Olimpíada de Tóquio: as medalhistas chinesas investigadas por usar broches de Mao no pódio
Uso dos broches pelas duas ciclistas pode ser considerado uma violação regras olímpicas
O Comitê Olímpico Internacional (COI) diz que investiga duas ciclistas chinesas que, durante a cerimônia de premiação, usaram broches com a imagem de Mao Tsé-Tung, líder da Revolução Chinesa e fundador da República Popular da China.
Um porta-voz do COI disse que contatou o Comitê Olímpico Chinês para obter um relatório sobre o incidente.
Bao Shanju e Zhong Tianshi venceram uma prova de duplas de ciclismo na segunda (02/08). O uso do broche por elas pode significar uma violação das regras olímpicas, que vetam demonstrações políticas no evento internacional.
O Artigo 50 da Carta Olímpica diz que "nenhum tipo de protesto ou propaganda política, religiosa ou racial é permitida em qualquer dos recintos olímpicos ou em outras áreas".
As regras foram flexibilizadas no mês passado para permitir que os atletas "expressassem suas opiniões" antes e depois de competirem, o que abriu caminho para atletas ajoelharem, em crítica ao racismo, sem sofrer sanções.
Mas a proibição continua para gestos e demonstrações durante as competições e nas cerimônias de entrega de medalhas.
Mao Tsé-Tung governou a China com mão de ferro de 1949 até a sua morte, em 1976. Ele é apontado como responsável por um dos maiores desastres humanitários da história, quando a campanha Grande Salto para Frente, que tinha o objetivo de modernizar a agricultura chinesa e a indústria, gerou um estado generalizado de fome e causou a morte de até 45 milhões de pessoas.
Questionado sobre os broches das ciclistas chinesas, o porta-voz do COI Mark Adams disse que o comitê está "avaliando a questão".
O COI também está investigando a atleta americana de arremesso de peso Raven Saunders, que fez um X com os braços quando recebeu a medalha de prata.
Saunders, que é negra e gay, disse que o gesto representa a "intersecção onde todos os oprimidos se encontram".
O COI pediu mais detalhes sobre o episódio ao time dos Estados Unidos. Saunders recebeu amplo apoio por seu gesto, inclusive dos organizadores do Comitê Olímpico dos EUA. O COI disse que levaria isso em consideração na sua decisão.
Broches de Mao
Bilhões de broches de Mao foram produzidos na China nos anos 1960. O volume era tão grande que eventualmente a sua fabricação teve que ser restrita porque estava consumindo importantes suprimentos de metal.
Eles eram usados durante a Revolução Cultural da China, para demonstrar lealdade a Mao, mas continuam sendo populares. O atual líder da China, Xi Jinping, tentou evocar a imagem de Mao usando um terno cinza que ganhou fama com ex-líder, num evento em comemoração ao centenário de fundação do Partido Comunista.
Imprensa estatal chinesa destaca fervor por Mao - e depois deleta postagem
Por Kerry Allen, analista sobre China da BBC News
Na segunda, o veículo de imprensa estatal chinês Global Times postou uma foto no Twitter das duas ciclistas que ganharam o ouro. O tuíte dizia que "Zhong Tianshi e Bao Shanju estavam usando broche de Mao durante a cerimônia de entrega da medalha".
Após uma hora, o post foi apagado. Ativistas logo começaram a criticar o jornal e as atletas, acusando-as de promover simbolismo político na Olimpíada.
Um post parecido na conta do Weibo (rede social chinesa) do mesmo jornal dizia: "Vejam! Mao está no peito das campeãs". Ele também foi deletado, mas só depois de ficar no ar por seis horas e atrair mais de 10 mil likes.
O Global Times tem mais de 30 milhões de seguidores no Weibo. Portanto, muitos na China logo ficaram sabendo do uso do broche.
Isso acendeu muitos debates. Alguns disseram ser admirável que jovens atletas chineses queiram reconhecer a história do país. Outros afirmaram ser uma "benção" que a nova geração queira homenagear seus predecessores.
O legado de Mao Tsé-Tung é tão fortemente sedimentado na China e encapsulado na educação, cultura e filmes que alguns disseram que as duas ciclistas seriam "as guerreiras nacionais" da atualidade.
No entanto, diante da herança controversa de Mao, outros comentários foram bem mais críticos. Alguns expuseram que o jornal deletou os posts e perguntaram se o veículo de imprensa estava "com medo" de que houvesse consequências para as atletas.
Vários fizeram referência à Revolução Cultural e uma pessoa chamou o gesto das atletas de "ignorante", o que mostra que nem todos têm uma visão favorável da era Mao.