O papel da arquitetura nos projetos para a longevidade
Envelhecendo em casa: o importante papel da arquitetura
Envelhecer tem tomado um outro significado nos últimos tempos. O que antes parecia ser algo triste e preocupante, agora é sinônimo de longevidade e qualidade de vida.
E diga-se de passagem que qualidade de vida é muito mais do que viver bem, é compartilhar o que temos de melhor em nosso meio!
Envelhecendo em casa: o importante papel da arquitetura
De acordo com matéria no Archdaily as projeções da ONU apontam que quase um terço da população (32,5%) terá 65 anos ou mais em 2050.
Pauta em diversas disciplinas, inclusive na arquitetura, o envelhecimento da população é uma preocupação e alvo de pesquisas com foco em busca de soluções que proporcionem bem-estar e qualidade de vida para os bem-aventurados com vida longa.
A arquitetura entra em cena como protagonista de projetos que viabilizem a integração entre os espaços residenciais e o meio social.
Isso quer dizer que nós, profissionais da arquitetura, ao projetarmos algo específico assim, precisamos atentar para os seguintes detalhes:
Nos espaços residenciais
- • Acessibilidade: proporcionar autonomia e independência nas tarefas diárias;
- • Conforto: trazer acolhimento para dentro da casa e também uma arquitetura gentil no entorno das residências;
- • Conforto ambiental: mobiliários que promovam bem-estar, iluminação e ventilação natural e áreas verdes.
No meio social
- • Integração: adaptar espaços, caminhos e edificações em prol da sociabilidade e convívio;
- • Mobilidade urbana: não só pelas necessidades locomotoras, mas também pelo estímulo ao sentimento de capacidade, autonomia e produtividade;
- • Mobiliário urbano: projetos de mobiliários e objetos que promovam a facilidade de realizar tarefas comuns e tragam mais acessibilidade como forma de independência e atratividade aos usos de espaços públicos tanto para crianças, idosos e todas pessoas para criação de uma cultura coletiva.
Sem idade para viver bem: uma história que me fez refletir sobre a minha própria vida
Procurada por um casal que desejava reformar seu apartamento, ouvi uma história que me fez refletir sobre a minha própria vida e meu futuro.
Esse casal buscava renovar seu espaço para acomodar a família toda em casa. Era um apartamento com três suítes e espaços bem generosos, onde até então, o casal com mais de setenta anos, vive só.
Os filhos já constituíram suas respectivas famílias. A filha que mora mais longe, tinha o desejo de levá-los para sua cidade no intuito de poderem estar mais perto. Já o filho mora na mesma cidade dos pais e costuma pousar por lá nos finais de semana para que eles passem um tempo com o netinho.
Mesmo sentindo saudade, querendo ter toda a família reunida e poder sentir o cheiro dos filhos dentro de casa, como disseram, ter seu próprio canto, justifica o desejo de manter o apartamento como residência para sua independência.
Há algo em comum no ser humano, independente da idade: o gosto por ter uma rotina de descanso, leitura e várias atividades durante a semana. É uma necessidade que todos nós temos e também uma questão de privacidade.
Para eles não é diferente. Poder renovar o espaço ao próprio gosto e realizar atividades rotineiras, mesmo quando já aposentados, é uma questão de autonomia.
Compreendendo a relação entre envelhecer e longevidade
De acordo com dados do IBGE, a população brasileira está mais velha. No período entre 2012 e 2021 a parcela de pessoas com 60 anos ou mais saltou de 11,3% para 14,7%. Um salto de 22,3 milhões para 31,2 milhões em números absolutos, crescendo 39,8% no período. As pessoas com 65 anos ou mais representam 10,2% da população.
Hoje em dia, está mais fácil compreender que a população deve viver mais e envelhecer bem. Já se fala que os “50 que são os novos 30”. É uma grande possibilidade e me leva a pensar em como será a nossa habitação no futuro de cada um.
Eu mesma não consigo me imaginar sendo cuidada por alguém quando eu estiver mais “velha”, mas penso, e isso é claro para mim, que gostaria de ser independente, podendo me virar sozinha nas minhas atividades diárias.
Aging in place: Conviver em comunidade com independência
Lendo o artigo da Archdaily: “Envelhecendo em casa: preparando a arquitetura para uma população idosa”, achei muito interessante abrir um diálogo sobre a importância da arquitetura como estratégia e ferramenta, para que as pessoas possam viver com qualidade de vida e adquirir um espaço onde haja mais acessibilidade, eliminando as segregações de idade e dependência.
Fiquei um bom tempo refletindo sobre como podemos respeitar a vontade de nossos idosos. Muitas vezes pensamos que o idoso deve viver com os filhos, sem mesmo entender as necessidades e vontades deles.
Quando somos mais novos, é natural pensarmos com cabeça de jovens, imaginando que jamais vamos precisar de uma atenção especial conosco, sobre os nossos espaços e necessidades. É mais fácil imaginar que na hora que precisarmos, vamos fazer o que for necessário.
Imagino que muitas vezes os idosos não conseguirão expressar com clareza suas necessidades quando as limitações começarem a surgir. Talvez seja um longo processo de aceitação, até para compreender e seguir as sugestões dos filhos.
Aging in place não é apenas pensar em um lugar com acessibilidade e uma moradia para população idosa. Depende muito mais do bem-estar que o ambiente proporciona ao longo do tempo para quem mora naquela determinada região.
Um artigo de Janine L. Wiles The meaning of “aging in place” to older people, publicado pela Oxford Academic, traz à tona esse assunto.
Conta sobre a complexidade do tema, que abrange além dos cuidados médicos, a infraestrutura para idosos, criando espaços bastante apropriados para essa idade. No entanto, geram custos bastante elevados.
