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O neopopulismo é o novo modelo político-cultural dos Estados Unidos?

O conceito de neopopulismo, nascido para explicar o modelo político de governo das periferias latino-americanas, caiu como uma luva para a compreensão da vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos

7 nov 2024 - 10h43
(atualizado em 8/11/2024 às 16h53)
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No início do século XXI, a literatura especializada em Ciência Política e Relações Internacionais elaborou o conceito "neopopulismo" para explicar a onda vermelha latino-americana, a qual conduziu ao poder atores políticos de esquerda na Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Chile, na Argentina, no Brasil, no Uruguai, etc.

Para os especialistas, esse novo modelo político ocorre quando há:

1) uma liderança política personalizada; 2) uma coalizão de apoio multiclassista de setores populares urbanos contra a elite globalizada (trabalhadores brancos empobrecidos, com medo e raiva do futuro da economia, principalmente da inflação e do desemprego); 3) uma mobilização política vertical que submete e subordina instituições políticas democráticas (captura do partido Republicano por extremistas políticos); 4) uma ideologia eclética e contra o status quo, ou seja, anti-sistêmica (discurso anti- establishment alicerçado no Make American Great Again - MAGA); 5) um uso de métodos redistributivos e clientelistas para obter apoio político dos excluídos dos ganhos da globalização (imigração, deportação, pautas conservadoras, negacionismo ambiental, armas, fim do apoio a guerras para investir em políticas públicas locais, etc).

Mas agora, este conceito do neopopulismo nascido para explicar o modelo político de governo das periferias latino-americanas caiu como uma luva para a compreensão da vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos.

O que isto significa? A América latino-americanizou-se? Judis, Teixeira e Teixeira (2003), no livro "The Emerging Democratic Majority", diziam que o futuro político dos Estados Unidos seria do Partido Democrata. E o motivo seria demográfico: maior crescimento populacional de grupos étnicos e sociais que apoiam os ideais Democrata, ou seja, uma coalizão progressista de minorias.

Por exemplo, a população hispânica cresceu, a imigração latina, asiática e árabe ganhou força, as mulheres passaram a ter papel ativo no mundo do trabalho, a questão de gênero e sexo emergiu, o número de universitários explodiu e passou a dominar a economia do conhecimento, etc. Enfim, rapidamente, os ideais Democrata estabeleceram uma maioria esmagadora no país muito parecida com o cenário dos países latino-americanos.

A eleição de Barack Obama, um homem negro, para o Senado por Illinois, em 2004, transformava-o em "avatar perfeito" dessa nova maioria democrata. A conquista da Casa Branca, em 2008, e sua reeleição garantiram a veracidade da teoria. Os Estados Unidos eram dos Democratas e mais parecidos com seu entorno geográfico …

O centro do argumento de Judis e Teixeiras, de viés cultural, virou uma profecia autorrealizável. Desde então, as escolhas políticas dos eleitores dependiam das suas opções morais na esfera privada. O voto e a militância seriam guiados por motivações íntimas e subjetivas. A vida privada invadiu os debates públicos.

A arte do fazer a "Política" tornou-se escrava das exigências da intimidade e perdeu a capacidade de elaborar novas propostas políticas universais. A prevalência contemporânea da subjetividade eclipsou a razão política.

Enquanto o capitalismo neoliberal e a democracia procedimental garantiram bem-estar à sociedade, este problema não foi notado. Contudo, o aumento do custo de vida e da pobreza nos Estados Unidos trouxe o lado mais cruel da realidade latino-americana para o centro da sociedade norte-americana: a vulnerabilidade sócio-econômica.

Assim, a equação política-cultural que funcionava a favor dos Democratas se desmanchou no ar. A razão política outrora liberal foi capturada pelo viés neopopulista autoritário de Trump. Que, para chegar ao poder, colocou a culpa da miséria na elite democrata.

Os homens brancos trabalhadores e parcela da coalizão de centro-esquerda de minorias (ambos votos certos nos democratas), agora estão na penúria social e econômica porque, segundo Trump, a democracia procedimental e o capitalismo norte-americanos, ignoram suas dificuldades.

O medo, o ódio, a raiva e a xenofobia foram mobilizados contra os democratas e o establishment por meio do uso de tecnologia da informação e comunicação. Elon Musk auxiliou Trump a hackear a cabeça do eleitor, sua intimidade, sua subjetividade, seu bolso para que a maioria tomasse sua decisão de voto em favor do neopopulismo autoritário como a solução possível dos seus problemas privados.

A completa falta de esperança no "sonho americano" e o sentimento de ser humilhado pelo establishment conduziram os eleitores pela via da manipulação midiática digital a despejar sua indignação nas urnas em favor de Trump.

O recado foi claro: o capitalismo neoliberal americano e a democracia procedimental estão em crise e suas instituições estão disfuncionais no atendimento das opções morais da esfera privada de cada intimidade e subjetividade dos cidadãos estadunidenses. Os eleitores estão sentindo-se humilhados, relegados, ignorados e sinalizaram que não suportam mais esta situação.

A maioria dos norte-americanos percebeu agora algo que os latino-americanos já conhecem há muito tempo: a economia de mercado e a democracia schumpeteriana não sobrevivem à desigualdade sócio-econômica.

Populismos e neopopulismos são modelos políticos e culturais de governo autoritário para gerir o desespero da pobreza. O problema é que a versão deste modelo político em países ricos deu no fascismo.

Portanto, a vitória de Trump deveria servir de alerta ao capitalismo liberal e aos democratas procedimentais mundo afora sobre a necessidade de garantir a bilhões de seres humanos direitos básicos, condições de vida mínimas para impedir o sequestro do sistema pela via da tecnologia da informação e comunicação por neopopulistas autoritários e bilionários aloprados anarco-capitalistas afim de sugar recursos públicos para seus projetos privados, sem compromisso com a transparência e a sustentabilidade.

Um Green New Deal faz-se mais necessário do que nunca. Mas, certamente, não virá pelas mãos do neopopulista autoritário Donald Trump e seus asseclas endinheirados…

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Marcelo Fernandes de Oliveira não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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