O que fazer se o seu nome e crédito não estão na lista de credores apresentada pela 123milhas?
Ante o deferimento da recuperação, o Juízo indicou quem será o administrador judicial e determinou fosse realizada a expedição e a publicação de edital informativo de que a relação nominal dos credores contendo o valor atualizado do crédito e sua classificação, a ser elaborada pelo administrador judicial com base nas informações prestadas pelas recuperandas. Após a referida publicação, haverá a fixação de prazo para a habilitação ou divergência aos créditos por parte de todos os credores. Por se tratar de fase administrativa da verificação dos créditos, as referidas divergências e habilitações, como regra, são apresentadas diretamente à administração judicial, em procedimento a ser disciplinado pelo Juízo, e não através de petição junto aos autos principais do processo judicial de recuperação. Em seguida, será publicada a relação final de credores apresentada pelo administrador judicial e eventuais impugnações ainda existentes deverão ser distribuídas por dependência ao processo principal e não junto aos autos principais da recuperação.
A lista de credores e o passivo ainda podem aumentar ?
As recuperandas devem apresentar junto com o pedido de recuperação a lista de credores completa, com a discriminação do passivo global. Porém, ante a eventual ausência de tempo hábil, tal listagem pode ser aditada no decorrer da fase inicial do processo, após as devidas análises e solicitações a serem feitas pelo administrador judicial, a quem caberá consolidar a listagem. Assim, o número de credores e o valor do passivo, em regra, durante essa fase de consolidação dos créditos, aumenta.
Como é o procedimento de aprovação do plano de recuperação ?
Com o deferimento da recuperação, as recuperandas deverão apresentar um plano de recuperação judicial no prazo de 60 dias da publicação desta decisão. Com a apresentação do plano, é publicado edital, fixando prazo para apresentação de objeções pelos credores. Em seguida, tais objeções são analisadas pelos Juízo e o plano é homologado e deverá ser cumprido.
Os consumidores lesados irão receber ?
Com a recuperação judicial, há a transferência integral do risco do negócio para os consumidores, que serão os últimos a receber se algum dinheiro existir, pois figurarão na categoria dos credores quirografários, ou seja, aqueles que não possuem seu crédito pautado em qualquer garantia que seja. Antes dos consumidores, há os créditos trabalhistas, os tributários e os pautados em garantia real. Só se avança para a categoria seguinte, se a anterior estiver totalmente satisfeita. Caso não existam ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional. O ônus do revés de um negócio deveria ser suportado pelo fornecedor que tem toda a capacidade de gerir a operação a que se dispôs a fazer. Jamais deveria ser possível transferir tal ônus para o consumidor vulnerável e hipossuficiente.
Adianta entrar na Justiça nesse momento ? Os processos vão andar normalmente ou serão todos suspensos ?
O deferimento do pedido de recuperação é esperado, já que o Poder Judiciário sempre será sensível aos milhares de trabalhadores, fornecedores e consumidores lesados, e, considerando o passivo de mais de 2 bilhões, o indeferimento da recuperação levaria a empresa imediatamente à falência. E, a falência, seria o pior dos mundos, pois a atividade econômica produtiva paralisa e não mais existe capacidade de geração de riqueza para fazer frente aos débitos. Se em um processo de recuperação judicial os consumidores são os mais prejudicados, considerando serem os últimos a receber, em uma falência esse prejuízo é ainda maior, pois, ante a inexistência de atividade produzida, só restará, com o ativo existente, e que é muito pouco, pagar o que for possível quanto aos credores preferenciais, no caso, os créditos trabalhistas, tributários e os com garantia real. É sempre bom lembrar que, não há a suspensão de qualquer ação judicial em fase de conhecimento, ou seja, os consumidores podem continuar a ingressar com as suas ações indenizatórias por danos materiais e morais junto aos Juizados Especiais Cíveis do país. O processo transcorrerá normalmente. O que fica suspenso com o deferimento da recuperação são apenas as execuções das decisões judiciais favoráveis aos credores, bem como qualquer ato de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens da empresa, já que podem prejudicar ou inviabilizar o processo de recuperação judicial. Nesse sentido, o crédito fruto de decisão judicial favorável deverá ser habilitado junto ao processo de recuperação judicial, crédito este que será pago de acordo e nas condições do plano de recuperação e caso exista condição financeira para pagamento.
Qual viabilidade da 123 Milhas efetivamente conseguir se recuperar?
A empresa em dificuldade financeira tem uma escolha estratégica entre os dois caminhos (reestruturação administrativa e recuperação judicial), mas, na prática, quando opta pela recuperação, é porque a situação de superendividamento e de crise saiu de qualquer grau de controle. Neste caso, a empresa vai se socorrer do Poder Judiciário e demonstrar que, embora haja indícios de que é uma empresa viável, não poderá autonomamente conduzir a relação com os seus credores e, ainda, que o seu operacional entrou em colapso. No caso de 123 Milhas, infelizmente, a crise de credibilidade e de governança vêm superando em muito a crise financeira.
*Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania - IBRACI