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"Os dados sobre a longevidade extrema estão podres", diz Saul Justin Newman, ganhador do Ig Nobel

A pesquisa de Saul Newman sugere que estamos completamente enganados quanto à duração da vida humana

16 set 2024 - 05h10
(atualizado às 10h18)
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Dos hábitos natatórios de trutas mortas à revelação de que alguns mamíferos podem respirar pelo traseiro, há anos cientistas de vanguarda comparecem ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) para receber e agradecer o Prêmio Ig Nobel, que realizou sua 34ª cerimônia anual no último dia 12 de setembro. E não confunda com os Prêmios Nobel: os Ig Nobels reconhecem descobertas científicas que primordialmente "fazem as pessoas rirem, e depois pensarem".

Conversamos com um dos ganhadores deste ano, Saul Justin Newman, pesquisador sênior do Centro de Estudos Longitudinais do University College London. Sua pesquisa descobriu que a maioria das afirmações que se faz sobre pessoas que vivem acima de 105 anos está errada.

Como ficou sabendo do seu prêmio?

Atendi o telefone depois de enfrentar o trânsito e a chuva com um cara de Cambridge, no Reino Unido. Ele me falou sobre esse prêmio e a primeira coisa que me veio à cabeça foi a senhora que coletava meleca de baleias e o sapo que levitava. Eu disse: "Com certeza quero fazer parte desse clube".

Como foi a cerimônia?

A cerimônia foi maravilhosa. É um tanto divertida, em um salão grande e chique. É como se você pegasse a cerimônia mais séria possível e tirasse sarro de cada aspecto dela.

Mas seu trabalho é, na verdade, incrivelmente sério?

Comecei a me interessar por esse tópico quando desmascarei um par de artigos na Nature e Science (as duas revistas científicas mais conhecidas e prestigiosas do mundo) sobre envelhecimento e longevidade extrema na década de 2010. Em geral, as afirmações sobre quanto tempo as pessoas estão vivendo não se sustentam. Eu localizei 80% das pessoas com mais de 110 anos no mundo (os outros 20% são de países que não podem ser analisados de forma significativa). Dessas, quase nenhuma tem uma certidão de nascimento. Nos EUA, há mais de 500 dessas pessoas; sete têm uma certidão de nascimento. Pior ainda, apenas cerca de 10% têm uma certidão de óbito.

O epítome disso são as chamadas "zonas azuis' (blue zones), que são regiões onde as pessoas supostamente chegam aos 100 anos de idade em uma taxa impressionante. Por quase 20 anos, elas têm sido vendidas para o público assim. Elas já foram objeto de toneladas de trabalhos científicos, um popular documentário da Netflix, e toneladas de livros de receitas sobre coisas como a dieta mediterrânea e assim por diante.

Okinawa, no Japão, é uma dessas zonas. Houve uma análise do governo japonês em 2010, que constatou que 82% das pessoas com mais de 100 anos no Japão estavam mortas. O segredo para viver até os 110 anos era não registrar sua morte.

O governo japonês também realiza uma das maiores pesquisas nutricionais do mundo, que remonta a 1975. Desde então até agora, Okinawa tem tido a pior saúde do Japão. Eles são os japoneses que comem menos vegetais, e bebem muito.

E em outros lugares?

O mesmo vale para todas as outras zonas azuis. O Eurostat registra a expectativa de vida na Sardenha, a zona azul italiana, e em Ikaria, na Grécia. Quando a agência começou a manter registros pela primeira vez em 1990, a Sardenha tinha a 51ª maior expectativa de vida na velhice na Europa entre 128 regiões, e Ikaria era a 109ª. É incrível a dissonância cognitiva que está ocorrendo. Com os gregos, de acordo com minhas estimativas pelo menos 72% dos centenários estavam mortos, desaparecidos ou eram essencialmente casos de fraude de pensão.

O que você acha que explica a maioria dos dados falhos?

