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O drama das mães de aluguel na Ucrânia em guerra

Barrigas de aluguel se veem desamparadas pelas agências e sem contato com os pais estrangeiros dos bebês

30 mar 2022 - 08h13
(atualizado às 08h27)
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Enfermeiras cuidam de bebês em local protegido contra bombardeios de Kiev
Enfermeiras cuidam de bebês em local protegido contra bombardeios de Kiev
Foto: Reuters

Sacos de dormir em cores camufladas, prateleiras cheias de latas de comida, berços e máscaras de gás. Pouco antes do início da guerra, a BioTexCom, maior agência de barriga de aluguel da Ucrânia, divulgou um vídeo. Era um tour por um abrigo antiaéreo, com direito a sons de sirenes ao fundo. Ali, as mães de aluguel ucranianas encontrariam refúgio, mesmo em caso de guerra. A mensagem era de que, para as mulheres grávidas e os bebês, não faltaria nada, nem mesmo em meio a um conflito.

No entanto, Marina (nome fictício) pinta uma imagem diferente. No início de março, ela deu à luz um bebê no abrigo antiaéreo da empresa. Estava frio e escuro. Faltou comida, água e remédios. Ela não teve notícias da agência por três dias e, quando os funcionários da empresa finalmente apareceram, simplesmente pegaram os bebês - não trouxeram comida nem água com eles.

Tudo incluído e descontos

A guerra expôs uma face ainda pior de um negócio que já tinha uma má imagem mesmo em tempos de paz. Estima-se que 2 mil crianças nasçam de pais estrangeiros na Ucrânia por ano. A barriga de aluguel comercial é legalizada no país, e é atraente: a transferência da paternidade para os casais é relativamente descomplicada. Agências fazem a mediação entre os pais estrangeiros e as mães de aluguel. Os pacotes com tudo incluído custam entre 30 mil e 40 mil euros. Às vezes, mais barato: na Black Friday de 2021, por exemplo, a BioTexCom anunciou um desconto de 3%.

Joga-se com os sonhos de ambos os lados. De um lado estão os pais estrangeiros, com histórias de anos de odisseias por médicos, especialistas em reprodução e agências de adoção. De outro, as mulheres ucranianas que, por serem barrigas de aluguel, recebem, geralmente, de 15 mil a 20 mil euros, várias vezes o salário médio anual ucraniano. Em troca do montante, elas alugam seus úteros por um período limitado.

Velhos contratos, nova realidade

Mas agora a Ucrânia está em guerra. Isso coloca todas as partes envolvidas em situações não previstas nos contratos. E levanta questões: pela vida de quem a mulher está fugindo? Pela dela ou pela do bebê estrangeiro crescendo em sua barriga? E se ela não quiser fugir porque sua família ainda está no país? E se fugiu em 2014 e perdeu tudo naquela época? E se agora quer defender seu país e ir para a guerra?

A BioTexCom fez com que as mulheres refugiadas assegurassem que estariam de volta ao país na data prevista para o parto. Como as mães de aluguel são pagas em parcelas, a empresa tem um poderoso trunfo nas mãos. Enquanto isso, ela está construindo um bunker no centro da Ucrânia.

Susan Kersch-Kibler, fundadora da agência Delivering Dreams, enviou suas mães de aluguel para o exterior sem delongas - elas serão trazidas de volta à Ucrânia na data prevista do parto. Outras agências ameaçam as mães de aluguel com até 15 anos de prisão se elas deixarem o país.

O motivo é que, do outro lado da fronteira, mães de aluguel ucranianas entram em novo território legal. Na Ucrânia, uma mulher pode dar à luz sem ser considerada a mãe do bebê. Até agora, isso significava que, após o nascimento, a mãe de aluguel concordava com a paternidade do pai estrangeiro. A criança recebia um passaporte e podia deixar o país, e depois ser adotada pelo cônjuge do pai.

