Polícia de Berlim investiga Roger Waters por roupa em show
Músico fez performance crítica representando um demagogo e vestindo uniforme em estilo nazista. Autoridades apuram se houve incitação ao ódio público, enquanto cantor diz ser alvo de "ataques de má-fé".A polícia alemã informou nesta sexta-feira (26/05) que abriu uma investigação sobre o músico Roger Waters, ex-integrante e um dos fundadores da banda Pink Floyd, depois que ele usou um uniforme em estilo nazista no palco de um show em Berlim.
Imagens do show realizado em 17 de maio mostram o cantor e baixista vestindo um casaco longo com faixa vermelha no braço, apontando uma imitação de metralhadora para o público.
O traje incluía um emblema semelhante a uma suástica feito de dois martelos cruzados - iconografia que também apareceu nos figurinos do filme The Wall de 1982, estrelado por Bob Geldof.
Símbolos, bandeiras e uniformes nazistas são proibidos na Alemanha, mas há exceções para a exibição em contextos educacionais e artísticos. Waters passou a ser investigado por suspeita de "incitação ao ódio público", disse a polícia.
O conceito jurídico de "incitação ao ódio público" é normalmente aplicado a casos relacionados à negação do Holocausto na Alemanha, e considera ilegal o atentado à dignidade de "grupos nacionais, raciais, religiosos ou de um grupo definido por suas origens étnicas".
"Estamos investigando por suspeita de incitação ao ódio público, porque as roupas usadas no palco poderiam ser usadas para glorificar ou justificar o regime nazista, perturbando assim a paz pública", disse o porta-voz da polícia, Martin Halweg. "As roupas se parecem com o uniforme de um oficial da [organização paramilitar nazista] SS."
A abertura da investigação foi comemorada por algumas organizações judaicas, como a americana Stop Antisemitism.
Waters diz ser alvo de ataques de má-fé
O britânico de 79 anos publicou uma nota em suas redes sociais na qual afirma que sua apresentação em Berlim atraiu "ataques de má-fé daqueles que querem sujar minha reputação e me silenciar porque discordam de minhas visões políticas e princípios morais".
O músico afirmou que os elementos de seu show sendo questionados são "claramente uma manifestação em oposição ao fascismo, injustiça e fanatismo em todas as suas formas", e tentativas de representá-los como algo diverso disso são "falsas e motivadas politicamente".
Ele mencionou que a representação de um demagogo fascista desequilibrado faz parte de seus shows desde o álbum The Wall, de 1980, e que ele passou sua vida inteira se manifestando contra o autoritarismo e a opressão. Waters já havia usado a iconografia em shows anteriores na Alemanha sem problemas legais nos anos 2010.
"Quando eu era uma criança após a guerra, o nome de Anne Frank era com frequência mencionado em nossa casa, ela tornou-se um lembrete permanente do que acontece quando o fascismo não é combatido. Meus pais lutaram contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial, e meu pai pagou o preço final", escreveu Waters.
Alguns usuários de redes sociais também saíram em sua defesa, dizendo que a apresentação em Berlim foi uma recriação de cenas satíricas do filme do álbum The Wall, uma crítica ao fascismo.
"Ele está claramente representando o Pink do filme The Wall (1982), interpretado por Bob Geldof, que cai em uma fantasia de um fascista drogado em um filme que CONDENA o fascismo. Absurdo", escreveu o apresentador de podcast Joseph Attard no Twitter.
Turnê contestada
Waters é um conhecido ativista em defesa do povo palestino e já foi acusado de ter visões antissemitas. Ele já usou em alguns de seus shows um porco inflável marcado com a Estrela de Davi.
O cantor é membro do Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções, liderado por palestinos, que tem como alvo Israel por causa de sua ocupação de territórios onde os palestinos buscam constituir um Estado.
Autoridades de cidades alemãs, incluindo Munique, Frankfurt e Colônia, tentaram sem sucesso cancelar os shows de Waters depois que organizações judaicas, incluindo o Conselho Central de Judeus, o acusaram de antissemitismo.
No show de Berlim, Waters também projetou os nomes de diversas pessoas assassinadas em uma tela, incluindo o de Anne Frank, a adolescente judia morta em um campo de concentração, e o da jornalista palestina-americana Shireen Abu Akleh, provocando críticas de que ele estaria relativizando o Holocausto.
Uwe Becker, comissário antissemitismo do estado alemão de Hessen, disse ao jornal Frankfurter Rundschau que Waters estaria promovendo "ódio e incitação contra Israel" com seus shows.
O último show de sua turnê na Alemanha, em Frankfurt, ocorrerá neste domingo, e manifestantes planejam realizar protestos em frente ao local da apresentação
No final de abril, Waters conseguiur na Justiça uma tentativa de proibição a uma de suas apresentações na cidade. Na ocasião, a Justiça local entendeu que, apesar de alguns aspectos do seu show serem de "mau gosto", a apresentação estava protegida por razões de liberdade artística.
A Justiça de Frankfurt também entendeu que o show "não glorificava ou relativizava os crimes nazistas ou poderia ser identificada com a ideologia racista nazista" e que o concerto deveria ser encarado como um "trabalho de arte".
bl (AFP, Reuters)