O peso do ativismo digital em defesa da Amazônia
Mobilização em repúdio às queimadas ganha força nas redes, aumentando a pressão sobre o governo brasileiro. Ao mesmo tempo, polarização instigada por Bolsonaro acabou com consenso sobre meio ambiente na internet.Imagens da Floresta Amazônica em chamas correram o mundo e provocaram uma reação forte no mundo digital. O tema esteve no topo das buscas do Google em países como Alemanha, França, África do Sul, Índia e Estados Unidos na quarta-feira (21/08). No Brasil, os termos mais pesquisados nessa mesma data eram relacionados ao Campeonato Brasileiro de Futebol.
A reação às queimadas na maior floresta tropical do mundo também colocou a hashtag #PrayForAmazon (Orem pela Amazônia) e variações dela em destaque nas redes sociais. Personalidades brasileiras e internacionais - como Leonardo DiCaprio - aderiram à pressão pela proteção da floresta na internet.
Enquanto isso, o governo brasileiro tentava minimizar a repercussão. O presidente Jair Bolsonaro chegou a acusar ONGs ambientalistas de estarem por trás das queimadas. Foi somente após um tuíte do presidente francês, Emmanuel Macron, sugerindo incluir a crise na Amazônia na pauta do próximo encontro dos países do G7, que Bolsonaro decidiu agir, convocando ministros para discutir formas de combater os incêndios.
Desde que a campanha #PrayForAmazon ganhou amplo espaço nas redes, protestos em defesa da Amazônia foram marcados para os próximos dias em várias cidades do Brasil e do mundo. Esse exemplo pode ser um reflexo prático da atividade virtual, afirma Pablo Ortellado, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) que coordena o Monitor do Debate Político no Meio Digital.
"Desde 2013, temos visto um nível de engajamento muito alto. É como se o ativismo digital estivesse dando linha na sociedade, influenciando e mobilizando", analisa o pesquisador.
Esse tipo de pressão funcionou no governo Michel Temer. Em 2017, quando anunciou a abertura para a exploração de minérios da Renca, uma reserva no meio da Floresta Amazônica, Temer voltou atrás após uma grande mobilização, inclusive internacional, para que a medida fosse cancelada.
No caso de Bolsonaro, contudo, é baixa a expectativa por medidas rápidas, afirma Márcio Astrini, do Greenpeace. "Em oito meses, com o desmatamento em alta, e agora as queimadas, o governo ainda não apresentou um plano real de combate a esse cenário", analisa.
O que se viu até agora, segundo Astrini, foi uma "cortina de fumaça" criada pelo presidente. "Em vez de atacar o problema, ele terceiriza a responsabilidade, culpa as ONGs, ataca os governadores, diz que fazer menos cocô vai preservar o meio ambiente", acrescenta ele, em referência a alguns dos posicionamentos recentes de Bolsonaro quando questionado pela imprensa sobre o tema.
Fim do consenso sobre meio ambiente
Entre os assuntos políticos brasileiros, o meio ambiente era visto como "um lugar cômodo", um consenso nas redes sociais, pelo menos até o fim de 2017. "A sociedade já está bem polarizada desde 2014. Mas meio ambiente era algo importante, todo mundo era a favor", afirma Ortellado.
A chegada de Bolsonaro à Presidência mudou o cenário, surpreendendo os pesquisadores. "O fato de Bolsonaro se apoiar no agronegócio fez com que ele assumisse essa postura antiambiental. E como a máquina de enfrentamento dele está ligada a mil, ele colocou isso no centro das polêmicas e aparentemente está gerando engajamento", detalha o pesquisador da USP.
Dados apurados por Ortellado mostram que, na última semana, mensagens de oposição ao Fundo Amazônia, que conta com financiamento europeu, dominaram os círculos políticos que apoiam Bolsonaro nas redes sociais.
Para Francisco Paoliello Pimenta, pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a preocupação ambiental na internet ocorre na medida em que os interesses cotidianos de populações passam a ser afetados.
"Talvez esse engajamento visto nos últimos dias dentro e fora do país seja reflexo disso: de que as pessoas estejam começando a perceber de fato o que a destruição da Amazônia representa para o equilíbrio do planeta, para todas as formas de vida que lá estão e, consequentemente, para a vida delas", pondera.
Pressão econômica
Contudo, o efeito da mobilização nas redes sociais deve ser limitado se não chegar à economia. Para representantes do setor agrário, a única pressão à qual Bolsonaro poderia realmente ceder seria à pressão econômica.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) se preocupa com a repercussão negativa da destruição da Amazônia. "A gente reforça que o desmatamento ilegal é grave e tem que ser combatido de forma eficiente, rígida, contundente", diz Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Abag, à DW Brasil. Segundo ele, o Brasil vive "um problema seríssimo" e passa a percepção de ter "perdido o controle".
Os sinais mandados para dentro e para fora do país podem trazer problemas econômicos sérios, afirma Cornacchioni. "Podemos ser prejudicados, sofrer sanções, embargos, o que ninguém sério no agronegócio quer", diz o agrônomo.
Marcelo Vieira, da Sociedade Rural Brasileira, também diz defender o combate ao desmatamento ilegal. "Preocupa que a imagem do Brasil fique prejudicada e dificulte o acesso a mercados, como o acordo que está sendo negociado com a União Europeia", afirma Vieira.
Na contramão da proteção ambiental
Segundo Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, é a primeira vez desde a redemocratização que um governo vai na direção contrária à proteção da Amazônia.
"Os órgãos ambientais que cuidavam disso estão sendo desmontados, toda a estrutura do Ibama foi desmontada", afirma.
Depois de toda a repercussão vista nas redes e na imprensa internacional, Teixeira diz esperar que Bolsonaro reaja com firmeza.
"O Brasil está com uma imagem completamente queimada por causa do desleixo, do descuido das políticas públicas que combatem o desmatamento." Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não comentou a questão.
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