ONU relaciona príncipe saudita à morte de jornalista
ONU diz haver "evidências críveis" de participação de príncipe em assassinato de Jamal Khashoggi e pede investigação de monarca.
Um relatório da ONU afirmou nesta quarta-feira (19) que o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul foi premeditado e planejado por autoridades sauditas. O documento indica que a suposta participação do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman no caso deveria ser investigada.
Essa é a conclusão de um relatório de 100 páginas apresentado pela relatora da ONU para execuções extrajudiciais, Agnes Callamard, que visitou a Turquia este ano para investigar os fatos que ocorreram em 2 de outubro de 2018 no consulado saudita.
No documento, que na próxima semana será apresentado oficialmente diante do Conselho de Direitos Humanos, Callamard pede à comunidade internacional que aumente as sanções contra o príncipe saudita e suas propriedades, "até que possa provar que não tem nenhuma responsabilidade".
Callamard conclui que o jornalista "foi vítima de uma execução deliberada e premeditada pela qual a Arábia Saudita é responsável sob as leis internacionais em matéria de direitos humanos".
Khashoggi, colunista do jornal americano The Washington Post abertamente crítico à monarquia do seu país, foi assassinado e esquartejado por agentes sauditas no consulado da Arábia Saudita em Istambul, onde estava para tratar trâmites de seu casamento.
Segundo o extenso relatório, há "evidências críveis que merecem uma maior investigação" sobre a responsabilidade do príncipe saudita nestes eventos "por parte de uma autoridade apropriada", razão pela qual o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, também é solicitado a tomar medidas sobre o assunto.
"As circunstâncias da morte levaram a várias teorias e alegações, mas nenhuma delas tira responsabilidade da Arábia Saudita", sustenta a relatora.
Callamard determinou que neste caso houve pelo menos seis violações da lei internacional, entre elas detenção arbitrária, uso extraterritorial da força, tortura e desaparecimento forçado.
A estas violações se acrescentaram outras quatro quando as autoridades sauditas assumiram a investigação do assassinato, pela falta de transparência, a falta de cooperação internacional em um crime além da fronteira e a ausência de garantias de julgamento justo.
O relatório também critica a resposta internacional ao crime, que considera "pouco efetiva", e afirma que sanções como as impostas pelos Estados Unidos contra 17 altos cargos sauditas, entre os quais não se encontra o príncipe Bin Salman, são "insuficientes" e devem ser aumentadas. "Trata-se de um crime de Estado, e essas sanções particulares contra indivíduos são uma cortina de fumaça que reduz a atenção para a responsabilidade estatal", afirma o relatório.
Aliado de Donald Trump, Salman, de 33 anos, ocupa oficialmente o cargo de vice-primeiro-ministro da Arábia Saudita e, desde 2017 é o herdeiro aparente ao trono saudita que desde 2015 é ocupado por seu pai, o rei - e primeiro-ministro - Salman bin Abdulaziz, em uma monarquia tradicionalmente abalada por intrigas familiares e lutas pelo poder.
Organizações de direitos humanos consideram a absolutista monarquia saudita um dos países com maiores violações das liberdades fundamentais. Estas violações incluem desde o frequente recurso aos castigos corporais e às execuções públicas até a segregação da mulher em praticamente todos os setores, passando pela intervenção de Riad no conflito do Iêmen por meio de bombardeios contra civis.
Após a divulgação do relatório, o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel al Jubeir, criticou a investigação. "O relatório inclui contradições claras e acusações sem fundamento que fazem questionar sua credibilidade", declarou, na primeira reação oficial do reino saudita às acusações contra o príncipe.
Al Jubeir defendeu ainda as investigações que estão sendo realizadas na Arábia Saudita e disse que 11 pessoas já foram formalmente acusadas pelo crime. A promotoria saudita pediu a pena de morte para cinco deles, sem identificá-los.
Já o governo da Turquia disse que apoia o relatório. "Respaldamos com firmeza as recomendações da relatora para esclarecer o assassinato de Khashoggi e fazer os responsáveis prestar contas", afirmou o ministro do Exterior turco, Mevlüt Çavusoglu, em sua conta no Twitter.
Khashoggi foi morto por um grupo de agentes que viajaram da Arábia Saudita para a Turquia - alguns deles ligados ao príncipe herdeiro. O assassinato aconteceu no consulado saudita em Istambul, aonde ele foi, em 2 de outubro, para pedir documentos necessários para que pudesse se casar com a noiva, uma cidadã turca. Até hoje o corpo jornalista não foi encontrado.
Após negar inicialmente a morte do jornalista, Riad indicou que ele tinha sido morto durante uma operação não autorizada, supervisionada por dois altos funcionários que mais tarde foram destituídos.
A Turquia, porém, atribuiu o assassinato às esferas mais altas do governo saudita. Ancara pediu a extradição de 18 sauditas suspeitos de envolvimento no assassinato, mas Riad rejeitou essa possibilidade, afirmando que os suspeitos seriam julgados na Arábia Saudita.