PEC das Embaixadas: ministro é cobrado no Senado por não blindar Itamaraty
Chanceler Carlos França havia sido convidado para expor a posição do Itamaraty sobre emenda constitucional vista como um prejuízo à política externa, mas viajou para a reunião do G-20
Ausente da audiência que discutiu a PEC das Embaixadas, com 185 cargos de embaixador na mesa para barganha política entre o Palácio do Planalto e o Congresso, o chanceler Carlos França foi cobrado publicamente nesta terça-feira, 5, acusado de falta de empenho e de interesse em defender a diplomacia perante o Senado.
O ministro das Relações Exteriores havia sido convidado para expor a posição do Itamaraty sobre a emenda constitucional em discussão, vista como um prejuízo à política externa e à carreira diplomática por especialistas, mas viajou para a reunião do G-20, em Bali, na Indonésia. Em seu lugar, França enviou uma representante do terceiro escalão do ministério.
A principal crítica veio da relatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), que apresentou relatório favorável à aprovação da emenda. Ela é simpática ao governo Jair Bolsonaro. "Sempre me mantive muito aberta ao diálogo. Por isso mesmo, aproveito para ressaltar meu estranhamento por parte do Ministério das Relações Exteriores e do nosso representante maior (Carlos França) pela falta de interesse em busca da discussão com essa relatora", disse a senadora.
Daniella afirmou que desde o fim de maio, quando foi designada para relatar a PEC pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o chanceler não a procurou para uma audiência. "Não posso deixar de dizer que sentimos, sim, a falta dele, mesmo estando em missão (ao exterior). Em nenhum instante fui procurada presencialmente em defesa da diplomacia brasileira, a não ser em um telefonema muito rápido", lembrou.
A senadora observou que estava disposta a promover uma discussão mais aprofundada, mas que não poderia deixar de notar "a falta de empenho do Itamaraty quando há necessidade de fortalecer os argumentos em defesa da diplomacia brasileira".
"Deixo isso registrado para que fique nos anais da Casa e na mente de cada um dos diplomatas como tem se comportando o Itamaraty. Não houve interesse algum em defender a diplomacia do nosso País", constatou ela. A audiência pública foi presidida pela senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), numa tentativa de conter a articulação de ao menos 27 senadores favoráveis à PEC 34.
A proposta pode ser votada nesta quarta-feira, 6, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A emenda eliminaria a obrigação de parlamentares renunciarem ao mandato, caso venham a assumir a chefia de postos diplomáticos no exterior, indicados pelo presidente da República. A exigência de renúncia existe há 85 anos.
Senadores aliados a Alcolumbre, autor da proposta, indicaram possuir votos suficientes para aprovar o texto. Na avaliação desses parlamentares, a regra vigente representa uma discriminação aos congressistas.
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Todos os debatedores da audiência desta terça-feira se posicionaram contra a mudança proposta pela PEC, entre eles o ex-chanceler do governo Michel Temer Aloysio Nunes Ferreira (PSDB). A avaliação geral é a de que haverá prejuízos à separação entre os poderes e risco de partidarização da política externa.
O ministro Carlos França nunca expôs em público sua opinião sobre a PEC. Questionado pelo Estadão mais de uma vez, o ministério não havia antecipado sua posição. Como mostrou a reportagem, a expectativa era que França não comprasse briga com os senadores.
O chanceler foi representado pela embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, diretora-geral do Instituto Rio Branco. Menos incisiva nas críticas ao texto e mais cuidadosa na escolha dos termos do que os demais expositores, ela disse falar em nome de França e dos diplomatas de carreira, inclusive alunos do Rio Branco. Glivânia afirmou que corrobora com os argumentos dos demais.
"Temos sérias preocupações quanto a aspectos constitucionais relacionados à iniciativa. (...) Com todo o respeito ao excelentíssimo senhor senador Davi Alcolumbre e à relatoria (...) me permito transmitir a posição do nosso chefe e da nossa Casa quanto a aspectos sensíveis e possivelmente problemáticos quanto a elementos de constitucionalidade", destacou Glivânia.
Além da cobrança da relatora, o chanceler está na mira dos senadores pelos critérios de promoção aos cargos mais altos no Ministério das Relações Exteriores. Em maio, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) o pressionou, pouco antes da promoção recorde de mulheres. Renan pautou na Comissão de Relações Exteriores um requerimento para que o chanceler vá ao Senado explicar os "critérios de promoção" dos diplomatas, comparando-os com os adotados em outros países.
Diplomatas afirmam, nos bastidores, que o ministro teme se expor para não desagradar ao Planalto e se desgastar com a base do governo - boa parte dela subscreveu a PEC de Alcolumbre. Atualmente, o ministro divide holofotes no exterior com o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, que conduz incursões internacionais e chefia até missões comerciais, nem sempre totalmente alinhado ao Itamaraty.
Interlocutores dos senadores e diplomatas ponderam que, às vésperas do fim do mandato de Bolsonaro, a cúpula do Itamaraty se vê mais fragilizada politicamente para encarar a ofensiva dos parlamentares na PEC 34. Isso ocorre porque a chefia do ministério vai precisar do aval do Senado para decidir o próprio futuro com a virada de governo, ainda que Bolsonaro se reeleja. São comuns trocas grandes na diplomacia ao fim de um mandato e os embaixadores do mais alto escalão costumam negociar, por meio do chanceler, suas remoções para embaixadas estreladas no exterior. É um processo conhecido como "testamento", que precisa ser referendado pelos senadores.