor, e por amor ficarei aqui até que esta guerra termine", diz Sladjan.
"Se eu sobreviver, vamos começar uma nova vida aqui."
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