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"Política de Bolsonaro contribuiu para oposição na Europa"

A belga Saskia Bricmont diz que Parlamento Europeu acompanha crise institucional no Brasil com preocupação

4 abr 2021 - 05h10
(atualizado às 08h27)
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Saskia Bricmont, 36 anos, é uma política belga do partido Ecolo (Grupo Verde), eleita membro do Parlamento Europeu de 2019 a 2024. A eurodeputada atua no Comitê de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos e no Comitê de Comércio Internacional. Defensora de um projeto europeu de sociedade "aberta, altruísta e tolerante", ela admitiu ao Estadão, por telefone, preocupação com os recentes desdobramentos políticos e a evolução da pandemia de Covid-19 no Brasil.

  • A atual crise institucional no Brasil é preocupante para o Parlamento Europeu?

Evidentemente, é uma evolução que seguimos de perto. A evolução da política do presidente Bolsonaro é preocupante há muito tempo. Observamos o retrocesso do respeito à proteção do meio-ambiente, ao direito dos povos indígenas... E por outro lado, o avanço do autoritarismo demonstrado pelo presidente. Olhamos também, com preocupação, a situação sanitária no Brasil e sua repercussão sobre a população. Na imprensa europeia faz-se muito eco sobre o risco de fome ligada à evolução (da pandemia). Então, é extremamente preocupante.

A eurodeputada Saskia Bricmont, representante da Bélgica no Parlamento Europeu
A eurodeputada Saskia Bricmont, representante da Bélgica no Parlamento Europeu
Foto: Reprodução/Saskia Bricmont / Estadão
  • A defesa dos valores democráticos e do Estado de Direito é ainda essencial para a ratificação do acordo UE-Mercosul? Se Bolsonaro se desviar desse caminho, seria o fim do acordo negociado por mais de 20 anos?

A política do presidente Bolsonaro cristaliza as oposições, principalmente sua gestão da política ambiental para a Amazônia. O fato de que sua política tenha aumentado os incêndios na Amazônia e a conscientização de que, no fim das contas, sua política ambiental e agroindustrial favoreciam a aceleração do desmatamento. Sua política contribuiu para cristalizar a oposição na Europa e principalmente, dos cidadãos. E no fim, são dois elementos concomitantes no contexto da conclusão do acordo UE-Mercosul e que de certo modo emerge no debate dentro da UE.

Será que uma interrupção desta política destrutiva e uma mudança do presidente afetaria completamente o acordo? Não sei. Mas se temos um presidente que retorna ao Acordo de Paris, um pouco como fez Joe Biden nos EUA, ou que respeita os direitos dos trabalhadores, dos povos indígenas, é evidente que modificaria a dinâmica e poderia ter alguma influência sobre os acordos.

De qualquer forma, temos ainda muitos problemas sobre a mesa em relação a este acordo de livre comércio. As normas de criação pecuária e de produção, as normas fitossanitárias não são as mesmas. Em certo momento, os agricultores europeus ficarão incomodados de serem obrigados a seguir certas regras e verem entrar no mercado europeu produtos do Mercosul com normas diferentes.

Outra dimensão que falamos menos, e de um ponto de vista menos eurocêntrico, é que este acordo permite exportar produtos que são proibidos na Europa. Seria normal exportar para outros países produtos nocivos para a saúde que não consumimos? A mesma questão se coloca para a saúde do consumidor europeu, uma vez que produtos com substâncias nocivas provenientes do Mercosul poderiam entrar no mercado europeu. A saúde e o meio-ambiente andam de mãos dadas e são os grandes perdedores nesta discussão sobre o acordo UE-Mercosul.

  • A senhora poderia citar um exemplo de produtos nocivos que poderiam ser exportados ao Mercosul?

Como parte do Acordo Verde Europeu (European Green Deal), temos a ambição de eliminar o uso de pesticidas, com um objetivo "zero pesticida" até 2050. Por outro lado, as empresas europeias que os produzem poderão continuar a exportá-los. Um dos setores "ganhadores" do atual acordo UE-Mercosul é o setor de grandes empresas agroquímicas europeias. Temos também os grandes produtores de soja (no Mercosul) que vão importar estes produtos.

  • Críticos acusam alguns países membros da UE de usar a não-ratificação do acordo como medida protecionista. É possível dissociar a proteção ambiental e a dignidade humana da produção agroindustrial e do comércio internacional?

Para nós, os elementos estão estreitamente ligados. É a questão de saber se as relações internacionais via comércio servem unicamente para atender necessidades econômicas em detrimento do meio-ambiente e do bem-estar social, ou, ao contrário, servem para reforçar o respeito ao meio-ambiente e às pessoas? São escolhas políticas e ideológicas que não deveríamos ter de nos colocar. A economia deveria estar a serviço das pessoas e não para explorá-las. É a lógica dos acordos de livre comércio que deveria mudar. Somos favoráveis ao comércio a partir do momento que eles melhoram o desenvolvimento e o bem-estar de todas as populações.

  • Então, o que o grupo Verde no Parlamento Europeu sugere em relação ao acordo com o Mercosul?

O acordo UE-Mercosul deve ser renegociado e modernizado. Nem um protocolo adicional, nem o acordo existente à hora atual são vinculantes para as questões sociais e ambientais, que continuariam à margem dos interesses econômicos.

Estadão
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