O mundo dos cosméticos: quando a pesquisa química é aliada da saúde, do ambiente e da economia
A demanda por cosméticos sustentáveis fez surgir o movimento "clean beauty", que infelizmente também alimenta um medo irracional da química
Você sabe quantos cosméticos usa por dia? Se você respondeu menos que cinco, provavelmente vai perceber que se enganou quando terminar de ler este texto. É comum associar cosméticos apenas a maquiagem e estética, mas eles têm grande importância para a saúde e bem-estar.
Talvez você não saiba, mas o sabonete é um cosmético capaz de reduzir a mortalidade infantil ao prevenir doenças respiratórias e diarreias quando usado para lavar as mãos.
Quando estamos longe da pia, podemos substituí-lo por outro cosmético: o álcool em gel. Já o creme dental previne cáries e periodontite, e adivinha, também é um cosmético que você já deve ter usado hoje.
A higiene corporal completa, incluindo rosto e cabelos, é essencial para a saúde. E o desodorante, por exemplo, melhora o bem-estar até de quem está ao nosso redor.
Em climas secos, um hidratante pode evitar que rachaduras na pele ou lábios se agravem. Já em épocas de chuva, mosquitos aparecem e nos lembramos dos repelentes, que previnem doenças transmitidas por insetos, como dengue, Zika, Chikungunya, malária e febre amarela.
E quando nos expomos ao Sol, o protetor solar é indispensável para evitar queimaduras e câncer de pele.
Pois é, todos esses produtos são cosméticos.
Claro, os cosméticos também estão ligados à estética. Espuma de barbear, maquiagem, perfumes, esmaltes — todos são cosméticos que influenciam como nos apresentamos à sociedade, afetando nossa qualidade de vida, nossa autoestima e saúde mental.
Cosméticos não são remédios, mas estão profundamente conectados à saúde na forma de prevenção. Como já diz o ditado: prevenir é melhor que remediar.
Sustentabilidade
Mas e o ambiente? Com tanta gente no mundo usando cosméticos, para onde vai tudo isso? Para a natureza, claro! E não adianta se iludir com produtos "100% naturais". Lavoisier, o pai da Química, já dizia: "Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Seu produto biodegradável não vai simplesmente desaparecer — ele vai se transformar em outra coisa. Mas em quê?
A demanda por cosméticos sustentáveis fez surgir o movimento "clean beauty", que preza por produtos naturais supostamente mais saudáveis e sustentáveis. No entanto, esse movimento muitas vezes alimenta um medo irracional da química.
As pessoas esquecem que tudo, seja natural ou artificial, é composto de substâncias químicas. E é justamente a pesquisa química que tem ajudado a tornar os cosméticos mais sustentáveis.
Muitas empresas de cosméticos já investem em embalagens recicláveis e biodegradáveis, em ingredientes de fontes renováveis ou de menor impacto ambiental. E tudo isso é graças à pesquisa em química, que também tem possibilitado processos de produção mais eficientes, com menos resíduos e menor consumo de energia.
Em meu grupo de pesquisa, por exemplo, temos diversos estudos neste sentido. Temos pesquisado a interação entre ingredientes que são alternativas mais sustentáveis para potencializar seu uso em diferentes formulações. Também estamos desenvolvendo produtos waterless, ou seja, que levam menor quantidade de água. Isso reduz o uso de embalagens plásticas e torna seu transporte mais eficiente, reduzindo a queima de combustíveis fósseis.
Enquanto a química for vista como vilã, porém, estaremos lutando contra quem pode ser nosso maior aliado. No nosso grupo de pesquisa, trabalhamos com divulgação científica por meio do Instagram @macro.nano.lab. Lá ajudamos as pessoas a identificar o que realmente é científico, sustentável e saudável, para que não caiam na desinformação ou no medo da química. Assim, evitamos que sejam enganadas por falsos apelos de clean beauty e um consumismo desenfreado.
Acreditamos que a ciência é a chave para tornar o consumo mais consciente e informar corretamente os consumidores sobre os produtos que usam diariamente. Desperdício e desinformação não beneficiam ninguém, nem a saúde, nem o meio ambiente.
E por falar em consumo…
Você sabia que o Brasil é o 3º maior mercado consumidor de cosméticos no mundo?
Em 2023, a venda de produtos de higiene e beleza totalizou R$ 156 bilhões, com superávit na balança comercial de US$ 80,8 milhões, gerando mais de 150 mil empregos diretos e de 6 milhões de oportunidades de trabalho. Foi este grande mercado que estimulou o surgimento desde pequenas empresas a grandes marcas reconhecidas internacionalmente, como Natura, Granado e Boticário.
Multinacionais como L'Oréal e Pierre Fabre também trouxeram centros de pesquisa para o Brasil para desenvolver produtos para atender o perfil do consumidor brasileiro.
Ao gerar empregos e oportunidades para pesquisadores brasileiros, temos um estímulo à nossa ciência. Devemos nos orgulhar de ver químicos, farmacêuticos, engenheiros e outros profissionais brasileiros que usam a ciência no desenvolvimento de produtos direcionados ao público nacional.
E podemos cobrar para que ofereçam soluções para promover a saúde com menor impacto ambiental. Mas, para tudo isso, eles devem usar a química! Portanto, para cobrar soluções realmente eficazes da indústria, é preciso compreender que a química é nossa maior aliada — e não a vilã que algumas propagandas sugerem.
Ana Percebom recebe financiamento da FAPERJ e CNPq e presta consultoria para diferentes empresas do setor de cosméticos.