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Parcerias Brasil-China: navegando no tabuleiro geoeconômico internacional

Estratégias, desafios e oportunidades na construção de laços econômicos e diplomáticos no cenário global.

1 jan 2025 - 15h40
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O mundo vive uma transformação profunda, em que a lógica do mercado cede lugar a uma ordem geoeconômica, onde Estados utilizam instrumentos econômicos com fins estratégicos, políticos e de segurança nacional. Exemplo disso é o controle da exportação de bens de uso duplo ou o aumento de tarifas como ferramenta de pressão.

Nesse cenário, a segurança econômica ganha centralidade, e a interdependência econômica, antes vista como benefício mútuo, tornou-se instrumento de poder. Os Estados utilizam conexões comerciais, financeiras e produtivas para pressionar ou obter vantagens políticas e econômicas. As crescentes tensões entre Estados Unidos e China ilustram essa nova realidade, marcada pela fragmentação das cadeias globais de valor, a regionalização do comércio e a competição tecnológica.

No centro desse processo está o Brasil, que busca preservar sua autonomia diplomática enquanto explora oportunidades em um ambiente global marcado por tensões entre Estados Unidos e China. A visita de Xi Jinping ao Brasil, em novembro de 2024, resultou na assinatura de 37 acordos bilaterais, abordando áreas como agricultura, finanças, infraestrutura e tecnologia. Tais iniciativas destacam a posição do Brasil no tabuleiro global, equilibrando cooperação e autonomia.

Abertura de mercados: o novo "grão de ouro" brasileiro?

Entre os acordos assinados, a abertura do mercado chinês para produtos como uvas frescas, farinha de peixe, gergelim e sorgo merece destaque. Este processo, que exige a harmonização de padrões fitossanitários, cria oportunidades significativas para o agronegócio brasileiro. O sorgo, em particular, apresenta grande potencial. Resistente a climas áridos e utilizado na produção de biocombustíveis e ração animal, o cereal é importante para regiões semiáridas do Brasil.

Apesar de ser o terceiro maior produtor mundial, o Brasil ainda ocupa uma posição marginal no comércio global, com apenas 0,29% das exportações. A China, maior consumidora mundial, importa cerca de 7 milhões de toneladas anuais, majoritariamente dos Estados Unidos.

Contudo, o agravamento da rivalidade sino-americana, especialmente sob a reeleição de Donald Trump, pode levar Pequim a buscar fornecedores alternativos. Neste contexto, o sorgo brasileiro surge como opção tática, representando uma oportunidade para consolidar a presença do Brasil no mercado asiático e ampliar sua competitividade agrícola.

BNDES e CDB: diversificação monetária

Outro ponto-chave foi o acordo entre o BNDES e o Banco de Desenvolvimento da China (CDB), resultando em um empréstimo de RMB 5 bilhões (cerca de R$ 4 bilhões). O objetivo principal é financiar projetos estratégicos e ampliar o uso do renminbi (RMB) como moeda de liquidação comercial entre empresas brasileiras e chinesas. Esse movimento é amplamente interpretado como uma estratégia para reduzir a dependência do dólar americano no comércio internacional, o que considero válido. No entanto, de um ângulo mais pragmático, a iniciativa também representa um esforço para diversificar as opções financeiras e reduzir os custos cambiais nas transações internacionais, sem desafiar a predominância do dólar.

A divisa americana permanece como a principal moeda do comércio global, representando 47,01% de todas as transações internacionais em setembro de 2024, enquanto o renminbi (RMB) responde por apenas 3,61%, conforme dados da SWIFT, uma rede global que acompanha pagamentos internacionais.

Portanto, considero que o objetivo do acordo não seja substituir integralmente o dólar em todas as transações comerciais, mas, sim, ampliar as opções de pagamento. A meta é reduzir os custos cambiais nas operações com a China e fortalecer a flexibilidade econômica do Brasil em uma realidade em constante transformação.

Esse tipo de parceria alinha-se, inclusive, a práticas globais adotadas por países como Reino Unido, União Europeia e Japão, que utilizam mecanismos semelhantes para facilitar o comércio em RMB. Para o Brasil, essa estratégia não apenas reduz custos no comércio bilateral, mas também fortalece sua integração ao mercado asiático, ampliando sua resiliência em um sistema econômico fragmentado.

Nova Rota da Seda: pragmatismo e autonomia

Apesar de não aderir formalmente à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), o Brasil optou por negociar protocolos de sinergia. Essa decisão reflete o pragmatismo de sua política externa, que busca maximizar benefícios sem comprometer sua autonomia. Uma das possibilidades levantadas por especialistas é a modernização de rotas de transporte para escoar commodities brasileiras, com o Porto de Chancay, no Peru, como ponto estratégico. Isso reduziria custos logísticos e fortaleceria a competitividade brasileira no mercado asiático. Contudo, tais projetos exigem investimentos significativos em infraestrutura, conectando rotas internas ao litoral peruano.

Essa postura também responde à rivalidade sino-americana. Ao evitar um alinhamento explícito com a BRI, o Brasil mantém sua flexibilidade diplomática e preserva sua capacidade de diversificar relações comerciais, equilibrando seus interesses dentro das relações internacionais.

Telebras e SpaceSail: conectividade e soberania tecnológica

No campo tecnológico, o acordo entre a Telebras e a SpaceSail, concorrente chinesa da Starlink, é uma oportunidade para enfrentar desafios históricos de conectividade no Brasil. A SpaceSail planeja investir US$ 1 bilhão na instalação de teleportos e expansão da conectividade via satélites de órbita baixa, oferecendo alternativas à infraestrutura dominada pela Starlink. No entanto, é fundamental avaliar se o acordo inclui mecanismos de transferência de tecnologia, elemento crítico para ampliar a soberania tecnológica e reduzir dependências externas.

O sucesso dessa parceria dependerá da capacidade da SpaceSail de competir em qualidade e preço. Monitorar cuidadosamente os desdobramentos será vital para garantir que a iniciativa esteja alinhada aos interesses nacionais e traga benefícios duradouros.

O Brasil no grande jogo geoeconômico

Os acordos firmados entre Brasil e China refletem as complexidades e oportunidades de um mundo em transição para uma ordem geoeconômica. A abertura de mercados para produtos como o sorgo reforça o papel do Brasil no comércio agrícola global. A parceria financeira com o CDB amplia a flexibilidade econômica do país, enquanto a decisão de não aderir à BRI demonstra cautela estratégica. Por fim, o acordo com a SpaceSail representa um avanço em conectividade digital e soberania tecnológica.

Com essa configuração, o Brasil emerge como um ator-chave em um tabuleiro global caracterizado por tensões e rivalidades. Estratégias flexíveis serão cruciais para aproveitar os benefícios das parcerias, preservar a soberania nacional e explorar as oportunidades de um mundo competitivo e fragmentado.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Além de professor de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESP-SP, Alexandre Ramos Coelho é Coordenador do Núcleo de Geopolítica da think tank brasileira Observa China, que não possui fins lucrativos e também não é patrocinada por qualquer órgão político ou representativo da China.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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