Essa pesquisa apresenta o Aging in place com novas abordagens e significados em comunidades mais longevas e com perfis socioeconômicos diferentes do que seria ideal para se viver com boa qualidade de vida.
E como no artigo, esta é também a minha pergunta: qual é o lugar ideal para envelhecer?
Para os idosos, morar em um ambiente que os acolha e que seja gentil, é estar vivendo em um espaço onde se conhece bem o comércio local e onde eles conseguem sentir-se familiarizados, independentemente da qualidade da infraestrutura que aquela região possui.
São as conexões com as pessoas e com o lugar, como vizinhos de longa data e comércios antigos de bairro, que trazem bem-estar, autonomia e sensação de segurança.
A sensação de lar se estende desde o apego pela casa até o local onde moram. Por estarem morando há muito tempo nessa região, a casa se torna um refúgio seguro, pois reconhecem onde as coisas estão e valorizam as conexões com vizinhos e com a comunidade.
Aging in place se entrelaça ao senso de identidade ligado a independência e autonomia, o que ainda é pouco ofertado por vilas e locais para pessoas idosas.
Estar acostumado com a região onde vive, como poder sair e utilizar o transporte público, cuidar da casa e do jardim, ter um pet e a possibilidade de fazer as próprias escolhas, são considerados fatores importantes para a escolha do lugar onde se permanece.
Sentir-se acolhido em sua própria casa e em sua comunidade é um fator muito importante, independentemente da melhor infraestrutura que essas pessoas poderiam receber.
Isso não exclui a necessidade das instituições governamentais se mobilizarem para entregar espaços urbanos e melhores planejamentos de mobilidade e infraestrutura de saúde, moradia, comércio e serviços.
Há muitos fatores a serem compreendidos para uma melhor qualidade de vida na longevidade, que somente serão percebidos se as instituições responsáveis se capacitarem para ouvir o que as comunidades necessitam. Dessa forma é possível a permanência e a valorização do local onde moram.
Percepções e reflexões sobre a longevidade
Quebrando o tabu sobre o velho conceito de envelhecer, precisamos admitir que a população idosa, está vivendo mais e com mais saúde, o que se traduz em uma jornada de vida mais longa e ativa em vários sentidos.
Esse assunto me fascinou ainda mais ao assistir o vídeo do programa Universo Karnal da CNN - "Longevidade: Como o Brasil está se adaptando ao envelhecimento da população".
E replico aqui uma pergunta do Karnal: “Como eu poderei permanentemente reeducar populações com mais idade para que tenham condições de trabalhar e continuem exercendo o seu emprego?”
Esse e outros questionamentos estão vindo à tona e nos leva a refletir sobre como podemos envelhecer em meio a essas mudanças e perspectivas. Nesse mesmo vídeo, Karnal explica sobre as “blue zones” onde as populações dos países como Itália, Costa Rica, Grécia e Japão vivem mais de 100 anos com autonomia e baixo índice de doenças crônicas.
Nos 80% dessa população, o estilo de vida e o meio onde vivem é o que influencia na longevidade com essa qualidade de vida, sendo apenas 20% influenciadas pela genética.
Essas mudanças de perspectiva sobre o envelhecimento, estão acontecendo também no mercado consumidor. Uma matéria do site Senado Notícias de 2019 divulgou que as pessoas com mais de 60 anos representam 20% do poder de consumo do Brasil (informação é de Getúlio Vaz, representante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae)/ Fonte: Agência Senado.
Qual é o nosso manifesto de vida?
E pensar que ao longo tempo serei uma idosa e provavelmente estarei capacitada e livre para continuar a trabalhar, desfrutar e conhecer novos lugares e até adquirir novas habilidades. Assim espero!
Gostaria de me planejar melhor sobre onde eu desejo morar e os lugares que quero frequentar com autonomia e qualidade de vida. Um lugar onde eu futuramente possa envelhecer e viver bem.
E para aqueles que estão chegando na terceira idade, deixo uma pergunta: já parou para imaginar que o “fim da linha” pode estar muito mais longe do que você enxerga?
A relação entre a arquitetura e a longevidade
Voltando ao campo da arquitetura, tudo se relaciona a essa temática. Considerando a vivência das pessoas, a perspectiva e expectativa de vida, poderemos projetar lugares com uso de melhores estruturas e mais acessibilidade.
Lugares que possibilitem adaptações futuras conforme as necessidades que surgirem ao longo do tempo. Essa forma de pensar também se torna mais sustentável, não é verdade?
A longevidade está cada vez mais consolidada em nossa sociedade e precisamos ter mais consciência sobre as construções futuras.
Seja na construção de novas residências, seja no planejamento futuro para se reaproveitar melhor os espaços, a arquitetura tem um papel importante nos projetos que respeitem o sentido de comunidade, sendo um fator fundamental para a manutenção e sustentabilidade para nossas cidades.
Minha conclusão é que ao pensarmos em longevidade, devemos manter um planejamento de ações constantes que viabilizem moradias e espaços públicos acessíveis para qualquer faixa etária, respeitando sempre a liberdade de cada um, com qualidade de vida e sustentabilidade.
Como você se imagina com mais idade?
(*) Glaucia Ito é arquiteta e fundadora da Maki Arquitetura, com escritório em Londrina/ PR. Desenvolve projetos de arquitetura para reformas de interiores e construções residenciais e comerciais. Seu posicionamento é pautado em Ambientes que Acolhem, dando nome a sua newsletter onde publica seus artigos com temas sobre sustentabilidade, acessibilidade, bem-estar, qualidade de vida, entre outros.