O voto LGBT é um patrimônio da esquerda?
Discussão entre Jean Wyllys e Eduardo Leite acende debate sobre se esse eleitor é pertencente a alguma corrente ideológica ou não
Com avanços significativos nas últimas décadas, como o enquadramento da homofobia como crime equiparado ao racismo, resolução para casamento homoafetivo e direito de adoção, uso de nome social e reconhecimento da identidade de gênero, garantia de cirurgia de redesignação sexual pelo SUS e suspensão das restrições de doação de sangue, a pauta LGBTQIAPN+ ganhou extrema relevância na discussão da política nacional. Na esteira da assunção das conquistas, o Brasil viu surgir uma grande parcela de pessoas se autodeclarando pertencentes a uma das diversas letras que compõem esse grupo social que não se identifica com a heterossexualidade.
Em estudo comandado pela IPSOS, realizado em 2023, ao medir 30 países, o Brasil venceu como o de maior população declarada LGBT+ do mundo. Cerca de 15% dos entrevistados brasileiros disseram ser pertencentes dessa comunidade. Um número maior do que o recenseado pelo IBGE, mas que parece refletir mais a realidade, principalmente quando comparado com índices obtidos por pesquisas de opinião pública, em geral.
O recente episódio envolvendo o ex-deputado federal Jean Wyllys e o atual governador do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ambos assumidamente homossexuais, e que discutiram publicamente sobre as escolas cívico-militares, acendeu um debate sobre a característica desse voto. A questão que mais intriga é se esse eleitor LGBT+ é pertencente de alguma corrente ideológica ou não, se é de direita, de centro ou de esquerda.
O fato é que se o voto LGBT+ já tinha um pêndulo para a esquerda, depois de Bolsonaro acabou encurvando totalmente para essa direção. Com a polarização aguçada, qualquer medida que pareça estar em consonância com algum ideal da política bolsonarista já motiva um levante, por vezes exagerado, no sentido de não aceitação. O próprio debate sobre as escolas cívico-militares em nada tem a ver com a questão da sexualidade, sendo um confronto sobre modelos curriculares, mas que acabou sendo levado a esse campo, nas acusações de Wyllys contra o governador gaúcho.
Cabe ressaltar que Eduardo Leite, o político homossexual em cargo mais relevante do País, não é propriamente um candidato da esquerda brasileira. Filiado ao PSDB, tem um posicionamento mais liberal e de centro. Vereador da cidade de São Paulo, Thammy Miranda, é um político transexual que foi eleito pelo PL, antes ainda do ingresso de Bolsonaro à legenda. Ou seja, apesar da hegemonia da esquerda, há espaço para a comunidade LGBT+ na outra raia. Outrossim, chama a atenção um levantamento do Instituto Atlas, de 2021, que revelou que 60% dos brasileiros poderiam votar em um candidato gay à presidência da República, mostrando que essa questão pode estar acima de ideologias ou campos políticos.
Não há paternidade em voto, o que existe é momento e identidade. Hoje, o eleitor LGBT+ brasileiro é majoritariamente à esquerda, mas isso não é imóvel. Na Alemanha, a comunidade LGBT+ esteve com Angela Merkel, política da direita, da União Democrata Cristã, que permitiu a aprovação do casamento gay no país. Desde Stonewell, a origem do movimento LGBT+ é pela liberdade e igualdade, lemas que vieram da Revolução Francesa e do Iluminismo e que coadunam com a democracia. Extremismos não só atrapalham o legítimo combate como impossibilitam que outras frentes venham a se somar. A luta por direitos merece ser universal e quando reduzida a campos pode se revelar desoladora.