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Paixão ou exaustão? Como aprender a definir limites em sua vida

'Mas como mudar algo que parece um traço imutável de personalidade? Como parar algo que traz esse intenso prazer?'

5 out 2024 - 03h11
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Fiz terapia durante dez anos, entre os 25 e os 35, com o mesmo psicanalista. Durante as sessões, um assunto era recorrente: minha falta de limite no trabalho, minha maior paixão na época, que continua atual. Trabalhar sempre me trouxe um grau de realização desproporcional. Descobri cedo que a vida se mostrava mais pulsante, mais colorida, mais cheia de sentido quando eu construía algo e me entregava a esse processo. O trabalho era e segue sendo esse agente sedutor de transformação da realidade, que só depende da minha força e do meu empenho.

Devo ter contado aqui que comecei a me perceber uma pessoa vendendo pulseiras de miçanga na rua de casa. Minha vizinha, cheia de talentos manuais, montava pulseiras nas cores que eu imaginava serem da moda e eu saía de casa em casa vendendo. Descobri que, se fizéssemos pulseiras e colares combinando, vendíamos mais e assim meu negócio das férias prosperou até voltarem as aulas.

Eu acordava e dormia pensando nas novas cores e em como eu abordaria minhas clientes. Nas conversas com meu terapeuta, a questão era o limite físico que eu sempre ultrapassava, o que o levou a me contar a história da precursora da dança moderna mundial, Isadora Duncan. Ela tinha uma nova visão sobre a dança e, na busca pela excelência, chegava ao ponto de ter os pés em carne viva. A imagem da alegria de viver, que era o que me levava ao trabalho, era substituída pela dor física e pela falta de limite. Eu sabia que tinha que olhar para essa imagem com cuidado pois me reconhecia nela.

Vinte anos depois, durante uma viagem nesta semana, os pés de Isabela voltaram a fazer parte da minha vida. Após alguns dias de intenso trabalho em Paris, me preparei para os últimos compromissos do dia. Durante uma reunião online, senti uma intensa dor no abdômen, mas segui firme. Eu me arrumei e, pronta para sair para um jantar de trabalho, senti mais uma pontada. Novamente, neguei sua existência. Entrei no Uber na companhia de uma cliente e, em 5 minutos, estava desmaiada. Pés em carne viva e o olhar sábio do terapeuta Roberto Noschese voltaram ao quadro. Eu não tenho limite. Recuperei a consciência poucos minutos depois, voltei para o hotel, tomei água. A falta dela deve ter sido a causa do mal-estar.

Ao sentir-me melhor, fiquei me culpando por ter perdido o tal compromisso. Isadora talvez se culpasse também por ter que parar de dançar por conta dos pés que não aguentavam o peso de sua paixão. Não acho que ela tivesse orgulho de fazer como fazia, eu certamente não acredito que seja essa a melhor forma. Mas como mudar algo que parece um traço imutável de personalidade? Como parar algo que traz esse intenso prazer? Porque, claro, eu estava tendo um enorme prazer naquele dia em Paris, como Isadora certamente tinha dançando à exaustão. Não tenho a resposta e não tenho nenhum conselho para aqueles que, como eu, têm em suas paixões uma bênção e uma maldição.

Estadão
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