O que são as (novas) empresas de mídia e por que precisamos falar sobre isso?
As organizações nativas digitais são importantes por explorarem novos modelos de receita e pela (re)valorização do papel social do jornalismo
O cenário da comunicação e do jornalismo tornou-se mais complexo e emaranhado com a emergência digital no final do século XX. A sociedade saiu da era da comunicação de massa para a da comunicação em rede, com conexões fortes e fracas, que se sobrepõem e se expandem além de barreiras geográficas.
Na economia da atenção, os modelos de receita passaram a ser calibrados por métricas de cliques, engajamento e alcance. Os próprios algoritmos passaram a capturar dados para permitir às plataformas não apenas vender as audiências, como influenciá-las. É a era da Datificação e Plataformização.
Essas audiências migraram do jornalismo para as mídias sociais em um movimento que levou as Big Techs a serem questionadas sobre sua natureza meramente tecnológica. Seriam, também, mídia? E se sim, o que isso significa?
Em paralelo, vimos o crescimento de iniciativas nativas digitais, como o próprio "The Conversation" - empresas jornalísticas ou de mídia criadas a partir da diminuição das barreiras de entrada no mercado da comunicação. Estas empresas complementam um contexto complexo e fragmentado, ampliando o debate sobre tópicos negligenciados pela grande mídia. Há dois (novos) tipos de empresas de mídia: as Big Techs e as organizações nativo digitais. Vamos falar sobre elas e seus impactos?
Big Techs: empresas de mídia ou empresas de tecnologia?
A resistência de plataformas como Google, Facebook e X em serem vistas como empresas de mídia é estratégica, visando evitar regulações mais severas e responsabilidades legais do setor . Embora desempenhem um papel crescente na distribuição de notícias, essas plataformas se distanciam dessa identidade, o que impacta em como são tratadas por legisladores e tribunais. Para completar, estudos mostram que rumores e desinformação se espalham mais rapidamente nas mídias sociais do que notícias verdadeiras, chegando a 1.500 pessoas seis vezes mais rápido.
Essas (novas) organizações midiáticas geram impactos em dois eixos:
1) Regulação e desinformação
No Brasil, buscou-se regulamentar as plataformas de mídias sociais através do PL 2630/20, já devidamente engavetado por lobby das plataformas e interesses individuais de parlamentares. Seguindo a lógica de que as plataformas precisam se responsabilizar por aquilo que publicam e, desta forma, retirar qualquer conteúdo do ar quando ele ofende a lei ou ameaça terceiros pela propagação do ódio e da desinformação, atores diversos passaram a defender a definição das plataformas como mídia.
Outro ponto é que a classificação dessas empresas como "tecnológicas" em vez de "midiáticas" permite que escapem de regulações mais rígidas, como obrigações de interesse público e limitações à concentração de propriedade. O enquadramento como empresas de tecnologia reduz a supervisão governamental, permitindo às plataformas dominarem mercados sem as mesmas obrigações impostas às mídias tradicionais.
2) O poder das plataformas
O poder concentrador das plataformas em termos publicitários é evidente em vários aspectos, o que levou à abertura de investigações antitruste. Nos EUA, o Departamento de Justiça, vários estados e a Federal Trade Commission processaram o Google, o Facebook e a Amazon; a UE moveu processos contra a Amazon, a Apple, o Facebook e o Google.
Manuel Wörsdörfer aponta diferentes abordagens regulatórias tomadas de uma perspectiva ordoliberal (mercado livre porém fortemente regulado para garantir concorrência) mas, independentemente da natureza reguladora, o fato de as plataformas se caracterizarem como oligopólios prejudiciais à concorrência, especialmente de pequenos e médios negócios, já é uma realidade no debate público em vários países.
Além disso, como garantir que as plataformas priorizem a veiculação de conteúdos noticiosos sérios e evidenciados - que poderia beneficiar as novas mídias digitais - se o modelo privilegia conteúdos emotivos e apelativos?
Nativos-digitais: novos modelos de receita e (re)valorização do papel social do jornalismo
Por outro lado, as organizações nativas digitais aparecem com modelo de distribuição conectados e, geralmente, possuem uma estratégia direcionada aos nichos.
A fragmentação do ecossistema de notícias intensifica a competição, desestabilizando as organizações jornalísticas tradicionais, reconhecidas por serem reativas (seguir as mudanças em vez de propô-las), defensivas (preservar o negócio existente em vez de inovar) e pragmáticas (com foco em ações de curto prazo).
Enquanto as empresas de legado buscam adaptar seus modelos ao digital, os nativos têm maior agilidade para explorar modelos de negócios mais arriscados ou inovadores por não terem compromissos com receitas já estabelecidas.
De fato, estas (novas) organizações são importantes especialmente em dois sentidos: por explorarem novos modelos de receita e pela (re)valorização do papel social do jornalismo. Em relação a este último, os nativos-digitais, em sua maioria, nascem para discutir causas como direitos humanos, questões de gênero, meio ambientes, entre outros, valorizando o jornalismo como Quarto Poder.
O jornalismo pós-industrial desafia o modelo tradicional de assinaturas e publicidade, com os nativos digitais brasileiros testando alternativas como venda de conteúdo, subvenções, apoio do leitor e consultoria, adotando de duas a seis fontes de receita, conforme o Relatório Oasis deste ano, editado pela Sembra Media. Tendo em vista tudo isso: será que discutimos, encorajamos e apoiamos (financeira ou intelectualmente) novas organizações jornalísticas o suficiente?
E o que o futuro nos reserva?
A pesquisa finlandesa Four Scenarios for the Future of Media propõe quatro cenários para o ecossistema midiático em 2035 com base no contexto nórdico.
O primeiro, "Mídia em um Continuum", sugere mudanças lentas e alinhadas com expectativas, mantendo o forte papel da mídia tradicional.
O segundo, "Batalha pela Informação", prevê ameaças à liberdade de comunicação devido a crises geopolíticas e manipulação da informação.
No terceiro, "Renascimento do Jornalismo", a poluição de conteúdo e as crises criam um ambiente informacional confuso, aumentando a demanda por jornalismo confiável, mas também impulsionando as "verdades alternativas".
O quarto, "Poder do Entretenimento", vê a tecnologia impulsionar a produção de conteúdo e aumentar as desigualdades sociais, dividindo a audiência entre a elite que paga por conteúdo de qualidade e o "digital precarizado" atraído por entretenimento viciante e conteúdo gratuito.
Um ecossistema de mídia saudável é essencial para a democracia. Quais serão os nossos futuros midiáticos no Brasil? Precisamos falar, discutir e pesquisar mais sobre estas (novas) empresas de mídia.
Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.