Mas em muitos países que estão recebendo refugiados ucranianos, uma mulher se torna automaticamente mãe da criança através do parto. Não importa que as mães de aluguel não sejam geneticamente compatíveis com os filhos que carregam. Um parto num país da União Europeia (UE) as coloca na situação bizarra de serem mães de uma criança que nunca quiseram.

Além das complicações legais, Marko Oldenburger, que há dez anos presta consultoria jurídica a pais alemães, suspeita de outras razões por que algumas agências querem impedir que suas mães de aluguel fujam da Ucrânia: o medo de que informações internas sejam reveladas, que o modelo de negócios seja examinado criticamente, e de perdas econômicas.

Fuga fora de questão

Para algumas mães de aluguel, porém, a questão da fuga está fora de questão. Mesmo se quisessem, certas grávidas não estão aptas a viajar.

Um agente contou a história de uma mãe de aluguel cujos pais estrangeiros insistiram na implantação de dois embriões. É muito difícil encontrar uma mãe de aluguel nesses casos, pois as gestações gemelares estão mais associadas a complicações.

Embora quatro médicos tenham desaconselhado, a mulher agora está grávida de gêmeos. Ela estava acamada há três meses, e uma viagem está fora de questão. Enquanto isso, os pais estrangeiros estão zangados porque "sua" mãe e "seus" filhos não estão sendo levados para fora do país.

Pais estrangeiros buscam as mães de aluguel

A maioria das clínicas da Ucrânia está localizada nas regiões atualmente disputadas em torno de Kharkiv e Kiev. Muitos funcionários das agências estão fugindo das zonas de guerra, e os pais estrangeiros estão tendo dificuldades de contatá-los. Eles se sentem abandonados e desesperados.

Nas redes sociais, pais estrangeiros procuram suas mães de aluguel - e vice-versa. Os contatos entre as duas partes não estavam previstos anteriormente no modelo de negócios das agências. Agora, muitos têm a impressão de que as agências estão realmente impedindo esse contato direto.

Marina conta que foi proibida de entrar contatar os pais de seu bebê. Quando os pais estrangeiros de uma amiga a encontraram e, com a ajuda de um voluntário lhe forneceram comida e dinheiro no abrigo antiaéreo, a empresa ameaçou as mães de aluguel.

Enquanto isso, mais e mais bebês estão esperando que seus pais biológicos os busquem nos berçários subterrâneos. Cerca de 600 mães de aluguel estão grávidas apenas na Biotexcom. Pelo menos uma criança nasce todos os dias.

Alguns pais estrangeiros viajam para a Ucrânia por conta própria para tirar seus filhos da linha de fogo. Eles se deparam com escritórios fechados e embaixadas abandonadas. O registro de nascimento e a emissão de um passaporte para os recém-nascidos dificilmente são possíveis - embora necessários para que os pais estrangeiros possam ser reconhecidos como pais legais fora da Ucrânia.

De Kharkiv a Paris

Alguns pais providenciam para que suas mães de aluguel deixem o país. Cyril e seu parceiro inicialmente tinham apenas uma foto da mulher que carregava seu bebê. Por dez anos, o casal francês buscou alternativas para ter um filho. Um ano e meio atrás, finalmente contratou uma empresa ucraniana de barriga de aluguel. Em dezembro de 2021, a mãe engravidou. Dois meses depois começou a guerra.

Por duas longas semanas, a agência não pôde ser contatada, até que Cyril finalmente recebeu os detalhes de contato de sua mãe de aluguel. Ele organizou e financiou a fuga dela de Kharkiv, uma viagem de uma semana de duração, em pequenos estágios, para que a jornada não fosse muito cansativa e nada acontecesse ao bebê.

Tatiana agora se encontra em Paris, exausta e inquieta, porque sua família ainda está na Ucrânia. Cyril contratou um advogado para que a criança, caso nasça em solo francês, não seja filho de Tatiana, mas dele.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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