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DINO

Pois é, as narrativas pressupõem direitos

4 out 2016 - 09h57
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A cultura da narração (narrative turn) foi fortificada ao longo dos últimos anos, especialmente nas disciplinas sociais e humanas. No Direito, a noção de narratividade nasceu no final dos anos oitenta, especialmente nos países anglo-saxões. Se ramificou em inúmeras vertentes, dentre as quais destaca-se a que trata as narrativas como meios de construção e outorga de sentido às arguições e ao material probatório de um processo.

Foto: DINO

Partindo da premissa de que a materialização de qualquer direito que é submetido ao crivo do Judiciário não ocorre sem que, antes, uma história seja contada, é que Calvo González percebe a construção e a satisfação de direitos como ato narrativo. Por isso pretende instalar, no seio das teorias críticas da decisão judicial, a cultura narrativista do Direito.

Para Calvo, o fenômeno jurídico, em sua práxis produtiva, interpretativa e aplicativa, possui natureza e propriedades narrativas. Para Todorov, toda narrativa é formada pela tensão de duas forças: uma é a mudança, o inexorável curso incontrolável dos acontecimentos, a interminável narrativa da história que tenta apresentar, a cada instante, novas narrativas. A outra é a força que busca a todo momento dar sentido aos instantes, conferir ordem, lógica e coerência entre eles, ainda que constantemente fracasse em seu intento. "A narrativa nunca obedece a uma ou a outra força, mas se constitui na tensão das duas".

O desenho teórico de Calvo não pretende se constituir como panaceia dos problemas sobre os quais se debruçam as clássicas teorias da decisão. Falta de coerência jurídico-normativa, desencontros hermenêuticos, antinomias, incapacidades psíquicas do julgador e arbitrariedade são apenas alguns dos dilemas experimentados pelas teorias da decisão. A possibilidade de mecanismos institucionais, normativos ou mesmo funcionais de controle das decisões não são o mote de Calvo. A arbitrariedade no direito, ainda que não se queira admitir, tem algo de naturalista, de excessivamente humano. É resultado de um fenômeno complexo que se dá em um mundo igualmente complexo.

Para Calvo, o fenômeno jurídico, em sua práxis produtiva, interpretativa e aplicativa, possui natureza e propriedades narrativas.Na medida em que as teorias da decisão tentam tornar algo de matemática uma atividade necessariamente subjetiva, tais intentos, um a um, dia a dia, se tornam letra morta nos imensos compêndios que buscam oferecer a terra prometida da estabilidade das decisões judiciais. Com razão, Morais da Rosa afirma que quem se ilude é mais feliz na medida em que se abraça com teorias do Direito que são tão fajutas quanto completas.

O que Calvo propõe não visa criar uma teoria geral, muito menos se pretende salvacionista, como sói acontecer com as teorias da decisão à brasileira, mas tão somente analisar criticamente, com outros olhos, o fenômeno da decisão judicial. Para isso, sua Teoria Narrativista escapa de toda a problemática que envolve a hermenêutica jurídica e os dilemas de adequação normativa.

Ainda que Calvo trate em inúmeros textos das inevitáveis qualificações jurídicas que cada vez mais se conferem aos fatos, foge da incontornável armadilha normativista na medida em que volta os olhos para as histórias e para os modos como elas podem ser contadas no processo. As razões da Teoria Narrativista são pressupostas aos dilemas de adequação normativa. E a crítica subliminar, que perpassa toda sua obra, é a de mostrar que os conflitos fático-narrativos estão muito longe de qualquer consenso para que as batalhas teórico-normativistas estejam tão avançadas quanto creem estar. Por isso Calvo quer saber como se contam as histórias, e o quê delas se crê ou se é capaz de crer, para só então, depois de respondidas tais perguntas fundantes, se possa passar o dilema da adequação normativa aos hermeneutas de plantão.

Não sem razão que Oswald de Andrade, a partir da literatura, sentenciou também para que juristas pudessem dar-se conta: "A gente escreve o que ouve, nunca o que houve" . É isso, por fim, que determina direitos, ainda que não se perceba.

Paulo Ferrareze Filho é advogado e sócio da banca GFSA, Doutorando em Direito (UFSC). Mestre em Direito (UNISINOS). Professor universitário. Livre pesquisador.

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