Nova Lei Geral do Turismo é um avanço, mas ainda falta muito para o setor decolar de vez no Brasil
A atualização da lei facilita a entrada de investimentos estrangeiros, o uso do Fundo Nacional de Aviação Civil para companhias aéreas renovarem frotas e financia projetos de combustíveis renováveis, entre outros. Mas perdeu-se a oportunidade de se fazer muito mais
O Brasil tem uma nova oportunidade para pivotar sua história no desenvolvimento turístico. A Lei Geral do Turismo, promulgada em 2008, foi atualizada em setembro de 2024. Frente aos avanços e recuos da política brasileira de turismo neste início de século, a lei oferece aprimoramentos. Contudo, é necessário acelerar inovações, facilidades para se fazer negócios e novas formas de gestão para garantir que o novo marco legal resulte em desenvolvimento sustentável e resiliência, frente ao grande desafio desta década: as mudanças climáticas.
No contexto da acirrada concorrência pelos crescentes fluxos globais de turistas, algumas novas e ambiciosas propostas por competitividade sobressaem-se. Entre elas, os volumosos investimentos da Turquia em conectividade aérea, a Arábia Saudita, que priorizou o turismo como sua "nova" fonte econômica, e a aposta da Colômbia pela sustentabilidade e biodiversidade. Estudiosos indicam que o crescimento do turismo será contínuo e, em 2050, serão mais de 4 bilhões de viajantes internacionais, mais de três vezes o atual volume. O Brasil não pode esperar mais vinte e cinco anos para se beneficiar desse movimento.
A atualização da lei aprimorou mecanismos que conectam o Brasil a oportunidades presentes. Entre eles, a facilitação para investimentos estrangeiros, o uso do Fundo Nacional de Aviação Civil para companhias aéreas renovarem frotas, abastecerem nos aeroportos da Amazônia Legal e financiarem projetos de combustíveis renováveis, além da formalização de agricultores na cadeia de prestadores de serviços turísticos. A prescrição da centralidade da sustentabilidade é também novidade.
O que faltou ser feito
Entretanto, o novo marco legal perdeu uma chance de ouro ao não priorizar temas transformadores, nem consolidar uma clara visão de futuro para o turismo no Brasil. Caberá às futuras políticas nacional, estaduais e municipais de turismo a priorização de investimentos e de programas que levem à transformação digital, ao desenvolvimento de novas habilidades em profissionais do turismo, e, principalmente, a parcerias para fomento à inovação e à melhoria do ambiente de negócios, sempre assentados em sustentabilidade e ação climática.
A Lei não tratou da desburocratização do turismo, no contexto da dificuldade de se fazer negócios no Brasil, nem atualizou indicadores que mensuram impactos e benefícios da atividade no país. Países como Austrália, Canadá e Suécia já fazem uso de novos indicadores, como prosperidade, bem-estar e resiliência de destinos turísticos. No Brasil, seguiram prevalecendo o número de turistas e de entrada de divisas, como no século passado.
Legislação em outros países é exemplo a ser seguido
Três exemplos de marcos legais que poderiam inspirar transformações para o turismo brasileiro:
Em Portugal, legislação de 2020 regulamentou a transformação digital da economia. As zonas livres tecnológicas(ZLT) tornaram-se o projeto piloto para a declarada intenção portuguesa de liderança em pesquisa e aplicação de tecnologias emergentes, sobretudo com veículos autônomos e inteligência artificial (IA). As ZLT são espaços geograficamente definidos em que há fomento e concessões especiais para testes e experimentações, em ambiente real, de tecnologias inovadoras com uso de IA, blockchain, 5G ou nanotecnologias. A ZLT Matosinhos está orientada para testes de soluções de mobilidade com neutralidade de carbono, por exemplo.
A lei brasileira poderia ter introduzido marcos para fomento a testes de soluções inovadoras para operações com maiores índices de poluição de águas e de emissão de carbono em destinos turísticos. Economia circular, eliminação de plástico de uso único e transição energética, com mobilidade de baixa ou neutralizada emissão de carbono, por exemplo, merecem destaque.
