A Luna não fez qualquer volta para dizer ao Miro que havia recebido de uma revista masculina um convite para posar nua. Contou direto, sem voltas. E disse, ainda, que aceitara o convite antes mesmo de consultá-lo. O Miro montou num porco, fez cena, ameaçou cortar os pulsos, mas ela se manteve firme na sua decisão anunciada, sem recuar um milímetro sequer."Mas não é nada do que você está pensando, amor", acudiu a Luna a explicar, tentando acalmar o marido.
O Miro olhou para a mulher, mais assustado que goleiro na hora do gol, depois perguntou, com ar de espanto.
"Desculpe, Luna. Mas, como assim... não é nada do que estou
pensando?"
"Ora, Miro! Vou sair na capa da revista. A Deusa da Luxuria. Nada de vulgaridades. Serão fotos bem transadas, dentro de um contexto apropriado, com muita sensibilidade, com arte, entende?"
"Entendo, sim! Dentro de um contexto apropriado, com arte...", desabafou o Miro, a cara de pura desolação.
"Sim, amor. Não será um nu gratuito, você entende?"
"Claro!", respondeu o Miro, recuperando a fleuma da indignação. "Com a grana que eles vão pagar pra você, não tenho a menor dúvida, pô! Realmente! Não será um nu gratuito!"
"Amor... Não será apenas o nu pelo nu, certo?", insistiu ela, dengosa. "Vamos fazer assim: eu ponho uma coleira com as tuas iniciais no pescoço."
"Não precisa! Muito obrigado", desconversou ele, com ar de
deboche.
"Bom...", retrucou ela, decidida. "Mais que uma coleira não posso usar. Sem chance, sai fora do contrato... Você entende, né amor?"
O Miro fez que sim com a cabeça e mergulhou num silêncio triste de dar pena, daqueles de partir a alma em zilhões de pedaços. Depois de um longo tempo imóvel, atirado no sofá, o olhar perdido no infinito branco da parede, abriu a porta e saiu para a rua.
Preocupada, a Luna quis saber aonde ele ia. Ele respondeu que à Borracharia do Dentão, o maior colecionador de pôsteres de mulheres nuas da cidade. Sua intenção era iniciar uma das empreitadas mais difíceis e inglórias de toda a sua vida: convencer o Dentão, por "a" mais "b", que existe uma abissal diferença entre o nu gratuito e o nu não-gratuito.
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