O homem que foi condenado à morte e passou 43 anos na prisão até provar sua inocência
Aos 81 anos, americano Charles Ray Finch foi finalmente libertado após décadas de batalha na justiça; ele é 166ª pessoa, desde 1973 , condenada à morte no país e que depois conseguir provar inocência e ter condenação anulada.
Em 1976, o americano Charles Ray Finch foi acusado do assassinato do dono de um posto de gasolina no Estado da Carolina do Norte. Finch sempre negou o crime e garantiu que era inocente, mas depois de um processo marcado por manipulação de testemunhas e evidências e diversas irregularidades, ele foi considerado culpado e condenado à morte - sentença posteriormente comutada para prisão perpétua.
Agora, aos 81 anos de idade, 43 deles passados na prisão por um crime que não cometeu, Finch conseguiu finalmente provar sua inocência e ser libertado.
"Estou feliz de estar livre", disse a repórteres ao deixar a prisão, no final de maio, depois de a Justiça determinar que a condenação e as acusações contra ele fossem anuladas.
Na semana passada, a promotoria anunciou que aceita a decisão da Justiça e a inocência de Finch e que não vai buscar novo julgamento, encerrando definitivamente o caso.
A libertação de Finch foi resultado do trabalho de quase duas décadas de um grupo de advogados e estudantes de Direito da Duke University, na Carolina do Norte. Eles atuaram no caso de forma voluntária, por meio do Wrongful Convictions Clinic, curso em que professores e alunos investigam casos de condenação injusta.
Segundo o Death Penalty Information Center (Centro de Informações sobre a Pena de Morte, em tradução livre), organização sem fins lucrativos que reúne informações e análises sobre a pena de morte nos Estados Unidos, Finch é a 166ª pessoa desde 1973 a ter sido condenada à morte no país e depois conseguir provar sua inocência e ter a condenação anulada.
"Finch passou mais tempo na prisão antes de ter a condenação anulada do que qualquer outra pessoa condenada injustamente e sentenciada à morte nos Estados Unidos", diz à BBC News Brasil o diretor-executivo do Death Penalty Information Center, Robert Dunham.
Crime, julgamento e condenação
O crime pelo qual Finch foi injustamente condenado ocorreu em fevereiro de 1976. Richard "Shadow" Holloman, proprietário de um posto de gasolina e loja de conveniência em Black Creek, lugarejo de 769 habitantes na zona rural da Carolina do Norte, foi morto a tiros em uma tentativa frustrada de assalto.
Um funcionário do estabelecimento, Lester Floyd Jones, disse que os agressores eram três homens negros, um deles vestindo um casaco comprido, e que o assaltante puxou uma espingarda de cano serrado de dentro do casaco e atirou em Holloman. Jones disse que buscou abrigo embaixo de um balcão e que identificou a arma por meio do som dos tiros.
Depois do ataque, naquela mesma noite, policiais abordaram Finch. Ele permitiu que revistassem seu carro, e os policiais encontraram um cartucho de espingarda.
A polícia então colocou Finch ao lado de outros homens negros para que Jones identificasse quem era o criminoso. Enquanto os outros homens vestiam roupas normais, os policiais ordenaram que Finch vestisse um casaco longo, semelhante ao usado pelo assaltante, e ele acabou sendo identificado por Jones.
Durante o julgamento, a acusação alegou que o cartucho encontrado no carro de Finch correspondia às cápsulas encontradas na cena do crime. O médico responsável pela autópsia testemunhou que os ferimentos da vítima eram consistentes com tiros de espingarda.
Décadas depois, em 2013, a autópsia foi revisada e descobriu-se que os ferimentos fatais na vítima haviam sido causados por uma pistola, não uma espingarda, e que as cápsulas na cena do crime não tinham relação com o cartucho encontrado no carro de Finch.
Apesar de manter sua inocência e de ter três testemunhas que confirmaram seu álibi de que, no momento do crime, estava em outro local, jogando pôquer com amigos, Finch foi condenado pelo júri.
Na época, a lei da Carolina do Norte previa pena de morte obrigatória para esse tipo de crime, e Finch foi para o corredor da morte, aguardar execução. No ano seguinte, porém, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou essa lei estadual inconstitucional e a sentença de Finch foi comutada para prisão perpétua.
"Se não fosse por isso, ele teria sido executado muito antes de que alguém descobrisse a má conduta policial em seu caso", ressalta Dunham.
Batalha na justiça
Ao longo dos anos, Finch entrou com vários pedidos na Justiça para que seu caso fosse revisto, mas todos foram negados.
Um dos advogados que atuou por sua libertação, Jamie Lau, professor de Direito da Duke University, diz à BBC News Brasil que o caso chamou a atenção da equipe da Wrongful Convictions Clinic por vários motivos, entre eles a constatação de que, no julgamento de 1976, havia sido apresentada a teoria falsa de que a vítima morreu com um tiro de espingarda (quando, na verdade, a arma do crime foi uma pistola, conforme comprovado posteriormente).
"Se a maneira que a vítima morreu foi falsificada, ou estava incorreta, então que outros problemas estariam presentes (no julgamento)?", questiona.
Lau conta que a equipe de advogados e estudantes entrevistou testemunhas e investigou o caso a fundo. Depois de vários pedidos à Justiça negados, em janeiro deste ano um tribunal de apelações analisou o caso e concluiu que as evidências apresentadas no julgamento e outros problemas processuais colocavam em dúvida a condenação de Finch.
Os juízes de apelação citaram a maneira como a polícia manipulou a identificação de Finch entre os suspeitos apresentados, fazendo com que fosse o único a vestir um casaco parecido com o do assassino. Também ressaltaram que Jones, a principal testemunha, "tinha problemas cognitivos, sofria de alcoolismo e tinha problemas de memória".
Diversas testemunhas de acusação posteriormente revelaram terem sido pressionadas para implicar Finch no crime. Além disso, os juízes ressaltaram que testes de balística não conseguiram conectar o cartucho de espingarda encontrado no carro de Finch à cena do crime.
Em decisão unânime, o tribunal concluiu que, caso os jurados soubessem de todas essas falhas, provavelmente não teriam condenado Finch. O caso foi então para um tribunal distrital federal e, em 23 de maio, um juiz federal anulou a condenação de Finch e ordenou sua libertação.
Liberdade
Finch deixou a prisão em uma cadeira de rodas, que usa para se locomover desde que sofreu um derrame enquanto estava preso. Ele foi recebido por familiares e pelos advogados que atuaram por sua libertação.
"Toda vez que olhava para o caso do meu pai, nunca pensei que ele tivesse feito isso (cometido o crime)", disse sua filha, Katherine Jones-Bailey, a repórteres no dia em que Finch deixou a prisão.
Jones-Bailey, que tinha dois anos de idade quando o pai foi condenado, ressaltou que, como Finch é inocente, e o verdadeiro culpado nunca foi punido, a família da vítima também não recebeu Justiça.
"Todos nós acabamos sofrendo."
"O caso de Finch ilustra o contínuo fracasso do sistema judicial americano em proteger inocentes em casos de pena de morte. E isso ocorre particularmente em casos de réus negros ou latinos", afirma Dunham, do Death Penalty Information Center.
"Geralmente é necessário que algo extraordinário aconteça para que um inocente seja libertado. Esse caso é um alerta de que há pessoas inocentes cumprindo prisão perpétua e pena de morte, nos Estados Unidos e ao redor do mundo, que nunca terão suas condenações anuladas", ressalta.
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