No Canadá, o Fundo de Experiências disponibiliza mais de 58 milhões de dólares canadenses em microcrédito para desenvolver ou aprimorar turismo fora dos tradicionais centros. Os investimentos são direcionados para experiências que: a) operem no inverno ou na baixa estação; b) sejam lideradas por comunidades indígenas, como o ShearWater Wilderness Resort, de propriedade do Conselho da Nação Indígena Heiltsuknation; c) sejam inclusivas, especialmente para a comunidade LGBTQIAPN+; d) aconteçam em comunidades rurais e em áreas remotas; e e) promovam a gastronomia "da fazenda à mesa", valorizando agricultores e chefs locais.
Uma proposta para regulamentar microcrédito para turismo no Brasil poderia, por exemplo, priorizar experiências que financiam conservação ou regeneração de biomas. Grandes incêndios, enchentes ou branqueamento de corais em regiões turísticas, apenas citando fenômenos devastadores que aconteceram no segundo semestre de 2024, precisam de mais atenção.
Na África do Sul, a regulamentação de parcerias público-privadas para ampliar unidades de conservação garantiu safaris com diversidade de fauna e flora o ano todo. Os safaris africanos têm valor direto estimado em mais de US$ 14 bilhões, podendo ultrapassar US$ 30 bilhões com os serviços indiretos. A região do Parque Kruger, entre África do Sul e Moçambique, foi o piloto da transferência de cercas das terras públicas para incorporar as privadas ao espaço territorial da conservação. Mais savana e mais água garantidas aos animais facilitam sua proliferação e o equilíbrio das cadeias alimentares. Iniciada em 1994, essa prática já adicionou milhares de hectares ao Kruger. Recentemente, mais de 35 mil hectares foram incorporados ao que se convencionou chamar de "Greater Kruger National Park (GKNP)". Pesquisa da agência Parques Nacionais da África do Sul e da Universidade da Flórida avaliou que as reservas privadas, ainda que detenham apenas 12% do território GKNP, são atualmente responsáveis por 60% da geração de valor econômico, emprego e renda na região.
A legislação brasileira poderia fomentar novos empreendimentos de turismo em áreas privadas no entorno de unidades de conservação. Além de consistir em mecanismo para possivelmente limitar a expansão irregular do desmatamento, ampliar áreas de biodiversidade e fortalecer empreendimentos comunitários, o fomento ao turismo de natureza poderia contribuir para as metas brasileiras de redução nas emissões de gases de efeito estufa. O entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) ou do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT), onde há pressão do agronegócio pelo uso da terra, poderiam ser pilotos.
Seria a legislação ambiental brasileira uma inspiração para o turismo?
A vanguardista política ambiental brasileira, legislada desde a década de 1930, não se deu em função de pressão ou concorrência internacional. Ao contrário, o Brasil inaugurou escolas, por agências governamentais ou movimentos da sociedade civil. Sua liderança internacional, consagrada na Rio-92, quando foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Mudanças do Clima, será testada na COP-30, no ano que vem. Preparando-se para novos pioneirismos, a recente legislação que estabelece as bases para produção em larga escala de combustível sustentável de aviação (SAF) é um marco.
Em turismo, os grandiosos apelos culturais e naturais do país parecem convergir em tempo e tema: este é o momento de o Brasil aprimorar suas políticas de turismo para, enfim, ocupar o lugar que lhe cabe. Apesar de aprimoramentos em rankings internacionais de competitividade do turismo,inclusive em ecoturismo, o Brasil tem tamanho (primeiro em megabiodiversidade, quinto em território, sétimo em população e nono em economia para ser potência turística focada em pessoas e na natureza. Para isso, não é possível seguir sem se reinventar. É preciso definir um foco, o que vai além da centralidade em sustentabilidade. Temos a faca e o queijo: "Brasil, um paraíso do turismo regenerativo" pode ser um caminho, com muita tecnologia e novos perfis de negócios. O Conselho Nacional de Turismo deveria liderar a criação deste novo paradigma ao turismo brasileiro, já que a Lei deixou a desejar.
Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.