Isso varia. Em Okinawa, o melhor indicador de onde estão os centenários é onde os cartórios de registros foram bombardeados pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Isso ocorre por dois motivos. Primeiro, que se a pessoa morreu na guerra, ela permaneceu nos livros de algum outro registro nacional, que não confirmou sua morte. Ou, se estiver viva, ela passou a viver sob um governo de ocupação que não falava seu idioma, trabalhava com um calendário diferente e confundiu sua idade.

De acordo com o ministério grego que distribui o pagamento de pensões e aposentadorias, mais de 9 mil pessoas com mais de 100 anos estão mortas e recebendo uma pensão ao mesmo tempo. Na Itália, descobriu-se que cerca de 30 mil beneficiários de pensão e aposentadoria "vivos" estavam mortos em 1997.

As regiões onde as pessoas costumam chegar aos 100-110 anos de idade são as onde há mais pressão para cometer fraudes em pensões e aposentadorias, e também têm os piores registros. Por exemplo, o melhor lugar para se chegar aos 105 anos na Inglaterra é Tower Hamlets. Ela tem mais pessoas com 105 anos de idade do que todos os lugares mais ricos da Inglaterra juntos. É seguida de perto pelo centro de Manchester, Liverpool e Hull. Esses lugares, no entanto, têm a menor frequência de pessoas com 90 anos de idade e são classificados pelo Reino Unido como os piores lugares para ser idoso.

O homem mais velho do mundo, John Tinniswood, supostamente com 112 anos, é de uma região muito difícil e pobre de Liverpool. A explicação mais fácil é que alguém registrou sua idade errado em algum momento.

Mas a maioria das pessoas não perde a conta de sua idade…

Você ficaria surpreso o quanto que isso é comum. Observando os dados do UK Biobank, mesmo as pessoas que estão na meia-idade rotineiramente não se lembram da idade que têm ou da idade que tinham quando tiveram seus filhos. Há estatísticas semelhantes nos EUA.

O que tudo isso significa para a longevidade humana?

A questão é tão obscurecida por fraudes, erros e ilusões que simplesmente não sabemos. A saída clara para isso é envolver físicos para desenvolver uma forma de medir a idade humana que não dependa de documentos. Podemos então usar isso para criar métricas que nos ajudem a medir a idade humana.

Mãos jovens segurando mãos idosas
Mãos jovens segurando mãos idosas
Foto: The Conversation

A expectativa de vida está no centro da economia global. Simon Pilolla 2

Os dados de longevidade são usados para projeções de expectativa de vida futura, e também para definir idade de aposentadoria de todos. Estamos falando de trilhões de dólares em dinheiro de pensões. Se os dados forem um lixo, as projeções também serão. Isso também significa que estamos alocando quantias erradas de dinheiro para planejar e construir hospitais que irão cuidar de pessoas idosas no futuro. Seus prêmios de seguros também são baseados nisso.

Qual é o seu melhor palpite sobre a verdadeira longevidade humana?

É muito provável que a longevidade esteja ligada à riqueza. As pessoas ricas fazem muito exercício, têm pouco estresse e se alimentam bem. Acabei de publicar um preprint (estudo ainda não revisado por pares) analisando os últimos 72 anos de dados da ONU sobre mortalidade. Os lugares que, de acordo com a ONU, atingem consistentemente as taxas mais altas de longevidade são Tailândia, Malaui, Saara Ocidental (que não tem governo) e Porto Rico, onde as certidões de nascimento foram completamente canceladas como documento legal em 2010 por estarem repletas de fraudes previdenciárias. Esses dados são simplesmente podres de dentro para fora.

Você acha que o Ig Nobel fará com que sua ciência seja levada mais a sério?

Espero que sim. Mas, mesmo que isso não aconteça, pelo menos o público em geral vai rir e pensar sobre isso, mesmo que a comunidade científica ainda esteja um pouco irritada e na defensiva. Se eles não reconhecerem seus erros durante minha vida, acho que vou pedir a alguém para fingir que ainda estou vivo até que isso mude.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Saul Justin Newman não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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