Pesquisadores lançam manual para melhorar cobertura jornalística dos desastres climáticos
Publicação reúne conhecimentos acumulados em pesquisa científica sobre desastres socioambientais para abastecer profissionais de comunicação com informações qualificadas sobre causas e consequências de eventos decorrentes da emergência climática
Segundo o Atlas de Mortalidade e Perdas Econômicas por Extremos de Tempo, Clima e Água, da Organização Meteorológica Mundial, um desastre meteorológico, climático ou hídrico ocorreu, em média, todos os dias nos últimos 51 anos.
Inundações, secas, incêndios e tempestades foram registrados em vários continentes ao longo de 2024. Relatórios recentes indicam que 2023 foi o ano mais quente já registrado e que 2024 tende a seguir o mesmo caminho. Porém, com as mudanças climáticas, estima-se que o número de desastres tenha aumentado em cerca de cinco vezes.
O Rio Grande do Sul (RS), por exemplo, ainda vive as consequências de um dos maiores desastres do Brasil, que eclodiu no fim de abril deste ano. Seis meses após as inundações, quase 1,8 mil pessoas seguem desabrigadas. Poucos meses depois, situação parecida aconteceu na região de Valência, na Espanha, com chuvas em excesso num período curto de tempo. As imagens das tragédias rodaram o mundo, estamparam capas de jornais e viralizaram nas redes sociais.
No entanto, os cálculos de impacto consideram, na maioria das vezes, efeitos diretos e de curto prazo. Isso faz com que outros impactos indiretos sejam mais difíceis de mapear. É o caso de secas, que afetam a segurança alimentar, desnutrição e escassez da água, assim como de incêndios, que prejudicam a biodiversidade e subsistência, e acabem por não ser considerados como decorrentes de desastres.
Os desafios da cobertura
Mas como o jornalismo aborda os desastres? A cobertura de desastres, de forma geral, é focada nos eventos factuais do presente. No entanto, as consequências seguem por meses e até mesmo anos. A atenção midiática tende a se concentrar na eclosão do desastre, no momento da crise e de sua resposta emergencial, pela lógica do campo jornalístico ser orientada para fatos e desencadeada por aquilo que rompe com a normalidade conhecida.
Na medida em que se restabelecem os serviços e a rotina de grande parte da população - ou ainda que ocorre a sua naturalização -, diminui o interesse jornalístico também sobre os desastres, sendo substituído por outros novos acontecimentos.
Manter a pauta nos médio e longo prazos é um dos primeiros desafios da cobertura que busca contribuir com a redução de riscos de desastres e denunciar as injustiças socioambientais, já que a temporalidade do desastre é sempre maior para pessoas vulnerabilizadas.
Considerar as multicausas de um desastre é outro aspecto. Culpabilizar a ameaça pela tragédia é desconsiderar que o desastre só ocorre em um contexto social no qual falta capacidade de reação aos eventos extremos.
O jornalismo deve estar vigilante para não responsabilizar as chuvas ou os temporais pela ausência de políticas pública e/ou equívocos de gestão. Os estudos científicos alertam há anos que a crise climática provocará eventos extremos mais intensos e frequentes. O que está sendo feito para nos protegermos nesses cenários?
Soma-se a isso a dificuldade de acesso às localidades atingidas e mesmo de contato com pessoas por telefone/internet, falta de luz e etc. Como jornalistas podem retratar tais situações em condições tão adversas? Quem são as fontes que poderiam ajudar na explicação de tais acontecimentos?
O jornalismo desempenha um papel relevante quando traz, por meio de checagem qualificada, as informações que ajudam as pessoas a se localizarem e tomarem medidas adequadas para lidar com situações difíceis. Afinal, em momentos de ampla desordem informativa, como quando irrompe um desastre, há mais espaço para a partilha de informações erradas ou falsas, declarações descontextualizadas e imagens alteradas - a conhecida desinformação.
Orientações para pensar o trabalho jornalístico em situações críticas
A ideia de que o Brasil é um país livre de desastres dificulta a ação para o enfrentamentos dos riscos. Países que reconhecem a situação atuam para mitigar os riscos e se adaptar às possibilidades de um desastre. A percepção de riscos, que também é construída por meio de discursos jornalísticos, colabora para a discussão de planejamento e ação frente aos riscos de desastres. Contudo, como tal questão está inserida na formação dos profissionais?
Hoje são poucas as disciplinas nos cursos de jornalismo que abordam a complexidade das questões ambientais, apesar de vivermos uma crise climática que se intensifica a cada ano. As diretrizes curriculares apontam para a transversalidade do tema, embora, na prática, seja difícil mensurar o que isso representa na realidade de cada instituição de ensino.
Em termos de produção científica na área, também há muitas lacunas a serem preenchidas. Poucas pesquisas focam no que pode ser melhor desenvolvido e boas práticas jornalísticas, trazendo mais o foco para a crítica negativa ao apontar falhas. Entretanto, o jornalismo desempenha um papel fundamental em situações de desastre ao disponibilizar informação organizada e atualizada. Como avançar nessa direção?
Os manuais são propostas que visam colaborar com o desenvolvimento da atividade. Em 2020, o Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o Grupo de Estudos em Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria, produziram o Minimanual para a cobertura jornalística das mudanças climáticas, na tentativa de aproximar o tema das pessoas e colaborar para uma cobertura mais sistemática.
A apresentação da publicação foi assinada pela jornalista Sônia Bridi, que tem dito que hoje todo profissional deve ser jornalista do clima pela centralidade da questão em todas as esferas e setores da nossa sociedade.
A distância que existia na cobertura entre o fenômeno global e a repercussão local, uma das preocupações da publicação, diminuiu em pouco tempo em razão da maior frequência de desastres.
A concretude dos fatos impôs uma nova forma de pautar o debate público acerca do clima. Com a extensão do desastre vivenciado pelas pesquisadoras envolvidas nos estudos sobre desastres e mudanças climáticas, novas inquietações surgiram, acarretando um segundo manual.
Os manuais são publicações para consulta e leitura rápida nos momentos da construção da elaboração da notícia. Existem manuais de boas práticas, com foco na ética, clareza, responsabilidade e jornalismo de serviço público. Na área de riscos e desastres, há alguns que tratam do cuidado com que os profissionais da imprensa precisam lidar com saúde física e mental, e outros que tratam da comunicação de uma forma ampliada.
O Manual para a cobertura jornalística de desastres climáticos foi lançado neste dia 19 de novembro no site O Eco, e busca reunir os conhecimentos acumulados em pesquisa sobre o assunto para fomentar informações qualificadas e uma cobertura mais alargada dos desastres decorrentes da emergência climática. O texto tem o intuito de contribuir com jornalistas e organizações de mídia, trazendo conceitos, expressões, siglas, sugestões de fontes e, principalmente, a contextualização necessária para discutir a prevenção.
As preocupações sistematizadas no Manual trazem componentes para que os profissionais compreendam as muitas dimensões que atravessam a ciência dos riscos e desastres, além de apontamentos para repensar os enquadramentos e decisões tomadas durante a produção noticiosa. Apresentam-se as concepções de desastre, possibilidades de causas, o sistema de gestão de riscos brasileiro e pontos considerados sensíveis na cobertura da imprensa. A jornalista Daniela Arbex, que prefacia o novo manual, lembra que "aprender sobre aquilo que nos ameaça é a melhor forma de combater os riscos da desinformação".
Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.