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Políticas públicas para mulheres atingidas por barragens: a solução pode ser o orçamento de gênero

Fortalecer e aprimorar as questões de gênero é uma dentre várias ações que podem reduzir as assimetrias no acesso a benefícios e indenizações sociais.

27 ago 2024 - 12h55
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A ausência do recorte de gênero nas diretrizes orçamentárias do governo prejudica o desenvolvimento do país. Um exemplo está nos números de violência, insegurança alimentar, salários e outros índices que ressaltam desigualdades. Uma alternativa para essa questão é o projeto do que pretende inserir o chamado "orçamento de gênero" no Plano Plurianual 2024-2027, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual.

O objetivo de "fortalecer e aprimorar" as questões de gênero é uma dentre várias ações que podem reduzir as assimetrias no acesso a benefícios e indenizações sociais.

Um bom exemplo pode ser observado no caso das mulheres desalojadas pela construção de barragens. Também pudera: a lei que protege as obras foi estabelecida em 2010. E só 13 anos depois, em 2023, foi criada a Lei que hoje oferece algum tipo de garantia às pessoas atingidas pelos impactos dessas mesmas obras.

Já é um avanço, mas que pode ir além. Por exemplo: um grande diferencial trazido pelo texto da nova lei está na inclusão de direitos para as pessoas que não possuem escritura, mas detêm algum tipo de posse em locais atingidos por barragens. Por outro lado, o texto peca ao não trazer garantias específicas para as mulheres, já que resta mais do que provado que são elas as mais afetadas em casos de desastres.

Uma confirmação desta falha está no fato de que recentemente a própria Justiça concedeu uma liminar em favor das mulheres atingidas por barragem, reconhecendo os acúmulos de violações pós-desastre - algo que poderia estar previsto em lei.

Outro ponto que flutua na regulamentação da legislação ambiental está nas barragens que operam mediante termo de ajustamento de conduta (TAC) ou mesmo liminar judicial e sem o devido licenciamento ambiental.

Necessidade, demanda, desenvolvimento estão entre os argumentos que justificam a manutenção. Questioná-las não é o objetivo, mas sim comparar a atenção dada à essa pauta, diametralmente oposta às demandas das pessoas que vivem nos entornos dessas obras e precisam se adequar às intempéries causadas pelas mudanças provocadas.

Por um lado, a flexibilização das leis por meio de decisões políticas e judiciais protege o capital privado e mantém o funcionamento das máquinas de lucro. Por outro, as pessoas atingidas seguem marginalizadas em seus direitos. Lidando com desafios múltiplos de falta de água, doenças, ausência de liberdades de ir e vir, entre diversos outros dilemas coletivos e individuais.

Os prejuízos causados às mulheres atingidas são avaliados por julgadores que não foram e nem serão atingidos. Que usam cálculos realizados por métricas simbólicas e numerais que jamais serão capazes de calculam a dimensão dos impactos.

A violência cultural, os afetos, as vivências e tudo que envolve a desconstrução da vida, para além do consumo e do lucro chamado de desenvolvimento, são narrativas impostas para justificar a expropriação.

Uma referência de luta por direitos das pessoas atingidas é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que desde 1970 busca representar as pessoas que estão desamparadas pelo Estado.

Antes do MAB se organizar, aconteceu em Morada Nova de Minas uma situação emblemática: em 1960 a cidade foi inundada pelo reservatório da barragem de Três Marias. A maioria das pessoas foi forçada a migrar às pressas, já que não tinham propriedade das terras onde viviam, para serem indenizadas e não foram informadas com antecedência, cenário diverso dos proprietários de terra. Muitos além de saber, tentaram dialogar com o então Presidente da República Juscelino Kubitschek.

O isolamento provocado pelas águas trouxe consequências nefastas: além da elevada tarifa do transporte fluvial com horário reduzido e funcionamento irregular, separou e empobreceu famílias vítimas da especulação imobiliária, obrigadas a migrar compulsoriamente.

Vivendo em total dependência de recursos e negociações com o Estado, a cidade antes independente, fica sujeita às decisões dos governos. Em 2001, a instalação de um projeto de piscicultura em tanque-rede trouxe reconhecimento nacional para a cidade, que após 20 anos tornou-se uma das maiores produtoras de tilápia do país.

Contudo, em 2019 o rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho assombrou pela segunda vez as pessoas da cidade. Dessa vez com a especulação de contaminação das águas com rejeitos de minério de ferro e o receio de perderem o crescimento econômico provocado pelo mercado do peixe.

Esse desastre gerou indenização coletiva e individual que é judicialmente contestada pela Vale. Enquanto a empresa recorre, a cidade celebra a indenização coletiva destinada ao asfaltamento dos 40km de estrada de terra que vai até a BR-040, aguardado desde a construção da primeira barragem, em 1960.

Algumas pessoas acreditam que enfim o asfalto vai sair, enquanto outras não acreditam nas instituições envolvidas e menos ainda que serão indenizadas de alguma forma.

Apesar disso, a indenização individual nomeada "Programa de Transferência de Renda" (PTR) já está em andamento há mais de um ano: algumas pessoas recebem e outras não sabem porquê e nem se receberão.

Pesquisas indicam que as mulheres são as maiores responsáveis pelos grupos familiares e, portanto, as mais vulneráveis em situações de desastres de barragens, enfrentando mais dificuldades de traslado e segurança, como mostram os estudos publicados na obra Sociologia dos Desastres, de 2009.

As mulheres de Morada tiveram suas vidas impactadas por 2 barragens: uma em 1960 e outra em 2019. Famílias separadas, redução de empregos, de oportunidades de crescimento, prosperidade e capacidade de escolhas de seus grupos. Mudanças estruturais na vida de gerações de pessoas que vivem da pesca, da natureza e que construíram suas vidas em lugares atingidos e não reparados.

Ao longo da história, a narrativa de desenvolvimento aplicada pelo Estado responde às expectativas econômicas de grupos minoritários, dissonantes às questões de gênero das populações ribeirinhas, mantendo por gerações a dependência de mulheres que sobrevivem de assistencialismo do governo, cercadas de obstáculos.

Violações culturais e interrupções de convívio estão entre alguns dos impactos que não podem ser corrigidos monetariamente. O medo enfrentado nas travessias das balsas que ainda hoje param de funcionar no meio do rio e empurra a embarcação de um lado para outro é irreparável monetariamente. O trauma causado não vem da força da natureza, mas da inação do Estado.

Outro agravante está na ausência de informação e participação nos processos de instalação e operação de barragens que agrava a surpresa diante dos desastres, dificultando a preparação das pessoas afetadas.

As consequências pós-desastre recaem mais ainda sobre as mulheres, já que são elas as maiores responsáveis pelo cuidado com a família e a casa, limitando suas escolhas e oportunidades.

A incorporação orçamentária de políticas de gênero enquanto uma política de Estado poderá reduzir desigualdades e, portanto, economia em saúde, aumento da força de trabalho, proteção ambiental e melhora de vida de forma ampla.

Apesar de estarem no mercado de trabalho, as mulheres ainda ocupam os cargos mais instáveis, com menores salários e menores chances de progressão, refletindo as desigualdades estruturais na sociedade brasileira.

No caso de Morada, as pescadoras foram forçadas a abandonarem seus barcos para buscar outros empregos, proteger suas vidas com receio das águas estarem contaminadas, privando seus filhos e familiares de uso para recreação, irrigação das plantações e alimentação dos animais.

Uma outra estratégia de redução de desigualdade também é prevista na Política Nacional do Cuidado, outra medida que vai impactar positivamente a vida das mulheres atingidas por barragens.

A destinação orçamentária de despesas obrigatórias para as demandas específicas de gênero, para mulheres que vivem em áreas de barragens é urgente. Para que as mulheres possam se organizar, prevenir e remediar situações emergenciais. E para amenizar os contingentes de sobreviventes que enfrentam no dia a dia com suas famílias ribeirinhas, beiradeiras, pescadoras e tantas pessoas que dependem de políticas públicas que as enxerguem.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Mônica Thaís Mendes Ribeiro não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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